Percorrendo mais de 12 mil quilômetros carregada pelo vento, a fumaça dos incêndios florestais que afetam a Austrália chegou ao Rio Grande do Sul na tarde desta terça-feira (7). O fenômeno já atingiu o Sul, a Fronteira Oeste e a região central do Estado em forma de névoa em coloração cinza mesmo sem nuvens de chuva. Na Região Metropolitana de Porto Alegre há fumaça, embora não visível - o fenômeno modificou a coloração do pôr do sol, que ficou mais avermelhado e alaranjado que o visto normalmente, conforme a Somar Meteorologia.
A fumaça deve se dissipar com a chegada da chuva, o que deve ocorrer entre sexta (10) e sábado (11). Até lá, deve continuar se deslocando na direção da corrente de vento de altitude.
Os incêndios na Austrália, que começaram na primavera, em setembro, e seguem agora, no verão, estão entre os piores da história do país. A situação é catastrófica: uma porção de território quase do tamanho da Inglaterra está em chamas. Em algumas cidades, incluindo Sydney, Melbourne e Camberra (capital do país), o céu está pintado de vermelho-fogo e marrom. Ao menos 25 pessoas morreram, 1,5 mil casas foram destruídas e mais de meio bilhão de animais perdeu a vida.
A fumaça tóxica afeta australianos, que precisam usar máscaras para evitar problemas respiratórios – ao menos 100 mil pessoas saíram de casa e muitas acampam em campos de golfe ou na praia. Supermercados estão com prateleiras vazias, após moradores fazerem estoque de alimentos em casa.
Os incêndios são tão grandes que criam um clima próprio onde atuam, a ponto de gerarem raios, vento forte e tornados – na segunda-feira (6), um bombeiro morreu esmagado após um tornado levantar um caminhão.
A zona atingida por queimadas na Austrália (10 milhões de hectares, segundo a imprensa local, sendo que um hectare equivale a um campo de futebol) é quase do tamanho do território da Inglaterra (13 milhões de hectares). Foram registradas chamas com 70 metros de altura, o equivalente a um prédio de 20 andares.
— Uma da marcas aqui, como a gente sempre diz, é o céu. É muito azul, muito lindo, mas desde setembro a gente não vê isso, não tem. É fumaça o dia todo, e o céu cinza mesmo. Quando está perto do pôr do sol, fica uma bola laranja no céu, é muito estranho. É bem quente, a fumaça é bem pesada e a gente fica bem pra baixo — afirmou a GaúchaZH o engenheiro químico gaúcho Luis Renato Vaz Quoos, 26 anos, que mora em Randwick, subúrbio de Sidney.
Entenda, a seguir, os incêndios na Austrália:
Por que começaram os incêndios?
Incêndios florestais são comuns na Austrália entre o final da primavera, em novembro, e o fim do verão – com ápice entre janeiro e fevereiro, e declínio em março, quando a chuva chega e as temperaturas caem. Durante essa época, chamada de "temporada do fogo", é comum haver poucas chuvas, baixa umidade do ar e altas temperaturas. Os incêndios não são causados pelo ser humano, mas espontâneos: sob altas temperaturas e clima seco, a vegetação queima e as chamas se alastram pela savana, alimentadas por vento forte.
O problema é que a temporada do fogo começou antes, já no início de setembro. A primavera australiana foi a mais seca da história – dentre as áreas de pouca chuva, estavam as regiões mais agrícolas do país, agora foco de incêndio.
O calor também esteve presente: 2019 foi o ano mais quente da história no país, com 1,5ºC acima da temperatura média, segundo o Escritório de Meteorologia do governo australiano. A tendência deve continuar nos primeiros meses de 2020. No sábado (4), a região de Sydney registrou a mais alta temperatura da história: 48,9ºC. Na capital, Camberra, os termômetros alcançaram 44ºC.
A fumaça chegará ao Rio Grande do Sul? Vai causar problemas à saúde?
A fumaça chegou ao Rio Grande do Sul nesta terça-feira (7), mas ela não deve causar problemas à saúde dos gaúchos.
Até a segunda-feira (6), a previsão era de que a fumaça ficaria em altitude baixa no Estado – 1,5 km de altura –, o que poderia provocar danos à saúde. No entanto, o cenário mudou e a fumaça deve ficar a cerca de 10 km de altura, o que não deve causar problemas respiratórios.
— Alguns modelos indicavam que esse material chegaria ao sul do Brasil. Só que grande parte dele é transportado em altitudes de 10 quilômetros e fica concentrado nessa altitude. Mesmo presente na atmosfera, não provoca nenhum risco e nem prejudica a qualidade do ar — diz Marcelo Félix Alonso, professor de Meteorologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
— Se baixar de 1 mil metros aí pode ter alguma implicação. Caso contrário, não tem necessidade de usar máscara ou de restringir as atividades das crianças — tranquiliza o chefe do Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Porto Alegre, o pneumologista Adalberto Sperb Rubin.
Por volta das 14h, imagens de satélite mostravam uma pluma condizente com a fumaça. Mesmo assim, diz o professor, é impossível ter certeza absoluta de que se trata de resquícios das chamas na Austrália.
— Está mais concentrado no oeste gaúcho. Mas não creditaria 100% à fumaça — diz Alonso.
A meteorologista Carine Gama, da Somar Meteorologia, segue a mesma linha:
— São nuvens em altos níveis. Não dá para saber se tem componente de fumaça. É tudo hipótese — avalia.
Tem alguma relação com o aquecimento global?
Sim. A Austrália é, via de regra, quente e seca nesta época, mas estudos demonstram que o aquecimento global está deixando a temperatura ainda mais alta e a temporada de seca mais longa. Nesse cenário, a chance de surgirem incêndios é maior.
Há estudos indicando os efeitos do aquecimento global no país. O período de janeiro a novembro de 2019 foi o segundo mais seco da história da Austrália, de acordo com o Bushfire and Natural Hazard Cooperative Research Centre.
Desde 1910, a temperatura média na Austrália subiu 1ºC, segundo relatório de 2019 sobre o clima feito pelas agências de pesquisa científica e de meteorologia do governo australiano. "Mudanças climáticas, incluindo aumento nas temperaturas, contribuem para essas mudanças (mais incêndios naturais)", afirmou o documento.
Quais são as regiões mais afetadas?
Apenas um Estado australiano não está em chamas, e o pior cenário é no Sudeste, a região mais populosa do país. As regiões de Victoria (onde fica Melbourne) e Nova Gales do Sul (onde fica Sydney), são bastante afetadas. Grandes cidades como Camberra, a capital, e Adelaide também sofrem efeitos dos incêndios. Em Mallacoota, a população fugiu da cidade em navio.
Os incêndios na Austrália são diferentes das queimadas na Amazônia?
Sim. Apesar de o presidente Jair Bolsonaro e de os ministros Ricardo Salles e Onyx Lorenzoni afirmarem que a imprensa e a comunidade internacional dão tratamento desproporcional às duas situações, a realidade é que as queimadas nos Brasil e na Austrália têm causas distintas: por aqui, é por ação do homem e, por lá, um fenômeno cíclico da natureza, acentuado pelo aquecimento global.
Na Austrália (e também na Califórnia, Estados Unidos), incêndios ocorrem de forma espontânea entre a primavera e o verão por conta da combinação entre seca sazonal, altas temperaturas e vegetação local propícia para o fogo. A época é inclusive conhecida como "temporada do fogo" e a vegetação é acostumada a se reerguer após ser queimada. Neste ano, contudo, a situação é mais severa.
No Brasil, por outro lado, a Amazônia é úmida o ano inteiro e só pega fogo com ação humana – quando um incêndio aparece, é porque o homem desmatou a floresta e deixou a vegetação seca, cenário propício para o fogo. O espaço livre é em geral usado para pasto de bois.
Para além disso, o governo Jair Bolsonaro enfraqueceu a fiscalização de crimes ambientais ao neutralizar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Dentre as ações, criou burocracias para a aplicação de multas e passou a divulgar na internet locais de fiscalização antes de efetuá-las – algo equivalente a se a polícia avisasse dias e locais onde faria operações.
— Na Austrália, a vegetação é do tipo savana, de campo entremeado com árvores e arbustos. Existe, então, um primeiro combustível: o pasto seco que, sob o sol ardente, pega fogo – algo que ocorre também no cerrado brasileiro. Mas, na Floresta Amazônica, o clima é úmido e, portanto, as queimadas, quando aparecem, são por ação do homem — explica Carlos Nabinger, professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em agrometeorologia.
Algum político na Austrália foi criticado?
Sim. O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, do Partido Liberal, que é conservador, está sendo duramente criticado pela população local por não ter respondido ao incêndio à altura e por ter viajado ao Havaí durante a crise ambiental. Ele foi eleito em uma corrida eleitoral onde o aquecimento global era um dos núcleos de discussão. Sua gestão já vinha sendo criticada por negar os efeitos do aquecimento global, apoiar a indústria do carvão e colocar a culpa na grande seca dos últimos três anos.
Como resposta, Morrison prometeu criar mais fundos financeiros para bombeiros e pagar voluntários que trabalham para conter as chamas. O governo também irá enviar 3 mil soldados para combater as chamas. Ao mesmo tempo, ele declarou que a Austrália investe mais do que outros países desenvolvidos em políticas de preservação da natureza e que é preciso apoiar indústrias tradicionais para proteger a economia.
Scott Morrison foi criticado pela ativista sueca Greta Thunberg, que escreveu: "Mesmo desastres como este não parecem despertar ação política, como isso é possível?". Em resposta, o primeiro-ministro da Austrália afirmou que não estava ali para "impressionar pessoas de fora".
Como os incêndios afetaram os animais?
Mais de meio bilhão de animais morreram durante as queimadas. Cangurus conseguem fugir se não estiverem cercados pelo fogo, mas coalas, que são mais lentos, são queimados vivos. Ao menos 30% da população total de coalas de um Estado foi morta pelos incêndios.
Como ajudar?
Fundraiser
Se você mora na Austrália, pode ajudar doando para o Fundraiser, uma ferramenta do Facebook que permite que pessoas façam campanhas pessoais de arrecadação de fundos, criada por brasileiros para recolher doações para instituições que estão combatendo os incêndios. Até agora, foram arrecadados R$ 47 mil.
Cruz Vermelha da Austrália
O dinheiro doado é usado para dar assistência emergencial a pessoas desalojadas, oferecer ajuda psicológica e apoiar os voluntários. É possível doar qualquer quantia de dinheiro. O pagamento é feito via cartão de crédito. Acesse o site neste link.
Exército da Salvação da Austrália
Segundo o site da entidade, as equipes estão oferecendo refeições às pessoas que saíram de suas casas e aos que estão trabalhando no combate ao fogo. É possível doar qualquer quantidade de dinheiro via cartão de crédito, débito ou paypal. Para doar apenas uma vez, escolha a opção "once-off". Acesse o site neste link.
Associação São Vicente de Paula da Austrália
Oferece comida, roupas, itens essenciais e vouchers de supermercado para quem perdeu tudo nos incêndios, paga contas e despesas inesperadas e oferece apoio emocional. É possível doar qualquer valor via cartão de crédito ou paypal. Acesse o site neste link.
Wires, ONG australiana que resgata animais
A entidade Wires ajuda a resgatar animais doentes, feridos e órfãos. A doação é feita via Facebook, neste link.
WWF Austrália
As doações para a ONG podem ser feitas a partir de US$ 2. Também é possível "adotar" um animal e fazer doações mensais a partir de US$ 15. Acesse o site neste link.
The Port Macquarie Koala Hospital
O hospital já cuidou mais de 30 coalas atingidos pelos incêndios e também está construindo estações automáticas de água para oferecer a bebida a animais afetados nas florestas. Acesse o site neste link.