Na opinião de 85% dos brasileiros, o planeta está se aquecendo, e 72% concordam que as atividades humanas contribuem muito para o fenômeno. A parcela das pessoas que se dizem bem informadas sobre a mudança climática, porém, é menor hoje do que na década passada, revela pesquisa Datafolha.
O resultado mostra que a maioria da população do país está alinhada com os elementos centrais do consenso científico sobre o tema. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, concluiu em seu quinto relatório de avaliação, em 2014, que o aquecimento global é "inequívoco" e que é "extremamente provável" que sua causa tenha origem humana, sendo esta o aumento nas emissões de gases do efeito estufa.
A pesquisa também detectou que o grau de aceitação da mudança climática – e de suas causas antropogênicas – é mais alto entre as pessoas com maior escolaridade.
A pesquisa ouviu 2.086 pessoas em 130 municípios do país no início deste mês. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Em 2010, 34% dos brasileiros diziam estar bem informados na época, e são 28% os que dizem estar em 2019. O número de pessoas que disse nunca ter ouvido falar de aquecimento global subiu de 10% para 11% no mesmo período.
Apesar da parcela relativamente alta de pessoas que ainda não aceitam a conclusão da ciência sobre o tema, cientistas veem com otimismo o fato de que ela é abraçada pela maioria.
— É uma excelente notícia o fato de que a população tem um alto grau (85%) de entendimento de que as mudanças climáticas estão entre nós — diz o físico Paulo Artaxo, um dos climatólogos mais influentes do Brasil e coautor do último relatório do IPCC. — Isso mostra o óbvio: a população observa o que está realmente acontecendo com o clima da Terra.
Na opinião do cientista, a comunicação do tema ainda pode melhorar na mídia e entre os próprios cientistas e reduzir a parcela daqueles que negam o aquecimento global é uma meta possível, mas a origem do problema não é necessariamente acadêmica.
— O combate às mudanças climáticas mexe com poderosos interesses econômicos, entre eles o do agronegócio brasileiros por causa da devastação da Amazônia e dos grupos econômicos predominantes no Brasil — diz Artaxo.
Entre as pessoas que avaliam bem o governo de Jair Bolsonaro, a porcentagem de aceitação da mudança climática é maior – 86%, contra 81% daqueles que o reprovam. Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi o único entre os cinco candidatos mais bem votados na eleição de 2018 a ter negado o aquecimento global e sua origem humana.
Dada a alta aceitação do consenso científico sobre a mudança climática, resta saber quanto isso poderá afetar a agenda do governo, que tem se mostrado hostil ao clima. Um decreto de Bolsonaro em janeiro extinguiu a subsecretaria do Ministério das Relações Exteriores que cuidava de questões relativas ao ambiente e à mudança climática.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, coalizão de ONGs que se dedicam ao tema, acha pouco provável um recuo em relação ao tema. Depois do início do governo, Bolsonaro já havia voltado atrás em algumas promessas controversas, como a de tirar o Brasil do Acordo de Paris, que exige redução na emissão de gases do efeito estufa.
— Mas a manutenção do Brasil no acordo do clima foi por interesses comerciais — diz Rittl. — A opinião pública é relevante, mas não é suficiente.
Para ele, o fato de a avaliação do presidente Bolsonaro ter tido pouco peso na pesquisa do Datafolha é um sinal de que a onda de direita da última eleição presidencial não tem tanto a ver com a negação do aquecimento global.
— A questão das mudanças climáticas não é de direita ou esquerda — afirma Rittl. — O Fórum de Davos classificou como riscos para a economia global vários riscos associados ao clima, e grandes empresas seguradoras também fizeram isso.
O desconhecimento sobre o aquecimento global pode ter relação com a educação, mas não necessariamente o problema está na escola.
— A mudança climática é um tema que está presente nos livros didáticos, e os professores tratam disso — diz o geógrafo e educador Eustáquio de Sene, autor de várias coleções de obras didáticas. — Um problema é que, com a fragmentação das fontes de informação e do conhecimento na internet e nas mídias sociais, o professor deixou de ser o centro da difusão do conhecimento.
Como as pessoas se deixam influenciar pelo que figuras de autoridade dizem sobre o tema, Sene diz crer que declarações do presidente e de ministros atacando o conhecimento científico tem um efeito nocivo no público.
Na pesquisa Datafolha de 2010, o número de quem acreditava no aquecimento global era um pouco maior (90% contra 85% agora). E também mais gente aceitava o aquecimento antropogênico (85% contra 72% agora). Diferenças metodológicas não permitem dizer que houve efetivamente uma redução, mas não houve sinais de melhora.
Artaxo diz crer que a opinião pública tem, em contrapartida, a capacidade de mudar os formuladores de política. "Sim, há esperança de que a pressão popular possa mudar o atual panorama do sistema que defende somente o interesse das indústrias associadas aos combustíveis fósseis", diz.
Os três especialistas entrevistados pela Folha sobre a pesquisa concordam que melhorar a difusão das informações sobre a mudança climática é algo que passa, em alguma medida, pela educação, pelas comunicações e pela política.