Os dois países doadores do Fundo Amazônia, Noruega e Alemanha, foram pegos de surpresa com a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles , de que ambos estão cientes da análise do governo de que são necessárias mudanças nas regras do fundo.
"Não fomos contatados a respeito nem recebemos nenhuma proposta para mudanças na governança do fundo. Portanto, não concordamos com nenhuma mudança", informou a embaixada da Noruega em Brasília, em nota nesta sexta-feira (17), logo depois da coletiva de Salles sobre o assunto.
A Folha apurou que a Alemanha tampouco foi informada com antecedência sobre o teor da entrevista coletiva, na qual Salles disse ter encontrado problemas em contratos de ONGs com o fundo, incluindo concentração de recursos em pagamento de pessoal, gestão, viagens e treinamento. O fundo é o maior projeto de cooperação internacional para preservar a floresta amazônica. Em dez anos, recebeu R$ 3,1 bilhões em doações — 93,3% desse dinheiro veio da Noruega. O valor, gerido pelo BNDES, é repassado a estados, municípios, universidades e ONGs.
Salles e o presidente Jair Bolsonaro têm lançado reiterados ataques contra ONGs, principalmente as que atuam na Amazônia.
— A [terra indígena] ianomâmi é riquíssima. Por isso que tem ONG dizendo que tá defendendo índio lá. Se fosse uma terra pobre, não teria ninguém lá", disse Salles, no final de abril, em pronunciamento ao lado de indígenas. — Como é rica, tá lá esses picaretas internacionais [sic], picaretas dentro do próprio Brasil, picaretas dentro do governo dizendo que protegem vocês — completou o ministro.
Em 2 de janeiro, Bolsonaro incluiu nas atribuições da Secretaria de Governo, a cargo do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, o monitoramento de ONGs e organismos internacionais. A modificação está na medida provisória 870, em tramitação no Congresso.
"O conjunto de ilações feitas por Salles e seu ataque a mais uma instituição ambiental alimenta a desconfiança nos doadores e o resultado pode ser o fim dos repasses ao Brasil", afirma em nota o Observatório do Clima, uma rede de 47 organizações da sociedade civil, incluindo WWF e ISA (Instituto Socioambiental). "A ironia maior é que essa ação parta de um homem que foi condenado pela Justiça paulista por fraude ambiental e que é, no fim das contas, o único personagem com histórico de irregularidades nesta história", prossegue o texto, em referência à decisão em primeira instância contra Salles em dezembro.