Por Flávio M. Rodrigues da Silva Jr. e Caroline Feijó Fernandes
Biólogo e professor de Toxicologia da Furg; bióloga e doutoranda em Ciências da Saúde da Furg
Falar sobre agrotóxicos passou a ser um assunto corriqueiro para os brasileiros. Na mesa de jantar ou de um bar, hoje comenta-se muito sobre seus riscos à saúde humana ou mesmo a aniquilação de populações de abelhas em várias partes do mundo. Dentre todos os poluentes ambientais, os agrotóxicos talvez sejam os mais controversos, pois envolvem, muitas vezes em lados opostos, forças poderosas do agronegócio e ambientalistas. Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e, no ambiente, o solo é um dos principais depósitos desses compostos.
Nesse sentido, o estudo de mestrado de Caroline Fernandes, orientado por Flávio Rodrigues da Silva Jr., na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), investigou, por meio de um método sistemático de revisão de literatura em bases de dados internacionais, a presença e a distribuição de agrotóxicos nos solos em todo o território brasileiro. A pesquisa teve apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e foi concluída em fevereiro passado.
Seus resultados apontam para cenários interessantes e, em alguns pontos, preocupantes. Apenas 21 estudos foram encontrados pela revisão sistemática. Somente 12 das 27 unidades federativas do país já realizaram alguma pesquisa que investigasse a presença de agrotóxicos em amostras reais de solo: Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Curiosamente, os Estados considerados os maiores consumidores de agrotóxicos não lideram a lista de estudos sobre a presença dessas substâncias no solo. Ainda, os agrotóxicos mais usados no país não são os mesmos investigados nas pesquisas científicas. O glifosato, herbicida mais comercializado no território brasileiro, é um exemplo: em nenhum dos 21 estudos buscou-se investigar sua presença no solo do país.
Outra preocupação relatada pelos pesquisadores é a de que, em 20% das amostras estudadas, foram encontrados 10 ou mais diferentes tipos de agrotóxicos. Essa mistura complexa de agrotóxicos pode ter risco extremamente elevado, e a extensão dos danos causados ao ambiente e à saúde são difíceis de quantificar com precisão. O efeito combinado de vários agrotóxicos presentes em diferentes quantidades em uma única amostra de solo é muito difícil de ser estimado.
Outro dado curioso destacado pelo trabalho é o de que mais da metade das amostras de solo que continham agrotóxicos (52%) foram coletadas em áreas residenciais e urbanas, frente a 48% de áreas de agricultura.
A pesquisa concluiu que a quantidade de alguns agrotóxicos já proibidos no Brasil, como o DDT (diclorodifeniltricloroetano) e o HCH (hexaclorocicloexano) chega a ser seis vezes maiores em áreas residenciais do que nas rurais. Esse dado liga o alerta sobre a persistência desses compostos no solo, uma vez que já têm seu uso vetado, e da utilização e do comércio indiscriminado desses agentes tóxicos em áreas urbanas, principalmente no controle de vetores de doenças, no uso veterinário, em jardinagem e mesmo no uso doméstico.
Os pesquisadores também discutem sobre as fragilidades da legislação brasileira em relação aos valores limites de contaminantes nos solos. A pesquisa mostrou que, dos 55 agrotóxicos encontrados nos estudos, apenas 22% possuem limites máximos dispostos na resolução vigente. Além disso, quando foram comparados os limites legais brasileiros aos de outros países, como o Canadá, alguns agrotóxicos encontrados nos estudos mostraram ter limite permitido mil vezes maior no Brasil. Esse tipo de informação indica a necessidade urgente de inclusão de novos agrotóxicos à lista de compostos legislados e a revisão dos valores daqueles que já constam nas listas oficiais.
Ainda não há consenso se os agrotóxicos são os grandes vilões do século, quando falamos no aumento do número de casos de autismo, cânceres e doenças neurodegenerativas, mas o que temos certeza é que o número de estudos científicos sobre esse tema está muito longe do ideal.