O dia com ventos prenunciando o ciclone extratropical em formação não parecia ser o mais apropriado para a missão de cruzar numa canoa a motor o canal que liga a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico, entre o bairro Tamandaré, em Rio Grande, e a ponta do Molhe Leste, em São José do Norte, no sul do Estado. Eram 7h de um dia do final de outubro. O canoeiro responsável pela tarefa, o pescador Sadi de Abreu Gautério, queria abortar a travessia de 30 minutos até o ponto mais distante do molhe devido à dificuldade de navegação dos cerca de cinco quilômetros.
As ondas com mais de um metro de altura empinavam a pequena embarcação com cinco tripulantes. Apesar da intempérie, o coordenador científico do projeto Pinípedes do Sul, o ecólogo Leonardo Martí, sabia da importância de chegar ao ponto onde o farol quase some em meio aos tetrápodes (blocos pré-fabricados de concreto para estrutura hidráulica de proteção às ondas marinhas). O lugar é um dos dois únicos do Brasil escolhidos por leões e lobos-marinhos como área de descanso durante as excursões alimentares, antes de retornarem ao Uruguai e à Argentina. O outro fica na Ilha dos Lobos, em Torres. Ambos se tornaram unidades de conservação específicas – refúgio de vida silvestre – para receberem as ilustres visitas anuais, entre o inverno e a primavera.
Martí faz parte do grupo de 20 pesquisadores e administradores ligados ao projeto criado pelo Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema), com sede na praia do Cassino, em Rio Grande. O objetivo da iniciativa é justamente proteger as espécies de mamíferos marinhos que passam pelo Estado e conscientizar a comunidade pesqueira sobre a importância desses animais para toda a cadeia produtiva. Esta é a segunda edição do Pinípedes do Sul, com previsão de conclusão no final de 2019, que conta com o aporte financeiro de R$ 1,8 milhão do Programa Petrobras Socioambiental.
Com esforço nas águas revoltas, indo e voltando para registros fotográficos em meio ao sacolejar da canoa, Martí, a estagiária de jornalismo do Nema Vitória Fonseca e a dupla de reportagem de GaúchaZH alcançaram o estreito caminho construído no início do século passado e revigorado ao longo dos anos. Depois de caminharem cerca de um quilômetro sobre as rochas, o grupo avistou os primeiros animais aproveitando o sol sobre as peças de concreto no ponto mais ao norte do molhe.
Desconfiados com a presença humana, incomum naquele trecho, os animais foram um a um deixando os espaços onde estavam sentados ou deitados, jogando-se nas águas do canal – de onde permaneceram observando a equipe. Apenas os de idade avançada, identificados pela pelagem mais descolorida do que a dos jovens, permaneceram nos mesmos lugares.
Em certos momentos, bocejavam para a câmera e voltavam a coçar a cabeça com as nadadeiras traseiras. Aparentemente, não se importaram com a presença do grupo. Alguns, relatou Martí, não conseguiriam concluir a viagem de retorno devido à falta de forças. O coordenador científico contabilizou 50 leões-marinhos em meia hora de trabalho.
Martí ficou a menos de dois metros de alguns deles, mas sempre pronto para correr. Segundo ele, os leões-marinhos são ágeis nos movimentos quando precisam se defender. Também responsável pelas atividades de campo do projeto, ele realiza quinzenalmente o monitoramento do refúgio em São José do Norte e mensalmente em Torres. O trabalho é importante para registro das espécies presentes e análise do comportamento animal. Em uma das atividades, alguns indivíduos foram escolhidos no Molhe Leste e receberam uma espécie de marcação com tinta especial para terem a movimentação acompanhada à distância. Um filhote de lobo-marinho, por exemplo, acabou localizado três dias depois em Torres.
— Eles passam parte da vida no mar aberto ou em bacias de água doce para alimentação, e outra parte na terra, onde realizam a troca de pelagem, se reproduzem e descansam — explica Martí.