Por Délton Winter de Carvalho
Professor do PPG em Direito da Unisinos. Pós-Doutor em Direito Ambiental e dos Desastres pela Universidade da California. Este artigo integra a seção Horizontes do caderno DOC, um espaço para discutir ideias e pesquisas, no mercado e nas universidades, que nos fazem vislumbrar um futuro cada vez mais próximo.
Apesar de não ser oficial, a atual era vem sendo descrita pelos cientistas como Antropoceno. Conceito oriundo da combinação das palavras anthropo ("humano") e ceno ("novo"), foi criado por Paul Crutzen (Nobel de Química em 1995) para representar a "Era dos Homens". Apenas para se ter uma ideia de nossa "pegada" sobre o planeta, o ser humano alterou mais de 50% da crosta terrestre, segundo a Sociedade Americana de Geologia.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a agência espacial norte-americana (Nasa) atestam a existência das mudanças climáticas. Paul Romer, agraciado recentemente com o Nobel de Economia, ao lado de William Nordhaus, afirmou: "Penso que um dos problemas com a situação atual é que muitos acreditam que a proteção do meio ambiente vai ser tão cara e tão difícil que preferem ignorar o desafio". E completou: "Pode-se fazer um progresso substancial protegendo o meio ambiente e fazê-lo sem abrir mão da chance de sustentar crescimento".
Num cenário como esse, trata-se de consenso o fato de que as florestas tê papel fundamental no combate às mudanças climáticas. Calcula-se que 20% das emissões globais sejam provenientes do desmatamento e da agropecuária. De outro lado, essas exercem a função de sequestrar o carbono da atmosfera, por meio da fotossíntese, estocando-o nas árvores. Estima-se que um terço das emissões de gás carbônico decorrentes da queima de combustíveis fósseis seja absorvido pelas florestas ao redor do mundo. Na última década, um engajamento entre governo, sociedade e ciência ocasionou a maior redução no volume do desmatamento na Amazônia. Contudo, após 2012, esse índice aumenta gradualmente.
A preocupação com as mudanças climáticas é uma unanimidade, tanto que em 1992 foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas (UNFCCC) para o tema. Em 1997, foi a vez da criação do Protocolo de Quioto, tratado internacional em que os países signatários se comprometiam a reduzir suas emissões. Apesar de sua importância, esse atribuía a possibilidade de emitir "créditos de carbono" apenas para casos de reflorestamento em áreas desmatadas antes de 1990, deixando de fora a compensação financeira para conservar as florestas em pé. Na conferência COP 11 (2005), países com florestas tropicais apresentaram um documento oficializando os créditos de carbono via "desmatamento evitado".
O assim chamado REDD+, incentivo desenvolvido na UNFCCC, consiste em um instrumento que permite aos países em desenvolvimento usarem a "supressão evitada" como crédito para atingir as metas estabelecidas. Ganha-se para manter a floresta "em pé". Em 2015, o Acordo de Paris finalmente fez referência expressa à importância das florestas no combate às mudanças climáticas, incluindo o REDD+ como um de seus instrumentos. A partir daí, as florestas passam a ser um ativo de biodiversidade e de sequestro de carbono. Tais ativos, compostos por serviços ambientais prestados pela natureza aos seres humanos, devem ser remunerados, sob pena de destinação da área para atividades que acarretem a supressão da floresta.
Apesar dessa possibilidade, não são as atividades econômicas tradicionais que devem nortear o desenvolvimento socioeconômico na Amazônia. Essa deve ser uma região propulsora de novas formas de desenvolvimento de baixo carbono, em oposição às matrizes tradicionais desenvolvidas no restante do país. O Brasil se comprometeu a promover uma redução de gases de efeito estufa de 37% em 2025 (em relação a 2005) e 43% em 2030 (também em relação a 2005). O alcance dessas metas dependerá de uma ressignificação do modelo de exploração econômica na região, devendo necessariamente acabar com o desmatamento ilegal. Isso só será possível se outras formas de desenvolvimento, mais compatíveis com a manutenção das florestas, passarem a ser estimuladas na região. O Direito já aponta para este caminho.
Não há dúvida de que a resposta econômica mais simples seria replicar as matrizes industriais e rurais já consolidadas no país. Contudo, em tempos de crise climática, as oportunidades apontam para o sentido contrário. O mundo espera de nós a capacidade de procurarmos novos mecanismos que aliem desenvolvimento econômico, conhecimento científico e tecnológico, com a manutenção de nossos recursos florestais. Os desígnios provenientes da nossa Constituição e dos tratados internacionais são claros. Podemos ser protagonistas ou vilões para o maior desafio da humanidade.
Para tanto, jamais podemos esquecer a advertência de outro Prêmio Nobel, agora de Literatura, José Saramago: "Se queres ser cego, sê-lo-ás". Lutemos para enxergar!