Ao se comprometerem a combater o aquecimento global, líderes de 195 países decidiram, no final de 2015, com o Acordo de Paris, agir para conter o aumento da temperatura média do planeta a menos de 2°C até 2100, com esforços para ficar em 1,5°C.
Diante do desafio, cientistas do mundo inteiro foram convidados a responder as seguintes perguntas: ainda temos chance de cumprir essas metas? Quais seriam os impactos de um aquecimento de 1,5°C? E os impactos de um aquecimento de 2°C?
As respostas acabam de sair: ainda dá, mas não será fácil, pois requer mudanças de longo alcance e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade. Só que seria bom tentar, porque um mundo 2°C mais quente terá impactos bem piores que um mundo de 1,5°C. Resumidamente, é o que aponta o relatório especial divulgado na noite de domingo (7) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
De acordo com o cientistas, estima-se que o mundo já esteja, em média, aproximadamente 1°C mais quente que antes da Revolução Industrial. E já sinta as consequências disso, com a ocorrência de mais eventos extremos (como a onda de calor que se observou este ano no verão europeu e os incêndios nos Estados Unidos), o aumento do nível do mar e o derretimento do gelo do ártico.
Até o momento, não se tem feito muito para conter o aquecimento, e o cenário tende a piorar rapidamente. Se for mantido o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, o 1,5°C já pode ser alcançado entre 2030 e 2052, alertam os pesquisadores no Sumário para Formuladores de Políticas, uma introdução não técnica do documento voltada para os governantes.
O relatório, lançado em Incheon, na Coreia do Sul, inova ao mostrar, pela primeira vez, que esse meio grau vai fazer diferença e que, ao contrário do que se imaginava, os 2°C não são um limite seguro.
— É chocante como um aquecimento de 2°C é mais impactante do que o de 1,5°C. Assim como os cenários de baixa emissão não são todos iguais. Vai fazer diferença o momento em que as emissões começarem a cair e as estratégias forem adotadas — explica Roberto Schaeffer, do programa de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Ele atuou como editor revisor do capítulo 2 do relatório, que avaliou os caminhos de mitigação compatíveis com 1,5°C .
O documento especial, afirma a pesquisadora Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma das vice-presidentes do IPCC, "baixou a régua" dos riscos de impactos.
— Vemos isso com as espécies ameaçadas ou a chance de eventos extremos. Se tornou extremamente mais importante que se consiga limitar o aquecimento — diz Thelma.
Impactos
Ela se refere às estimativas de temperaturas extremas em terra, que devem subir mais do que a temperatura média global. Em um mundo com aquecimento médio de 1,5°C, os dias de extremo calor podem aquecer até 3°C a mais. Já um mundo aquecido em média em 2°C, os dias de extremo calor podem chegam a 4°C a mais.
Outra diferença clara nos dois cenários é o aumento do nível do mar. Até 2100, pode se elevar 10 centímetros a mais no mundo de 2°C, em comparação com o mundo de 1,5°C. Cientistas alertam que uma redução de 10 centímetros no nível do mar globalmente implicaria em de deixar milhões de pessoas a menos expostas aos riscos relativos.
Pela primeira vez, o relatório também faz uma relação direta entre o combate às mudanças climáticas com a pobreza. Segundo o documento, "limitar o aquecimento a 1,5°C, comparado com 2°C, tornaria mais fácil alcançar muitos aspectos do desenvolvimento sustentável, com grande potencial para erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades".
Florestas
O novo relatório do IPCC traz diversos cenários de como pode se dar a redução das emissões de gases de efeito estufa para conter o aumento da temperatura. Ela vai variar dependendo do tempo que vai se levar para tomar as ações e o leque de medidas que forem tomadas. Mas, em geral, em todos os casos considera-se que será necessário adotar estratégias de remoção do gás carbônico da atmosfera. Em especial com florestas ou com bioenergia — como cana-de-açúcar — com captura e armazenamento de carbono.
Segundo o documento, as emissões globais líquidas de CO2 precisariam cair cerca de 45% em relação aos níveis de 2010 até 2030, atingindo o "zero líquido" por volta de 2050. Isso significa que quaisquer emissões remanescentes precisariam ser equilibradas pela remoção de CO2 da atmosfera.
— Apenas reduzindo as emissões de gases de efeito estufa vai ser bastante difícil segurar a temperatura em 1,5°C. Tem de ter formas de retirar o CO2 que já está na atmosfera. Uma das formas mais fáceis é com o plantio de florestas. Há outras tecnologias, mas ainda há muita incerteza sobre a larga escala — comenta Thelma Krug.