Estiagens, secas, enxurradas, inundações. Fenômenos naturais que sempre marcaram diferentes regiões do país nunca expuseram cenários tão extremos como nos últimos anos. Entre 2013 e o ano passado, os desastres naturais afetaram 55,7 milhões de pessoas - mais de 25% da população do Brasil, que vive situação de estresse hídrico. No total, as perdas são estimadas em R$ 9 bilhões por ano.
Os dados são do relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2017, feito a cada quatro anos pela Agência Nacional de Águas (ANA). O estudo aponta que, de 2013 ao ano passado, 78% dos 1.794 municípios do Nordeste decretaram, pelo menos uma vez, situação de emergência ou estado de calamidade pública por causa da seca extrema que castiga a região desde o fim de 2012. Outros 2.641 municípios, 47,5% das cidades do país, decretaram emergência ou calamidade por alagamentos, enxurradas e inundações.
Entre 2013 e o ano passado, 48 milhões de pessoas foram diretamente afetadas por secas e estiagens no Brasil. Outros 7,7 milhões sofreram os efeitos das cheias. O ano de 2016, que já entrou para a história como o mais crítico para seca, pode ser vencido por 2017.
– Este ano deve se confirmar como o de pior período chuvoso, o mais seco desde 1931, quando começou a série histórica – diz Joaquim Gondim, superintendente de operações e eventos críticos da ANA.
Antes restrita a áreas rurais e pequenos distritos, a escassez de água chega agora às cidades maiores no Ceará. Em Quixeramobim, município do sertão a 203 quilômetros de Fortaleza, a população só tem água nas torneiras um dia a cada cinco em bairros da periferia.
Comerciantes contratam carros-pipa para manter a higiene dos estabelecimentos.
– Cada pipa de mil litros custa uns R$ 30. Isso acaba embutido no preço das mercadorias. O comércio local está em situação desoladora. Fazia muito tempo que não via assim: tudo parado", conta o professor Ítalo Câmara, de 45 anos, que mora na cidade.
Em 2012, 540 municípios do Nordeste eram atendidos por 3 mil carros. Quatro anos depois, em 2016, esse número mais que dobrou, chegando a 6.788.
Maior reservatório do Ceará, o açude Castanhão atingiu nas últimas semanas seu volume morto - quando a água fica abaixo do nível de captação - pela primeira vez desde a inauguração, em 2002. Embora o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca confirme, o Estado nega que o açude esteja no volume morto e diz que a captação de água, pela situação atual, poderá ser feita até janeiro.
Entre 2014 e 2016, foram estudados pela ANA 204 reservatórios de água do semiárido, que atendem mais de 10 milhões de habitantes. Apenas 85 reservatórios têm capacidade para atender novas demandas e os 119 restantes operam no limite.
– Para além das questões climáticas, estamos colhendo frutos de muitas décadas de falta de gestão – diz Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, principal rio que passa pelo Nordeste. Entre as ações necessárias para resolver o problema, ele defende recuperar matas ciliares e combater erosões.
Temporais
Já em Salto, no interior paulista, inundações entraram na rotina. O comerciante Luiz Carlos Ganzano, de 55 anos, é obrigado a tirar de 20 a 30 dias de férias forçadas todo ano. Quando o nível do Rio Tietê começa a subir, ele fecha as portas de seu bar e vai para casa. Este ano, isso já aconteceu dez vezes.
–Quase sempre a rua fica coberta pela água com lama e espuma por vários dias – conta.
No auge das cheias, muitos moradores relatam só conseguir sair da própria casa de barco.
Em março, a enchente deixou 30 casas alagadas - duas caíram. No ano anterior, a água já havia coberto até áreas turísticas. A prefeitura de Salto disse que a Defesa Civil monitora pontos banhados pelo Tietê e, quando há alerta de aumento no nível do rio, informa os moradores e isola as áreas de risco.
Para especialistas da ANA, alterações drásticas no padrão de chuvas são indícios das mudanças climáticas no país. Isso se intensificou nos últimos 4 anos, mas já se desenhava havia ao menos duas décadas.