Pede, convida e recomenda são as principais "palavras de ordem" no acordo do clima aprovado no último sábado na COP21, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática. O uso cuidadoso dos verbos - raramente no imperativo, e em poucos casos indicando tomada de decisões - é um reflexo do teor das discussões que reuniram representantes de praticamente todo o mundo em Paris. A preocupação com o aquecimento global, ficou claro, é unânime. O compromisso de combatê-lo, contudo, parece frágil.
Países aprovam acordo global do clima na COP21
Leia o documento aprovado por 195 países na COP21 (em inglês)
Não que a tarefa seja fácil. Mas, percebendo a necessidade urgente de enfrentar o problema, os participantes assumiram uma meta ambiciosa. Ao todo, 195 países assinaram um documento garantindo que se esforçarão para que a temperatura média do planeta sofra uma elevação "muito abaixo de 2°C" até 2100 (em comparação à média antes da Revolução Industrial). Faltou, porém, detalhar o que deverá ser feito para alcançar esse objetivo.
- É um acordo eminentemente político. Mas isso não é pouco. Os participantes conseguiram chegar a um consenso que nos últimos 20 anos não foi atingido - avalia a professora de Sociologia da UFRGS Lorena Fleury, que integrou a delegação brasileira na COP20, realizada em Lima no ano passado.
O compromisso de trabalhar pela redução da temperatura mundial neste século, em vez de ser definido e cobrado pela conferência da ONU, ficará a cargo dos próprios países. Pode ser um avanço. Trata-se de uma lição aprendida em encontros anteriores, quando a imposição de medidas para conter o aquecimento global - como corte de emissões, redução do desmatamento, desenvolvimento de tecnologia sustentável e investimentos em energias renováveis - acabou se tornando uma barreira para sua aprovação dentro das nações.
Resultados, só com esforço conjunto
Para se chegar a um acordo na COP21, ficou definido que cada país deve formular e trabalhar pelo cumprimento de suas metas de redução de emissões, as chamadas Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas (INDCs, na sigla em inglês), que vão vigorar de 2020 a 2030. Assim, coloca-se a responsabilidade em cima de cada um dos signatários, sem que sejam impostas maneiras de atingir esses objetivos. É uma maneira de ceder e, ao mesmo tempo, fazer com que os países provem que estão realmente comprometidos em refrear o impacto das mudanças climáticas.
- Se houvesse uma frustração nessa conferência, teria sido o caos. Mas estavam todos do mesmo lado. E, se o documento tem poucas definições, nos grupos de trabalho isso foi extremamente aprofundado, com caminhos bem definidos. Vai depender mesmo de cada país - entende o diretor da Fundação SOS Mata Atlântica Mario Mantovani, que participou da COP21.
Ou seja: o primeiro pacto realmente global pela limitação das emissões de gases do efeito estufa aponta o desafio, mas deposita toda a responsabilidade - e esperança - nos países. Da participação voluntária de cada um depende o futuro do clima.
O documento não determina com precisão, por exemplo, até quando as emissões precisam parar de subir ou o quanto devem cair, apenas reconhece que isso tem de ocorrer logo. Logo... quando? Talvez a formalização do acordo (hoje um rascunho), prevista para meados de 2016 na sede da ONU em Nova York, possa esclarecer.
Protagonismo dos pequenos
Diante de nações gigantescas como China, Estados Unidos e Brasil, um territoriozinho com área total menor que Três Coroas ganhou as atenções do mundo inteiro na conferência do clima. Ao lado de outros Estados insulares, a República das Ilhas Marshall, na Oceania, foi um dos grandes articuladores da COP21. Ver esse acordo aprovado, para eles, era questão de sobrevivência.
- Se salvarmos Tuvalu, salvaremos o mundo - proclamou o primeiro-ministro desse pequeno país da Polinésia, ao inaugurar a fase ministerial das negociações.
Pequenos países formados por uma ou um conjunto de ilhas - incluindo, ainda, as Maldivas, Antígua e Barbados, entre outros - correm risco de desaparecer devido aos efeitos do aquecimento global. Reunidos em uma aliança de pequenas ilhas (AOSIS, na sigla em inglês) que, somadas, têm uma população total de 64 milhões de habitantes, os pequenos protagonistas mostraram a força de seu apelo, e podem muito bem ter definido a meta mais ambiciosa desse acordo.
A aliança das pequenas ilhas foi a grande articuladora da "coalizão da ambição", que acabou reunindo mais de cem membros (entre eles os Estados Unidos, a União Europeia e o México) com o objetivo principal de incluir no acordo do clima a necessidade de limitar a temperatura global a um aumento menor que o inicialmente desejado.
* Zero Hora