Vídeo engana ao afirmar que foram feitas mudanças na lei que dispõe sobre o pagamento de pensões por invalidez ou morte em casos de acidente de trânsito. Segundo a publicação, o repasse dos valores passaria a ser de responsabilidade do motorista causador do acidente.
Consultados pelo Comprova, advogados explicam que os pagamentos seguem sendo feitos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e destacam que não ocorreram alterações recentes na lei. O INSS, conforme já previsto em legislação, pode, porém, processar o motorista, quando comprovada a culpa, em uma ação para ressarcimento dos valores pagos às vítimas.
Conteúdo investigado: vídeo mostra um suposto integrante da Polícia Rodoviária Federal (PRF) falando para algumas pessoas, que estão sentadas ao seu redor. Um homem faz uma narração por cima das imagens e afirma que uma mudança na lei passa a responsabilizar o motorista, em caso de acidente de trânsito, pelo pagamento de pensão à vítima. Segundo o narrador, antes, o governo era responsável por essa indenização. O discurso do suposto agente da PRF vai ao encontro do que diz o narrador.
Onde foi publicado: Kwai e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: vídeo que circula nas redes sociais engana ao afirmar que “nova lei” obriga o motorista ou o dono do carro causador de acidentes de trânsito a pagar pensões por invalidez às vítimas.
A responsabilidade pelos pagamentos de pensões por invalidez ou por morte em casos de acidente de trânsito segue sendo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O que ocorre é que o órgão pode entrar com uma ação contra o motorista, caso fique comprovada sua culpa, para o ressarcimento dos cofres públicos com o pagamento dos benefícios às vítimas. Nem o motorista nem o dono do veículo fazem pagamentos de pensões previdenciárias diretamente às vítimas.
Além disso, há uma diferença entre o pagamento de benefícios previdenciários e processos por responsabilidade civil. Vítimas de acidentes podem processar os causadores dos acidentes na esfera civil, em busca de indenizações.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: o Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Kwai, até 8 de novembro de 2023, o vídeo teve mais de 45 mil visualizações, 2 mil likes, 164 comentários e 1.6 mil compartilhamentos. Não é possível saber o alcance da publicação no WhatsApp.
Como verificamos: o Comprova entrevistou dois advogados trabalhistas e os questionou sobre as informações apresentadas no vídeo, e então verificou a legislação a respeito deste tipo de situação. Também entrou em contato com a PRF e o INSS, além do autor do conteúdo.
Responsabilidade pelo pagamento de pensões e auxílios segue sendo do INSS
— O que ocorre no vídeo, me parece, é uma confusão entre o benefício previdenciário, que permanece sob a obrigação do INSS, e a ação que o INSS pode tomar contra o motorista que causou esse acidente, então comprovada a culpa — explica Lucas Vieira Negrão, advogado especialista em direito previdenciário e do trabalho, do escritório Miguel Neto Advogados Associados.
Conforme previsto na Lei nº 8.213/1991, o INSS é responsável pelo pagamento de seus assegurados, inclusive em caso de acidente de trânsito, em casos de invalidez ou morte. Quando um contribuinte do INSS é vítima de um acidente de trânsito que o deixe inválido, o instituto previdenciário arca com o auxílio-acidente ou a aposentadoria por invalidez. Em casos de morte do assegurado, o INSS passa a pagar a pensão por morte à família.
— Essa mesma sistemática permanece, não houve nenhuma alteração legal — assegura Negrão. — O que há é que o motorista culpado pode sofrer um processo de ação regressiva pelo INSS, para ressarcir aos cofres públicos as despesas do instituto com o pagamento desses benefícios. Isso já é algo que está previsto em lei, não é algo novo.
Ainda assim, segundo o advogado, na maioria dos casos, não ocorrem processos por ações regressivas. “Apesar do INSS ter essa possibilidade, não é algo que ele está tomando muito comumente, até pelo alto volume de acidentes. É algo que está começando a engrenar agora”, diz Negrão.
Responsabilidade civil em casos de acidentes
Além da possibilidade de ações de ressarcimento movidas pelo INSS, existe a responsabilidade civil da pessoa que causa um acidente. O Código Civil (CC), de 2002, no artigo 927, prevê que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
— Existe a possibilidade da vítima ou dos familiares da vítima pedirem na esfera civil uma pensão vitalícia em razão do acidente verificado, se for comprovada culpa ou dolo — esclarece Lucas Sampaio Santos, do escritório Abe Advogados.
O pagamento de uma indenização na esfera civil não impede que a vítima tenha direito aos benefícios previdenciários.
A indenização civil está prevista no artigo 950 do CC. O referido trecho afirma que, “se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.
— Esse direito sempre existiu. Se um caminhoneiro atropela meu filho e deixa ele paraplégico, eu tenho todo o direito de pedir que ele pague essa indenização na esfera civil. Não há nada que tenha mudado. Esse temor deveria ser anterior a qualquer tipo de situação, a responsabilidade civil sempre existiu — afirma Santos.
O que diz a PRF
Por e-mail, a PRF afirmou que realizou consulta junto às assessorias regionais de comunicação do órgão, mas não conseguiu identificar o local, a data e o contexto em que foi gravado o vídeo. A instituição disse ainda que não tem registro de ações em que os agentes da PRF orientem condutores sobre a possibilidade de pagamento de aposentadorias em casos de acidente de trânsito. O órgão não confirmou se a pessoa no vídeo se trata de fato de um agente da Polícia Rodoviária Federal.
O que diz o INSS
Em resposta ao Comprova, o INSS disse que “o governo federal continua sendo o responsável por pagar todos os benefícios da Previdência Social, por meio do INSS”. E reforçou que o órgão pode pedir ressarcimento ao motorista causador do acidente que provocou a morte ou a invalidez de outra pessoa.
O que diz o responsável pela publicação: o Comprova buscou contato com a pessoa responsável pela publicação através de mensagem direta via Facebook, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: o vídeo dá a entender que houve a criação de uma nova lei, que poderia prejudicar motoristas, mas não houve mudanças recentes na lei. Misturar fatos verídicos e informações inventadas é uma prática comum de perfis que costumam disseminar desinformação. Nessas publicações, também é comum que sejam citados altos valores, associados a supostas políticas do governo que prejudicam a população. Ao se deparar com conteúdos deste tipo, consulte os órgãos oficiais e veículos de imprensa de sua confiança.
Por que investigamos: o Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: o Estadão Verifica também realizou checagem sobre o mesmo vídeo investigado aqui. O Comprova já verificou outros conteúdos relativos a pagamentos de pensões e auxílios pelo INSS. Já mostramos que o auxílio-reclusão é garantido por lei desde 1960 e seu valor é equiparado ao salário mínimo e que é enganoso que Paulo Guedes anunciou redução em aposentadorias e outros benefícios do INSS.