Nas proximidades do km 27 da rodovia que corta o município de Sapiranga, em meio a placas de sinalização e anúncios comerciais, destaca-se um pequeno cartaz com letras brancas sobre fundo preto cravado no canteiro central: "Chega de mortes na RS-239", diz a mensagem. A poucos metros dali, no mês passado, morreu atropelada a funcionária de um hospital do município Bruna Simone Soares, 37 anos. Essa travessia urbana é apenas um dos pontos de alto risco que exigem atenção redobrada de condutores e pedestres atualmente no Rio Grande do Sul — onde a violência no trânsito vem se agravando desde 2021 sob o impulso da retomada de atividades após o período mais agudo da pandemia.
Em razão do perigo crescente sobre o asfalto, que registrou 8% mais vítimas entre janeiro e maio deste ano em comparação com o mesmo período de dois anos atrás, GZH selecionou 10 trechos de rodovias estaduais e federais que se destacam pelo alto risco de acidentes graves e merecem cuidado especial. Quatro deles são partes de BRs apontadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) como pontos prioritários para ações de reforço na fiscalização por uma combinação de fatores como elevado índice de acidentes e mortes, fluxo intenso e ameaças adicionais como presença de pedestres na faixa ou obras em andamento. Outros seis segmentos de rodovias estaduais foram escolhidos pelos mesmos critérios, em um total de 120 quilômetros onde morreram pelo menos 88 pessoas desde o começo do ano passado.
Chefe da comunicação da PRF no Estado, Douglas Paveck afirma que a corporação já deu início a um esforço de fiscalização nesses primeiros trechos selecionados com o objetivo de reduzir a mortalidade sobre rodas. Um dos focos do trabalho é o eixo metropolitano da BR-116: os policiais incluíram na lista de atenção prioritária um bloco formado por quatro segmentos contínuos de 10 quilômetros de extensão cada que se estendem desde a entrada de Porto Alegre até Dois Irmãos. Ao longo desse trajeto, foram registrados 119 acidentes graves (que deixaram pelo menos algum ferido com severidade) e 23 mortos desde o começo de 2022 até junho deste ano.
Mesmo depois da inauguração da BR-448, que ajudou a reduzir o fluxo de cerca de 120 mil veículos por dia para cerca de 80 mil, a rodovia segue como um desafio para os usuários.
— Onde há mais veículos, há mais acidentes. No caso da BR-116, temos várias cidades coladas umas às outras na Região Metropolitana, o que faz com que muitas pessoas usem quase como uma avenida. Temos muitas colisões traseiras e acidentes envolvendo motos que circulam pelo meio dos carros em velocidade inadequada — descreve Paveck, observando ainda que os horários mais problemáticos se concentram por volta das 7h e das 18h.
Rodovias que cortam zonas urbanas são um dos agravantes mais comuns para desastres no Estado, a exemplo da BR-158 em Santa Maria, da BR-386 entre Lajeado e Estrela, da RS-239 em Sapiranga, da RS-040 em Viamão, ou da RS-118 entre Sapucaia do Sul e Gravataí — outros pontos em que as estatísticas e as características próprias de cada via as colocam na lista de estradas sob alerta.
Um segundo tipo de trecho considerado de alto risco envolve caminhos em área rural, por vezes retas onde o perigo de colisões em alta velocidade é maior, como na RS-332, entre Espumoso e Tapera, no norte do Estado. Ali, em agosto do ano passado, quatro pessoas de uma mesma família morreram em um único acidente e acabaram colocando o trecho sob atenção. Outro padrão de rodovia rural apresenta curvas fechadas e aclives, como o percurso da RS-122 entre Flores da Cunha e Antônio Prado, na Serra. Na região, conforme os dados disponíveis no site do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), houve 11 mortes em seis acidentes desde fevereiro do ano passado (período mais antigo disponível pela ferramenta de pesquisa).
— Essa área tem algumas características que exigem mais atenção. A geografia não combina com velocidade — afirma o comandante do 3º Batalhão Rodoviário da BM, capitão Diego Caetano de Souza.
Busca de soluções
As saídas para tentar evitar a concentração de acidentes em determinados pontos dependem de diferentes fatores e das características de cada local. Professor na área de rodovias da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Daniel Sergio Presta García lembra que sistemas de trânsito são complexos e envolvem condições da própria rodovia, do veículo e do condutor.
— Boa parte das rodovias usa como referência manuais de projetos e normas técnicas da década de 1990, que por sua vez utilizaram como referência manuais americanos da década de 1970. Além disso, temos grande parte da nossa carga sendo transportada em caminhões, ao mesmo tempo em que temos muitos veículos 1.0, que demoram mais a ultrapassar — avalia García.
Para amenizar os riscos, é possível adotar medidas como duplicações, implantação de faixas adicionais, construção passarelas e de muretas entre pistas, entre outras ferramentas. A Secretaria Estadual de Logística e Transportes informa que o governo estadual destinou R$ 100 milhões para a RS-118 desde a duplicação, em 2020. Isso inclui a construção de uma elevada no cruzamento com a RS-030, em Gravataí, com 30% de conclusão, melhorias na iluminação e implantação de seis passarelas, das quais duas já foram entregues. Na RS-040, em Águas Claras, foram colocadas quatro travessias elevadas no mês de março para melhorar a segurança de pedestres, entre outros investimentos.
Já o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) comunica que realiza serviços rotineiros de manutenção e sinalização, além de iniciativas específicas como um conjunto de ações em andamento na BR-116 entre a Capital e Novo Hamburgo. Em nota, o Dnit manifestou que "as melhorias incluem obras de construção, reforço e alargamento de 23 obras de artes especiais (estruturas que têm como finalidade transpor obstáculos como avenidas, rodovias e rios), implantação de terceiras faixas de tráfego, construção de ruas laterais, construção e remanejamento de interseções e acessos, melhorias de traçado, pavimentação, construção e adequação de 22 passarelas".