A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (22), projeto que altera diversos pontos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Elevação no número de pontos para suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do tempo de validade do documento estão entre as principais medidas. Especialistas ouvidos pela reportagem de GZH apontam que as mudanças, principalmente a que afeta o limite de pontuação, podem trazer prejuízos para a segurança do trânsito no país.
O professor de direito penal da Unisinos com atuação na área de crimes de trânsito Francis Rafael Beck avalia que as alterações estão de acordo com a ideia do governo Bolsonaro de flexibilizar a legislação. Beck cita como exemplo a proibição dos radares móveis das estradas federais, que chegou a entrar em vigor no ano passado. Para o advogado, essa medida somada ao aumento do número de pontos provoca um afrouxamento no controle.
— Me parece justificável aumentar o tempo de validade da CNH. Agora, quanto à pontuação, certamente é algo que vai trazer uma representação para a sociedade como um todo de que estamos passando a tratar o trânsito com mais liberalidade.
Beck salienta que essa flexibilização no âmbito administrativo não ocorre no aspecto penal. Não evita, por exemplo, que integrantes do Judiciário tomem as medidas mais duras em relação a crimes de trânsito.
O engenheiro civil e doutor em Transportes da UFRGS João Fortini Albano criticou as mudanças. Para ele, no geral, as alterações beneficiam os maus condutores. Ele também afirma que as alterações foram aprovadas sem uma ampla discussão com a sociedade e com técnicos. Albano, entretanto, vê um ponto positivo: a volta da obrigatoriedade da punição pelo não uso da cadeirinha.
— Com relação a pontuação das infrações, ao prazo para renovação da carteira, isso aí é absolutamente lastimável. Dá uma ideia de liberou geral. (...) Esse projeto afrouxa aquele rigorismo que o código tinha — destaca Albano.
A Câmara decidiu não acatar a emenda do Senado que definia como infração grave, sujeita à multa, transportar ou manter, em veículo em movimento, embalagem não lacrada de bebida alcoólica, exceto no porta-malas ou no bagageiro. Para Albano, a emenda era questionável, pois pode gerar discussão, uma vez que o motorista pode alegar que não foi ele que consumiu o produto, mas sim o passageiro.
O texto já havia sido aprovado pela Câmara, em junho, e pelo Senado, no início de setembro. Como sofreu alterações na segunda Casa, o texto voltou para a Câmara. Nesta terça-feira, os deputados apreciaram as emendas incluídas pelos senadores.
O professor Creso de Franco Peixoto, da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, diz que a elevação dos pontos para suspensão da CNH é danosa. Exemplificando sua posição, Peixoto cita o fim da suspensão do direito de dirigir quando o motorista superava a velocidade da via em 20%, efetivado em 2006 e que causou um pico no número de mortos nos anos seguintes.
— Um aumento de 20 por 40 pontos isso deve levar, nos próximos anos, ao recrudescimento daquilo que nós avaliamos, que é o índice de mortos e o índice de feridos — destacou.
Condicionar o aumento do número de pontos para 40 a gravidade da infração é, segundo o professor, uma "aparente liberação de ações infracionais", porque o condutor tem liberdade maior de cometer os atos, afirma.
Peixoto afirma ainda que o travamento dos departamentos de trânsito em razão dos processos de suspensão da CNH não é uma justificativa para flexibilizar as punições, pois "a estrutura do Estado tem de se fortalecer e não abrandar para facilitar a falta de recursos para processamento".