Distante cerca de 10 quilômetros do centro de São Leopoldo, no Vale do Sinos, uma comunidade está em choque. Nos pequenos comércios e nas esquinas das ruas de chão batido da localidade de Morro do Paula, as mortes de quatro moradores — sendo três da mesma família — em um acidente na RS-287, no Vale do Taquari, ainda não foram assimiladas.
— Sem ver, eu não acredito. Não caiu a ficha, sabe? O gurizinho era muito querido, colega do meu filho, que nem conseguiu dormir essa noite com a notícia — conta o trabalhador de uma das tantas pedreiras do local, Valci Oliveira, 39 anos.
Há duas décadas com um pequeno mercado próximo à rua onde três das vítimas viviam, Maria Antunes, 46 anos, tem no semblante a reação da maioria:
— A gente convivia, aqui todo mundo se conhece — diz.
O acidente aconteceu na volta de uma viagem que começou na última quinta-feira (20), quando Gilmar Carguini, 40 anos, levou três filhos para o município de Dona Francisca, na Região Central, onde vivem parentes dele. No retorno para casa, o veículo em que a família estava se envolveu em uma colisão na altura do km 48 da RS-287, em Taquari.
A batida causou as mortes do motorista do carro, de Gilmar e dos filhos Jessé Kauan Rodrigues Carguini, 13 anos, e Richard Leon Rodrigues Carguini, sete anos. O outro filho, de 11 anos, teve fraturas no rosto, em uma das pernas e na clavícula, e deve passar por cirurgia nesta terça-feira (25), segundo informações de familiares.
Devido ao excesso de passageiros no carro, a mãe das crianças e mulher de Gilmar, Jaqueline Fátima Rodrigues, 32 anos, viajou de ônibus e não estava no veículo acidentado.
— Uma supermãe. Qualquer espirro dos filhos ela saía atrás de nós, pedindo ajuda e fazendo tudo por eles. Educou tão bem eles. Uns guris que nunca passaram sem dar oi pra mim — relata Eloá Maria Camargo, 54 anos, que vive na mesma viela onde Jaqueline criou os três meninos e uma filha mais velha.
Incrédula, com o olhar desnorteado, Cassiane Rodrigues, 20 anos, era amparada a todo instante pelas amigas. A jovem não acompanhou a família na viagem e foi levada ao ponto do acidente para reconhecer os corpos. Criada pela avó em uma peça ao lado da residência dos pais, ela afirma que os irmãos estavam ansiosos pela volta às aulas, que ocorreria nesta Quarta-feira de Cinzas.
— Por que isso? — questionava.
Gilmar, assim como boa parte dos moradores da localidade, trabalhava nas pedreiras que circundam a região, em um ponto tão alto que se pode observar municípios vizinhos, como Novo Hamburgo e Sapucaia do Sul. O acesso desde a área urbanizada tem pedras e subidas estreitas, próximo ao abismo dos paredões onde as máquinas trabalham.
Descrito pela sogra como "extremamente carinhoso", Gilmar planejava há meses a ida a Dona Francisca.
— Ele precisava resolver questões de uma herança. Nunca tinha dado certo para eles viajarem e agora, com o feriado, resolveram ir e já visitar os parentes — lembra a avó dos meninos, Oldina Oraci Rodrigues, 67 anos.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Bento Gonçalves estudava o pequeno Richard Leon, o mais jovem entre as vítimas do acidente.
— Ele tem a idade do meu filho, se criaram juntos e eram colegas de classe. Toda comunidade está muito abalada — conta uma vizinha, a auxiliar de cozinha Gabriela Pereira, 26 anos.
Condutor do carro era amigo da família
O condutor do carro em que pai e filhos viajavam era Jorge Miguel dos Santos, 45 anos, amigo da família e também morador de Morro do Paula que, costumeiramente, fazia viagens a pedido de moradores locais. Jorge morreu na hora, no local do acidente.
— Conversamos no domingo. Ele estava bem faceiro, brincou com a minha filha e o meu neto. Ele pediu "fica um pouco mais comigo", e ficamos até pouco antes da hora da viagem — relembra a namorada de Jorge, a auxiliar de cozinha Silvia de Oliveira Dias, 42 anos.
Além das quatro pessoas que moravam em São Leopoldo, o acidente vitimou também Clarissa Marina Jahn, 40 anos, e a mãe dela, Ana Ilce Bulegon Jahn, 64 anos, ambas da cidade de Segredo, no Vale do Rio Pardo. As duas eram ocupantes de uma Fiat Toro que colidiu com o Gol conduzido por Jorge.
Três pessoas — parentes de Clarissa e Ana — que também estavam na caminhonete ficaram feridas. Eles foram levados a hospitais de Venâncio Aires e Montenegro.
O acidente que terminou com seis mortos aconteceu por volta das 18h de segunda-feira (24). Segundo o responsável pelo plantão da Polícia Civil no Vale do Taquari, delegado Augusto Cavalheiro, não houve tentativa de ultrapassagem.
— A hipótese mais provável é que o Gol tenha batido na cabeceira da ponte, se desgovernou e invadiu a pista contrária — explica, reforçando que a perícia apontará ainda o que motivou a perda do controle do veículo.