Se a regra que dobra de 20 para 40 o número de pontos acumulados para um condutor ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa valesse em 2018, 87% dos motoristas do Rio Grande do Sul, que tiveram processos instaurados para possível suspensão, não responderiam ao procedimento. A alteração consta no projeto de lei enviado nesta terça-feira (4) pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara dos Deputados.
Segundo dados do Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS), no ano passado, dos 68.193 processos instaurados, apenas 8.750 registraram mais 40 pontos. Assim, com a nova regra, 59.443 condutores não corriam o risco de ter a CNH suspensa.
Somente em maio de 2019, 10.303 motoristas registraram mais de 20 pontos no RS, e somente 1.322, 41 ou mais. Pela diferença, 8.981 sairiam da posição de aptos a serem suspensos no mês.
Para Detran-RS, projeto preocupa
Prometido durante a campanha, o menor rigor para motoristas infratores foi chancelado pelo presidente nesta terça. Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro entregou a proposta que, além de ampliar o número limite de pontos por condutor, aumenta o tempo de validade do documento.
Para o diretor-geral do Detran-RS, Enio Bacci, o projeto de lei é visto com preocupação:
— Isso vai servir como incentivo aos maus motoristas, vai dar a sensação de que nada mais vai puni-los. Toda pena mais branda acaba fazendo com que o infrator ache que pode cometer aquele ato mais vezes — defende, destacando que os números se aplicam ao Estado e não servem para uma análise em nível nacional.
Segundo Enio, o Detran- RS pretende enviar um documento à comissão — ainda não nomeada — que irá avaliar a proposta, defendendo uma diferenciação na distribuição de pontos.
— Alguém que é flagrado a 150 km/h indo a Santa Catarina, por exemplo, pode cometer a mesma atitude cinco vezes, e vai somar 35 pontos (sete pontos a cada infração). Mas alguém perder a carteira por acumular pontos ao estacionar longe do meio fio, ou coisas desse tipo, não se justifica. Há uma grande diferença no perfil dessas pessoas — defendeu.
A ideia do Detran é propor que motoristas com multas gravíssimas permaneçam com limite de 20 pontos para a suspensão. Já condutores que tiverem multas leves, médias ou graves podem ter o número ampliado.
— É algo para ser avaliado. Esperamos que sejam levadas em consideração também as pessoas que passaram a vida trabalhando para que tenhamos cada vez menos mortes no trânsito. O que o Executivo não fez, agora o Congresso pode fazer.
Segundo Bacci, a maior parte dos motoristas que acumula um alto número de pontos é responsável por dirigir em alta velocidade ou sob embriaguez. A reincidência nesses casos é comum, afirma.
Além das alterações na CNH, o projeto de lei propõe fim da exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais e ainda reduz a punição para motociclistas que transitarem sem capacete. Medidas que são criticadas por Bacci.
Em contrapartida, o diretor-geral do Detran vê como positivas três alterações propostas pelo presidente: prorrogação da validade das CNHs de cinco para 10 anos e, no caso de idosos, de dois e meio, e a possibilidade de o Contran liberar bicicletas elétricas sem "maiores exigências".
A entrega da proposta pessoalmente à Câmara, ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e do presidente da Casa, Rodrigo Maia, foi mais uma tentativa de Bolsonaro de se aproximar de lideranças parlamentares, com quem manteve uma relação conflituosa desde o início do seu mandato. É a terceira vez que o presidente vai ao Congresso neste ano para entregar um de seus projetos.
Saiba quais são as principais mudanças no projeto da CNH
- Início da exigência de luz de rodagem diurna nos veículos. É aplicável somente para veículos novos a serem fabricados no futuro, sem aplicação para veículos em circulação (veículos hoje em circulação continuam obrigados a manter luz baixa acesa em rodovia, mas com duas diferenças: deixa de haver multa, apesar de continuar o acréscimo de pontos na carteira, e exigência agora é só para rodovia de faixa simples).
- Exigência de cadeirinha para crianças nos veículos. Hoje, não está previsto em lei, mas estabelecido em norma do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
- Possibilidade de o Contran liberar bicicletas elétricas sem "maiores exigências".
- Ampliação das hipóteses de sanção, com paralela redução das punições, quanto à obrigação de capacete por motoristas.
- Aumento do total de pontos antes da aplicação de suspensão de 20 para 40 pontos.
- Prorrogação da validade das CNHs de cinco para 10 anos ou, no caso de idosos, de dois e meio para cinco anos.
- Fim da exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais.