Por baixo de cada solo, existe uma narrativa de gerações anteriores que passaram pelo mesmo local. A partir desse conceito, uma pesquisa encontrou artefatos e sepultamentos em um sítio arqueológico localizado em Roca Sales, no Vale do Taquari, que revelam a história de antigas civilizações indígenas na Bacia Hidrográfica Taquari-Antas.
As evidências foram encontradas após as enchentes de setembro de 2023 e maio de 2024. O Laboratório de Arqueologia do Museu de Ciências da Universidade do Vale do Taquari (Univates) liderou as escavações, onde vestígios de uma aldeia indígena guarani foram descobertos.
— Essas duas últimas enchentes tiveram um volume de água bastante intenso nos rios, mas também com uma força, uma velocidade muito intensa, o que fez com que as águas lavassem o sedimento, levassem uma parte do solo — explica uma das lideranças da pesquisa, a arqueóloga e professora Neli Galarce Machado.
Segundo a pesquisadora, a força das águas fez com que as camadas arqueológicas aparecessem.
— O que nós levaríamos muito tempo para descobrir, a água fez esse serviço para nós — diz Neli.
Os achados indicam uma ocupação na região muito anterior à chegada dos europeus ao Vale do Taquari, no século 18. Os objetos datam do século 15, aproximadamente 600 anos atrás. A pesquisa revelou uma aldeia com um formato semicircular e uma praça central.
Patrimônio
Para a arqueóloga, a pesquisa apresenta à comunidade uma nova versão da história étnico-racial da região.
— Estudar isso é estudar patrimônio cultural. A gente sabe que existe essa diversidade étnico-racial e isso faz parte do nosso patrimônio cultural e ela deve, por lei e por uma questão de gerações, ser protegida e cuidada — contextualiza a professora.
Durante as escavações, uma variedade de vestígios foi encontrada, incluindo:
- Fragmentos de cerâmica
- Ferramentas de pedra
- Ossos de animais
De acordo com a pesquisa, esses objetos mostram uma economia agrícola sofisticada na época, com práticas de cultivo de milho, mandioca e feijão, além da caça. Entre os achados mais notáveis estão panelas decoradas com marcas de dedos e unhas, além de jarros pintados.
A equipe também descobriu cinco sepultamentos, sendo três deles realizados em grandes urnas funerárias.
Apoio de drones
As escavações, que ocorreram em julho de 2024, combinaram métodos tradicionais, como o uso de pincéis e espátulas, com tecnologias modernas, incluindo drones e softwares de processamento de imagens.
O processo arqueológico da pesquisa envolve, inicialmente, após detectar e coletar o material, a triagem de materiais, como carvão, sedimentos e ossos, que revela detalhes culturais por meio de artefatos. No caso de Roca Sales, o trabalho de campo durou cerca de 15 dias, seguido de um extenso período de análises laboratoriais, em que os materiais são separados e examinados, que pode se estender por um ano.
Durante esse tempo, a equipe também se compromete a socializar as descobertas com a comunidade, envolvendo escolas locais em visitas ao local de escavação. Mais de 80 crianças e professores tiveram a oportunidade de observar o trabalho dos arqueólogos.
— Como nós temos um compromisso com a ciência, a gente vai passar (os materiais) para o pessoal fazer dissertação de mestrado, tese de doutorado, os trabalhos de conclusão de curso na graduação — explica Neli.
O projeto, liderado pelas arqueólogas Neli Galarce Machado e Fernanda Schneider, contou com a colaboração de pesquisadores internacionais e estudantes de pós-graduação da Univates. A pesquisa recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além de estar sob o acompanhamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).