Após uma viagem de quase 4 mil quilômetros, amostras fósseis de plantas da época dos dinossauros, coletadas durante uma expedição científica à Antártica, chegaram a Lajeado na última semana. Os materiais servirão como base para pesquisas no Laboratório de Paleobotânica e Evolução de Biomas do Museu de Ciências (LPEB/MCN) da Universidade do Vale do Taquari (Univates).
O paleobotânico, professor e pesquisador André Jasper – um dos pioneiros nessa linha de pesquisa no Brasil – integrou a missão entre o fim de novembro de 2023 e janeiro de 2024, com o objetivo de coletar as amostras rochosas. Os pesquisadores chegaram ao Brasil em abril, mas, devido à tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul, acessaram o material na última semana. As análises dos mais de 200 quilos de material já estão em andamento.
O trabalho integrado por Jasper busca aumentar o conhecimento sobre as paleofloras de Gondwana – antigo supercontinente que abrangia a maior parte das terras hoje localizadas no hemisfério sul global. Além disso, os fósseis permitirão estudar os impactos dos paleoincêndios vegetacionais do Cretáceo (período compreendido entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás), oferecendo uma visão detalhada das mudanças ecológicas e climáticas ao longo de milhões de anos e representando um avanço no campo de estudos.
Isso permitirá avaliar a evolução paleoclimática dos sistemas de altas latitudes do continente Antártico, o que contribuirá para a compreensão dos ciclos climáticos de longo e curto termo do planeta. A Antártica nem sempre foi um continente gelado, ressalta o professor – durante o Cretáceo, havia, no continente Antártico, uma floresta parecida com a atual Patagônia chilena, que se preservou sob forma fóssil. Ou seja, não havia gelo permanente na Antártica, como há agora.
— Entender essas floras e esses sistemas do passado é muito importante para compreender como evoluiu o clima. Chamamos essas mudanças de ciclos de longo prazo e longo termo, que são intervalos de milhões de anos. E para compreender como é que nós chegamos às condições climáticas atuais, como os ambientes atuais se formaram. É importante justamente para compreender essa biodiversidade ao longo do tempo profundo, que é um dos nossos principais objetivos — explica o professor, apontando que há certas ocorrências no sul da América do Sul e na Austrália que têm conexão com a Antártica.
A ideia de compreender como esses ciclos se comportam também servirá para apontar qual o ciclo climático e/ou ambiental atual. Pode-se observar que, ao longo do tempo, houve muitas extinções, ressalta Jasper. Será possível, a partir dos impactos que o homem vem produzindo, compreender como o ambiente se comportará daqui para frente.
— Podemos criar modelos e exemplos de como a gente pode enfrentar dificuldades ou não, a partir da história que contamos do passado — pontua.
A chegada do material fóssil ao laboratório da Univates representa um marco para a universidade, já que as amostras coletadas abrirão novas frentes de pesquisa, além de promoverem a ciência paleontológica no Brasil e no mundo, conforme a instituição.
Ambiente hostil
A expedição à Antártica é parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) e do projeto Paleoantar, sediado no Museu Nacional e que tem a Univates como parceira. Jasper embarcou na missão Operantar 42 junto a outros cientistas e pessoal de apoio. O grupo voou em aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) até Punta Arenas, no Chile, e viajou em um navio oceanográfico brasileiro.
O trecho do Estreito de Drake, conhecido por suas condições desfavoráveis de navegação, representou um dos principais desafios à viagem. Após passar pela Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz, na Ilha Rei George, a equipe seguiu viagem e ficou acampada e isolada por 35 dias na Ilha James Ross, onde foi realizada a coleta dos fósseis, em meio a condições climáticas rigorosas. Foram 15 dias para chegar, mais 14 dias para retornar.
— É o trabalho, mas é sempre muito importante e interessante de ver e estar em um ambiente onde as coisas são extremas. Qualquer descuido pode criar um grande problema para todo o acampamento. A gente faz trabalho de campo aqui no RS, em outros países também, mas a Antártica sempre é um desafio, porque você tem de ter um grande cuidado, porque tudo é distante. Para o navio conseguir resgatar alguém, são três a quatro dias até chegar lá. Então, tudo tem de ser muito bem planejado, muito bem organizado e muito bem executado, para que não tenha problemas — conta Jasper sobre a experiência da expedição.