As figurinhas de macacos com expressões engraçadas, vestindo roupas e acessórios, como óculos e bijuterias, são uma febre entre os usuários do WhatsApp, especialmente no Brasil.
O sucesso é tanto que estimula até mesmo a criação de grupos de mensagens para a produção e o compartilhamento dessas imagens. Os conteúdos dos animais geralmente mostram eles em situações do cotidiano de um ser humano, como tomando banho de chuveiro, andando em apenas duas patas ou até se alimentando com talheres.
As figurinhas são oriundas de vídeos que acumulam milhares de visualizações, curtidas e comentários nas redes sociais. O "macaco George", por exemplo, tem 17 milhões de seguidores e mais de 233 milhões de curtidas no TikTok. O animal, que era um dos mais famosos nas redes, morreu em junho após realizar um procedimento veterinário.
Apesar das imagens aparentemente fofas e engraçadas, especialistas e órgãos de proteção animal alertam para o sofrimento e a exploração dos primatas nesse tipo de conteúdo.
Abusos físicos dos macacos
Um relatório da Coalizão de Crueldade Animal nas Mídias Sociais (SMACC), integrada pela ONG Proteção Animal Mundial, divulgado em setembro de 2023, aborda os abusos praticados por parte de criadores desse tipo de conteúdo. Os pesquisadores analisaram mais de 1,2 mil links com vídeos de primatas no Facebook, Instagram, TikTok e YouTube de setembro de 2021 a março de 2023.
Foram encontrados mais de 2,8 mil tipos de abusos, classificados em 37 categorias. Tem abuso sexual, oferecimento de droga, sustos, afogamentos e queimas. É uma lista bem chocante
JÚLIA TREVISAN
Bióloga que trabalha na ONG Proteção Animal Mundial
A pesquisa apontou que 60% dos links analisados mostravam macacos de estimação sendo abusados fisicamente. Em 13%, os primatas eram intencionalmente obrigados a sentir medo e angústia em resposta a sustos, provocações e negação de comida.
— Nesses vídeos, foram encontrados mais de 2,8 mil tipos de abusos, classificados em 37 categorias. Tem abuso sexual, oferecimento de droga, sustos, afogamentos e queimas. É uma lista bem chocante. Não são só os animais tomando mamadeira, comendo uma coisinha na casa de alguém. São coisas realmente muito perversas — afirma a bióloga Júlia Trevisan, 28 anos, que trabalha na Proteção Animal Mundial.
Expressões dos macacos podem ser sinal de estresse
Os vídeos que circulam com mais frequência nas redes sociais são de macacos de estimação aparentemente em situações confortáveis, com expressões relaxadas ou até mesmo "sorrindo". Mas a forma como esses animais são humanizados é um problema, conforme explicam os especialistas.
Esses animais, dependendo do tipo de cuidado e da expectativa de que se comportem como pequenos seres humanos — o que nunca serão —, estão em permanente estresse
JULIO CÉSAR BICCA-MARQUES
Biólogo e primatólogo
— Todos os primatas, na verdade, são seres sencientes, que sentem dor, angústia e medo. Eles têm sentimentos, conseguem interpretar emoções, interagem com muitos outros macacos. Colocar um animal desse, que precisa pular em árvore, se alimentar de frutas e insetos, em uma casa para dormir em um berço como humano é muito agressivo. Eles não conseguem realizar os comportamentos básicos da espécie — explica Júlia Trevisan.
O biólogo e primatólogo Julio César Bicca-Marques, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que os macacos, nesses vídeos, apresentam alguns sinais de desconforto, mas que os humanos tendem a confundi-los com expressões humanas, como um sorriso, por exemplo.
— Esses animais, dependendo do tipo de cuidado e da expectativa de que se comportem como pequenos seres humanos, o que nunca serão, estão em permanente estresse. Aquele suposto sorriso, com dentes à mostra, por exemplo, é uma expressão facial indicativa de estresse. Primatas, assim como nós, são animais sociais, mas não são feitos para serem pets. Não são gatinhos ou cachorros com seleção artificial durante milhares de gerações. Portanto, gostar de macacos significa mantê-los, respeitá-los e apreciá-los em liberdade na natureza — pontua Bicca-Marques.
Na avaliação do professor, a circulação desse tipo de conteúdo pode incentivar cada vez mais o desejo das pessoas de ter um macaco de estimação, impactando a população desses seres na natureza.
— Ter um animal silvestre em casa é uma crueldade, não é gostar. É um problema para a conservação da espécie, porque os leigos vão achar bonitinho e também querer ter um em casa. Esse desejo egoísta resulta em uma pressão nas populações das espécies. Para obter um filhotes desses animais na natureza, geralmente matam a mãe ou o pai que o está carregando. Muitos filhotes acabam, inclusive, morrendo antes de chegarem ao destino. Isso tem um peso muito grande nas populações naturais.
O que as plataformas dizem
A pesquisa da ONG de proteção animal também indicou que as principais plataformas que apresentam conteúdos de macacos como animais de estimação são Facebook, YouTube e TikTok.
Procurados pela reportagem da Zero Hora, a Meta, grupo que abrange o Facebook, Instagram e WhatsApp, informou que não permite nenhum tipo de conteúdo que cause danos contra animais. Além disso, alega ter removido publicações do tipo da plataforma. Leia a nota na íntegra:
"Não permitimos conteúdos que coordenem, ameacem, apoiem ou admitam atos que causem danos físicos contra animais, e removemos tais conteúdos quando tomamos conhecimento deles em nossas plataformas. Estamos sempre aprimorando nossos esforços para manter nossas plataformas seguras e também incentivamos as pessoas a denunciarem conteúdos e contas que acreditem violar nossas políticas através das ferramentas disponíveis dentro dos próprios aplicativos”.
O TikTok e o YouTube também foram procurados, mas não se pronunciaram até a publicação da reportagem.
*Produção: Giovanna Batista