O governo brasileiro receberá neste domingo (4) o fóssil do dinossauro Ubirajara Jubatus, que segundo investigação do Ministério Público Federal (MPF), foi levado de forma irregular do país para a Alemanha em 1995. As negociações em torno do repatriamento do artefato histórico envolveram diversas entidades ,como o Instituto Guimarães Rosa, ligado ao Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Embaixada da Alemanha em Brasília.
A informação da chegada do fóssil foi confirmada à imprensa pelo Itamaraty, que ainda acrescentou que ele será trazido pela ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, que esteve envolvida nas negociações e que já tinha uma visita programada ao país, e pelo ministro alemão do Trabalho e Temas Sociais, Hubertus Heil. O envolvimento da chefe da diplomacia alemã no ato de repatriação do material é considerado, em termos diplomáticos, como um sinal de prestígio para o Brasil.
Após meses de reuniões e debates sobre qual museu brasileiro receberia o fóssil, em 16 de maio deste ano, o MCTI decidiu que o artefato ficará no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), ligado à Universidade Regional do Cariri (Urca) e localizado em Santana do Cariri, no Ceará. A escolha se deu pelo fato de o dinossauro ter vivido há 110 milhões de anos na atual região do Geoparque de Araripe, onde fica a instituição.
A Sociedade Brasileira de Paleontologia e pesquisadores envolvidos em uma campanha virtual em prol da repatriação do artefato também defendiam que ele fosse levado para o Nordeste, com o argumento de que, além de voltar ao seu local de origem, isso poderá também fomentar o turismo ligado ao patrimônio de fósseis.
Além da chegada do achado ao país, será planejada posteriormente uma cerimônia oficial de entrega do fóssil e sua transferência para o museu.
Entenda o caso
Em 2020, uma publicação de um artigo científico por pesquisadores estrangeiros, na revista especializada Cretaceous Research, gerou críticas por parte da comunidade acadêmica, que argumentava que o fóssil deveria estar no seu país de origem e ser estudado por cientistas brasileiros.
Um ano depois, os debates começaram a se expandir para as redes sociais, com a criação de uma campanha virtual chamada Ubirajara Belongs To Brazil (Ubirajara pertence ao Brasil, em tradução livre) que pedia a repatriação dos vestígios do dinossauro. O assunto também inspirou a escrita de artigos científicos sobre o tema em revistas internacionais, como a National Geographic e a Science. Alguns textos criticavam o motivo do achado estar na Alemanha.
Com a pressão da comunidade científica, o Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, onde o artefato se encontra, disse inicialmente que estava pronto para discutir o tema, mas em seguida voltou atrás e argumentou que com base na Lei de Proteção à Cultura, não havia fundamento legal que justificasse a devolução.
Em 2022, o museu alemão chegou a fazer uma publicação em que afirmava que o fóssil era propriedade do governo da Alemanha e que havia sido adquirido antes de entrar em vigor as decisões adotadas na Convenção da Unesco, de 1970. À época, durante o evento, foram estipuladas medidas de regulação da transferência de propriedades de bens culturais adquiridos.
Diante do impasse e da mobilização científica, ainda em 2021, o Ministério Público Federal brasileiro começou a apurar o caso. A investigação apontou que um documento que permitia a transferência do fóssil, autorizada na época pelo escritório regional do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM), não era claro e continha uma linguagem genérica.
O MPF também afirmou que havia contradições entre a versão apresentada pelo museu alemão, que alegava que o fóssil foi encontrado em uma pedreira na região da Bacia do Araripe e transferido em 1995 para a Alemanha, para fins de estudo e publicação de um artigo científico sobre o achado, e pelos servidores envolvidos no caso.
Com base nas leis brasileiras, as autoridades iniciaram um processo exigindo o repatriamento do achado. O pedido foi feito com base no Decreto-lei Nº 4.146, de 4 de março de 1942, que determina que os fósseis brasileiros são considerados como patrimônio nacional do país. Com isso, não podem ser comercializados e é necessária uma autorização para retirá-los de seu local de origem.
O MPF brasileiro também utilizou como base legal a portaria nº 55, do Ministério da Ciência, de 1990, que proíbe a saída de holótipos — exemplares considerados como referências na descrição das espécies, como é o caso do Ubirajara jubatus — do país. Em 19 de julho do ano passado, o Museu de História Natural de Karlsruhe concordou em devolver o fóssil.