É uma das perguntas mais antigas da ciência: do que são feitas as coisas que vemos? As respostas à questão têm motivado estudos desde a Grécia antiga e seguem nas mais diversas áreas do conhecimento.
O Brasil tem uma ferramenta projetada para contribuir no esclarecimento do tema: o acelerador de partículas Sirius, instalado em Campinas, no interior de São Paulo. O laboratório foi inaugurado em 2018, com orçamento previsto de R$ 1,8 bilhão.
— O Sirius é como se fosse um gigantesco microscópio que consegue enxergar na escala dos átomos e das moléculas, que é a escala mais fundamental para qualquer material, seja orgânico ou inorgânico — resume José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
E, para “enxergar”, o equipamento utiliza a luz síncrotron, um tipo de radiação eletromagnética brilhante que se estende por um amplo espectro, ou seja, é composta por diversos tipos de luz, como a infravermelha, luz visível, ultravioleta e raios X.
A luz gerada fez o acelerador receber o nome da mais brilhante estrela visível a olho nu. A luz síncrotron permite experimentos rápidos - próximo à velocidade da luz (pouco abaixo de 300 mil km/s, portanto) - e a investigação de detalhes dos materiais na escala de nanômetros (bilionésimo de um metro).
Como funciona
Os feixes de elétrons têm espessura 35 vezes menor que a de um fio de cabelo, e percorrem tubulações em condições de vácuo. A trajetória das partículas é guiada por imãs distribuídos ao longo da circunferência de 518 metros da estrutura. Devido à força magnética dos imãs, os elétrons são obrigados a fazer "curvas" dentro das tubulações: nesse processo emitem luz síncrotron. Por fim, a luz é direcionada para as estações experimentais nas quais estão os pesquisadores.
— Com isso, aprendemos sobre as propriedades dos materiais, tendo impacto, portanto, nas áreas de saúde, de energia, principalmente energias renováveis, de novos materiais. É um equipamento utilizado por toda a comunidade científica brasileira e mundial para investigar a matéria e responder perguntas fundamentais que vão permitir que esse conhecimento atinja a população, ajudando a resolver problemas importantes no Brasil e no mundo — acrescenta o diretor-geral do CNPEM.
O Sirius está em funcionamento desde 2021. Desde o segundo semestre do ano passado, duas chamadas públicas foram abertas aos pesquisadores interessados em utilizar o laboratório neste ano.
Aceleradores de partículas
O assunto acelerador de partículas remete a uma sigla na ciência atual: LHC (Large Hadron Collider, ou Grande Colisor de Hádrons, na tradução para o português), instalado em Genebra, na Suíça. Não à toa: com esse instrumento, em 2013, foi confirmada a existência do bóson de Higgs - popularmente chamado de “partícula de Deus” -, considerado um dos maiores feitos da ciência no século.
A estrutura é mantida pelo Centro Europeu de Física de Partículas (CERN). Sirius e LHC, porém, foram projetados para fins diferentes, como mostra o infográfico abaixo:
— O LHC quer estudar as partículas e suas estruturas interna. Ele promove a colisão em alta energia (velocidade) de partículas para estudar as subpartículas geradas após a colisão. Ou seja: você quer colidir dois prótons e ver que “pedaços” saem deles — explica Jonder Morais, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador da luz síncrotron.
Já o Sirius busca outro tipo de conhecimento, ele acrescenta:
— O objetivo é ser uma fonte de luz, que chamamos de luz síncrotron. O Sirius cria um feixe de elétrons, para girar em uma órbita quase circular em torno do prédio. Portanto, não se estuda a estrutura da partícula em si. O que se obtém é a luz que esses elétrons produzem.
Potência
O Sirius tem 68 mil metros quadrados e é considerado a mais complexa infraestrutura de pesquisa já construída no Brasil, com investimento do governo federal. A construção começou em 2012. De cima, ele é similar a um estádio de futebol. Neste link é possível fazer uma visita virtual à estrutura.
O acelerador não é a primeira experiência nacional nessa área. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) já operava, desde 1997, a única fonte de luz síncrotron da América Latina, aberta ao uso de toda a comunidade acadêmica e industrial. O LNLS é também o responsável pela construção do Sirius, considerado um acelerador brasileiro de quarta geração.
— No mundo, só existe um acelerador na Suécia (MAX IV) que produz luz mais intensa do que ele. São, em todo o mundo, apenas quatro laboratórios síncrotron semelhantes ao Sirius. Eu diria que ele está entre a primeira e a segunda posição em termos de quantidade de luz que produz — pontua o professor da UFRGS.
Por que estudar a luz síncrotron?
A luz síncrotron permite que análises sejam feitas enquanto os materiais são submetidos a diversas condições de temperatura e pressão, de vácuo e fluxo de diferentes gases, de campos elétricos e magnéticos, por exemplo.
Assim, ela consegue analisar experimentos nas mesmas condições em que as amostras se encontram na natureza, como no interior da crosta da Terra, ou em situações em que os materiais serão utilizados na indústria, por exemplo. Isso mostra que o estudo desse tipo de radiação pode alavancar conhecimentos em diversas áreas.
— Há pesquisas sobre fármacos, como obter melhor extração de petróleo, para melhorar catalisadores para diminuir a emissão de gases em efeito estufa, outros estão pesquisando materiais que vão ser utilizados pelos cidadãos. Vai desde a construção civil até dispositivos eletrônicos desenvolvidos para o Sirius. Mas, para mim, o mais importante é o conhecimento e novas pesquisas que ele é capaz de gerar na área — afirma o pesquisador.