A rede social de vídeos TikTok, desenvolvida pela empresa chinesa ByteDance, se tornou alvo de intensa desconfiança por parte de autoridades norte-americanas, que acreditam que o partido comunista chinês esteja espionando usuários ocidentais. Os Estados Unidos ameaçam banir a plataforma do país caso sua operação não seja repassada a controladores locais. Em 2020, o ex-presidente Donald Trump já havia determinado que a plataforma fosse vendida, mas a decisão foi suspensa pela Justiça norte-americana.
Nos últimos meses, as tensões foram retomadas pelo governo Biden após autoridades norte-americanas pedirem que parlamentares, militares e funcionários públicos desinstalassem o aplicativo chinês de seus celulares. Canadá, Dinamarca, Reino Unido e União Europeia também adotaram a medida. Órgãos de segurança desses países dizem que a plataforma traz riscos de espionagem e exposição de dados pessoais de seus usuários, o que justificaria o banimento da plataforma de vídeos em dispositivos oficiais.
O debate em torno da plataforma digital, no entanto, reflete disputas geopolíticas mais profundas entre EUA e China, que hoje mantém disputas de influência sobre Taiwan e o mar do sudeste asiático e a América Latina. Mais recentemente, os EUA chegaram a derrubar balões chineses que entraram no território do país e acusaram Pequim de espionagem, além da Guerra da Ucrânia colocar norte-americanos e chineses em lados opostos no conflito.
Na avaliação do professor e pesquisador em Comunicação Digital da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Eduardo Pellanda, para além da segurança nacional, uma das motivações para a tensão entre autoridades norte-americanos e o aplicativo chinês também é de mercado, já que o TikTok ameaça o poder de empresas do país, como a Meta, que mantém o Facebook, WhatsApp e o Instagram, chefiada pelo bilionário Mark Zuckerberg.
— Há uma razão de mercado, que vem da pressão de empresas norte-americanas para não serem engolidas pelo TikTok, que está com um crescimento absurdo. Ele ameaça diretamente os negócios da Meta. Sabemos que essas plataformas têm uma importância social para além da tecnologia, já que aplicativos de mensagens e bate-papo (como o WhatsApp) podem impactar inclusive resultados de eleições. Ter algum domínio e controle dessas plataformas é fundamental até para a soberania nacional, que é o discurso nos EUA e na Europa — explica Pellanda.
Temor sobre dados pessoais
Na última quinta-feira (23), o CEO do TikTok, o singapurense Shou Zi Chew, foi convocado a um depoimento ao congresso dos EUA, que discute proibir o aplicativo. Só no país são 150 milhões de usuários ativos mensais, de acordo com o executivo da rede social. O governo chinês considera a pressão ocidental contra o aplicativo um "abuso do poder estatal" que "generaliza o conceito de soberania nacional", segundo a AFP.
O temor dos congressistas é o de que a rede social seria capaz de “coletar informações confidenciais (de usuários norte-americanos) e controlar o que, em última instância, vemos, ouvimos e acreditamos", disse na sessão que sabatinou Chew a parlamentar republicana Cathy Rogers, que preside o Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos Representantes, o equivalente a uma Câmara dos Deputados norte-americana.
Segundo Pellanda, desde o escândalo de vazamento de dados da Cambridge Analytica, em que dados pessoais de usuários do Facebook foram usados para fins políticos, como o direcionamento de notícias falsas feitas sob medida para desinformar ou influenciar eleitores, governos perceberam como plataformas digitais podem servir de "laboratório de opiniões públicas".
— Podemos saber quantas pessoas querem votar no candidato a ou b, quais têm tendências à esquerda ou à direita ou quem apoia ou não um governo. Essas informações de gostos e preferências são uma ferramenta poderosíssima e não há uma contra-prova de que, no caso do TikTok, essas informações realmente estão seguras. O aplicativo aposta no conteúdo viral, então qualquer nova conta que você cria, adquire escala. O segredo deles está no algoritmo que consegue rapidamente criar um público pra ti — explica o publicitário e pesquisador, que ressalta que os algoritmos de recomendação da plataforma chinesa são mais eficazes em viralizar conteúdos que o Instagram, por exemplo.
Após uma série de escândalos, inclusive o vazamento de documentos internos que mostraram que a Meta sabia que suas redes sociais fazem mal à saúde mental de crianças e adolescentes, a empresa de Mark Zuckerberg investiu pesado no metaverso, lançamento que até o momento não deslanchou. Apesar das reclamações do governo chinês, Pellanda lembra que Pequim mantém fortes restrições contra o uso de Google, Facebook e outras plataformas digitais norte-americanas no país.
Brasil debate regular redes sociais
Hoje, não há planos do governo brasileiro em banir o TiKTok do território nacional, como países europeus e os EUA têm avaliado fazer, de acordo com o jornalista Rodrigo Lopes, colunista de GZH. Na contramão da disputa geopolítica entre a potência oriental e o hemisfério norte ocidental, o Brasil busca estreitar laços com a China por meio de uma agenda bilateral positiva, enquanto faz o mesmo com os EUA.
Uma regulamentação das redes sociais está sendo discutida no congresso brasileiro e, além de visar redes sociais norte-americanas, como Facebook e Twitter, também alcança o TikTok. Por aqui, a discussão é se essas plataformas podem ser consideradas corresponsáveis por materiais produzidos por usuários, como peças de desinformação, já que hoje algoritmos impulsionam e recomendam esses conteúdos dentro de suas plataformas. Hoje, a programação do aplicativo chinês é o exemplo mais bem acabado desse tipo de tecnologia.
— Os chineses têm um algoritmo de recomendação que é o melhor diferencial, um segredo que é quase uma 'fórmula da Coca-Cola'. Ele entende como funciona um perfil de uma pessoa e a partir de seus gostos, recomenda conteúdos voltados a essa pessoa. O algoritmo de recomendação do TikTok é mais agressivo que o do Instagram e do Facebook, por exemplo, e com isso consegue fazer que o material se torne viral de forma mais rápida — explica Pellanda.