O aparecimento de luzes no céu do Rio Grande do Sul nos últimos dias tem levantado debates e até teorias conspiratórias sobre a origem dessas fontes luminosas. Os relatos mais recentes ocorreram na noite desta terça-feira (8) e na madrugada de quarta (9), quando pilotos de cinco voos comerciais, das companhias aéreas Azul, Gol e Latam, reportaram à central de tráfego aéreo que avistaram luzes enquanto se aproximavam da capital gaúcha.
Até o momento, a origem das luzes continua sendo um mistério. GZH entrevistou dois especialistas para falar sobre o assunto: o professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor em astrofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rogemar André Riffel, e Carlos Jung, coordenador do curso de Engenharia de Produção das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat) e um dos fundadores do Observatório Heller & Jung.
Segundo os acadêmicos, existem diversas hipóteses sobre os registros, que vão desde fenômenos físicos, como reflexão difusa das nuvens, descargas elétricas e ilusão óptica, até elementos mais simples, como passagens de satélites e lixo espacial na atmosfera terrestre. Além disso, de acordo com os professores, em cada dia pode haver uma explicação distinta.
De acordo com Jung, até a próxima semana ele e um grupo de pesquisadores irão montar uma linha do tempo, que vai de 4 de novembro até o caso mais recente registrado, com a explicação para a ocorrência de cada caso reportado.
Reflexão difusa
O professor de física da UFSM Rogemar André Riffel acredita que uma das principais hipóteses que pode explicar o aparecimento das luzes, em alguns casos, seja a reflexão difusa. Segundo o acadêmico, as nuvens podem se comportar como grandes espelhos, contribuindo para esse tipo de fenômeno.
— O que ocorre no céu é o mesmo fenômeno de reflexão que a gente está acostumado aqui na Terra. A luz que incide sobre essas nuvens pode ser refletida e gerar pontos luminosos — explicou Riffel.
Carlos Jung concorda, e complementa que as luzes podem ser originadas de holofotes utilizados, por exemplo, em festas e comemorações. Quando estas luzes encontram as nuvens, podem sofrer reflexão.
— Alguém pode ter usado um refletor direcionado para as nuvens, e isso pode ter provocado a imagem aérea — diz Jung.
Sprites
Outra possibilidade levantada por Riffel é um fenômeno chamado sprite, que tem relação com descargas elétricas. Os sprites podem ser definidos como eventos luminosos transitórios e rápidos de origem elétrica que ocorrem acima das nuvens, quando há iminência de tempestade. Segundo o professor, isso explicaria os padrões de aparecimento e desaparecimento rápido e repentino das luzes, como relataram os comandantes de voos.
— Os sprites são descargas elétricas que partem do topo dessas nuvens e vão se estender até altitudes muito elevadas, na ordem de 100 quilômetros de altitude — explica Riffel.
Brilho de Marte
Registros sobre o caso ocorrido na última noite viralizaram nas redes sociais. Em um vídeo compartilhado pelo fotógrafo Gabriel Zaparolli, é possível ver o aparecimento de uma luz intensa no céu de Torres, no litoral gaúcho.
Com relação ao relato desta terça-feira, Jung acredita que a luz seja provocada pelo brilho de Marte, que está mais intenso nesse período.
— Um relato feito por um piloto que postou um vídeo na verdade era o planeta Marte que está com brilho intenso neste período. Marte parecia piscar para ele (piloto) porque a umidade no ar estava em 95%, o que favorece a visualização do fenômeno — explicou.
Satélite
Apesar de os professores Riffel e Jung acreditarem que as principais hipóteses para explicar as ocorrências são a reflexão difusa e os sprites, eles não descartam outras explicações mais simples, como a passagem de satélites pela atmosfera terrestre. Jung faz relação com o lançamento de uma nova remessa de 54 novos satélites Starlink, que partiram da Terra em 20 de outubro. A passagem dessa tecnologia espacial foi avistada e registrada pelo Observatório Espacial Heller & Jung, na época.
Segundo Jung, as luzes que foram vistas no horizonte e em altitudes mais baixas são as mais prováveis de terem sido ocasionadas por satélites. O professor e outros especialistas na área já realizaram simulações sobre o comportamento dos satélites Starlink e confirmaram essa possibilidade.
Para o fundador do observatório, além da possibilidade dessas tecnologias da Starlink terem gerado as luzes na atmosfera, há outra série de consequências ocasionadas pelo aumento do número de satélites. Entre as principais, destacam-se a queda futura deles na órbita da Terra, a geração de lixo espacial e a obstrução de visibilidade atmosférica.
De acordo com o astrofísico da UFSM, a possibilidade de a visibilidade da atmosfera terrestre ser obstruída pelo grande número de satélites está cada vez mais perto de se tornar realidade. Até o momento, somente a Starlink já lançou 3,4 mil tecnologias desse tipo e pretende expandir para 30 mil unidades.
— Esses satélites são uma fonte de contaminação das imagens. Se esse número continuar crescendo como vem crescendo nos últimos tempos, poderia inviabilizar a astronomia a partir da superfície da Terra — argumentou Ruffel.
Balões atmosféricos, drones e lixo espacial
O aparecimento das luzes também pode ter relação com a passagem de drones, balões atmosféricos e lixo espacial pela atmosfera terrestre. Já houve ao longo dos últimos anos inúmeros casos de pessoas que relataram o aparecimento de objetos voadores inicialmente não identificados que, na verdade, eram algum destes objetos.
Na madrugada de segunda-feira (7) para terça-feira (8), pilotos do voo 4248, da Azul, que partiu do Rio de Janeiro em direção a Porto Alegre, e do voo 2007, da Gol, que decolou de Florianópolis com destino à capital gaúcha, relataram o aparecimento de luzes de origem desconhecida no céu de Torres. Sobre esse caso, Carlos Jung acredita que tenha relação com passagem de algum objeto espacial como um drone, já que o céu estava limpo e sem a presença de nuvens, o que inviabiliza a hipótese da reflexão difusa e dos sprites.
— Analisei todas imagens em direção a Torres e o céu estava estrelado, mas sem luzes — explicou, com base nos registros do Observatório Espacial Heller & Jung.
A partir da observação de vídeos e imagens que foram amplamente divulgados nas redes sociais, Rogemar descartou a possibilidade das luzes serem oriundas de meteoros.
— Geralmente, os meteoros têm uma entrada na atmosfera mais lenta do que verifiquei nos vídeos. Mas poderia ser a captura de um satélite, de lixo espacial caindo na atmosfera — argumentou.
Ilusão de óptica
Com relação aos relatos por áudio e nos casos em que não houve registros de imagens, Carlos Jung acredita que os pilotos que avistaram as luzes possam ter sofrido o fenômeno da ilusão óptica. Segundo o docente, isso poderia ocorrer porque, principalmente durante os voos noturnos, os comandantes perdem a noção de espaço.
O piloto aposentado Nelson Riet, 80 anos, relatou a GZH que esse fenômeno físico é muito comum durante os voos e que, de fato, pode ter ocorrido nos últimos dias com alguns pilotos que reportaram o avistamento das luzes.
— O que acontece muito é o que chamamos de ilusão óptica. À noite, perdemos a referência com o chão e o céu, fica tudo uma só imagem. Então, ao fazer uma curva, pode parecer que vimos alguma coisa. Sabemos que isso pode acontecer: de pensar que estamos vendo algo, mas que, na verdade, não existe — disse Riet.
Segundo Jung, a ilusão pode ainda ser potencializada se os pilotos que estavam comandando as aeronaves tiverem visto as imagens do aparecimento das luzes em dias anteriores. Para o professor, isso pode induzir, de modo inconsciente, as pessoas a avistarem algo que não existe de fato.
Imagens alteradas ou de baixa qualidade
Outro problema, de acordo com o docente de Taquara, é que muitas imagens divulgadas no ambiente digital são de fontes pouco confiáveis e podem ter ser sido alteradas. Além disso, alguns registros não contam com uma boa qualidade, o que pode também gerar ilusão ótica nos espectadores.
— As imagens estão "contaminadas". Houve muita divulgação. Vai ser difícil a partir de agora saber o que é real ou não — argumentou o fundador do Observatório Heller & Jung.