Cinco décadas separam dois momentos importantes para a exploração da Lua. Um deles é a missão Apollo, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que levou astronautas ao satélite da Terra entre 1969 e 1972. O outro está marcado para este sábado (3), com a segunda tentativa de início do Artemis, programa também da Nasa, que inaugura uma trajetória que objetiva levar humanos outra vez à Lua.
Neste sábado, será lançado o foguete Space Launch System (SLS) com a sonda Orion, sem tripulação, marcando a Artemis 1. A primeira tentativa ocorreu no dia 29 de agosto, mas o lançamento foi cancelado porque o teste para conseguir que um dos quatro motores RS-25 do foguete alcançasse a temperatura adequada para a decolagem não teve êxito.
Essa etapa quer demonstrar a capacidade da sonda de concluir a missão e retornar à Terra, de forma segura, antes do primeiro voo com humanos, algo que deve ocorrer no Artemis 2 até 2026.
O sistema será lançado do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, nos Estados Unidos, por volta das 15h17min, no horário de Brasília. A viagem deve durar 42 dias.
Interesse econômico
Mas por que a agência espacial decidiu voltar à Lua apenas agora, e não nos anos 1980 ou 1990? Thiago Signorini Gonçalves, astrônomo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz entender que a missão faz parte de um contexto de disputa no setor aeroespacial.
— A meu ver, (a missão) tem um interesse econômico na nova corrida espacial que foi inaugurada com toda a iniciativa privada. Não existe nada urgente para levar a cabo essas missões e, em particular, as tripuladas. É difícil avaliar a importância dela do ponto de vista científico — comenta.
De acordo com o astrônomo, há uma mudança nessa competição pela exploração espacial. Isso porque, nas décadas de 1960 e 1970, havia uma disputa definida em um contexto de Guerra Fria: os Estados Unidos de um lado e a União Soviética de outro. A briga por colocar o ser humano no espaço era um dos conflitos que envolviam os dois países. Essa disputa ocorre hoje, mas com novos atores, da iniciativa privada, que foram agregados à competição, como a Space X, Blue Origin e Virgin Galactic.
— A corrida não se dá apenas entre governos e países, mas entre empresas, que têm interesse em demonstrar um poderio tecnológico. Existe também uma competição do financiamento da Nasa para missões de aeronaves que podem carregar satélites e ao mesmo tempo há o interesse do uso dessas tecnologias no meio militar — explica.
Além disso, para o astrônomo da UFRJ, a Nasa quer também continuar como um dos principais personagens da exploração espacial, como uma forma de "justificar" os investimentos públicos nos programas.
— A Nasa, com essa missão, se reafirma como protagonista nesse processo, também mostrando que pode desenvolver o seu próprio programa espacial. É importante mostrar que o governo norte-americano tem bastante influência — pontua.
Projeto de longo prazo
Para Thaisa Storchi Bergmann, astrofísica e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a missão atual da Nasa tem bases diferentes das da Apollo. Segundo ela, a anterior foi feita às pressas para levar o homem à Lua em uma década na já citada corrida espacial: a missão custou caro e foi perigosa para os astronautas.
— Não foram desenvolvidos sistemas seguros na Apollo. Por isso, os foguetes, as cápsulas foram colocados em museus, ela não estabeleceu uma base sólida para expedições posteriores. O novo programa Artemis deve ser muito mais robusto e a longo prazo — comenta.
Como exemplo, ela cita a construção da primeira estação espacial na órbita da Lua, chamada de Gateway. A estrutura buscará apoiar a exploração e a pesquisa no espaço profundo e incluirá pontos de ancoragem para naves visitantes, espaço para a tripulação morar, trabalhar e conduzir as investigações científicas a bordo para estudar diversos ramos da ciência.
Estima-se que, entre 1960 e 1973, os Estados Unidos tenham destinados US$ 25,8 bilhões na Apollo, ou quase US$ 300 bilhões (R$ 1,5 trilhão) hoje, se considerada a inflação do período. Esse valor, segundo Thaisa, pode ter colaborado para que novas missões à Lua não fossem feitas nas décadas seguintes. O orçamento oficial da Artemis é de cerca de US$ 93 bilhões (R$ 480 bilhões na cotação atual).
— O programa Apollo foi muito caro. O governo americano não queria continuar gastando o que gastou. Talvez pudesse (retornar à Lua antes), mas se investiu em satélites, nas estações espaciais e também na exploração de Marte. Creio que tem um elemento político: já provamos que conseguimos ir à Lua, agora vamos explorar Marte e outros planetas — pontua.