Diretora de Dados, IA Apps e Automação na IBM Brasil, uma das maiores empresas do mundo no setor de tecnologia, Marcela Vairo avalia que a entrada do 5G no Brasil deve impulsionar o uso da inteligência artificial (IA). Ela destaca que a IA chegou para ficar - e deve liberar pessoas de trabalhos maçantes e perigosos. Todavia, diz que ainda não estamos próximos de desenvolver um robô com consciência. Veja a entrevista por vídeo a GZH.
Quais são os principais usos da inteligência artificial hoje?
O primeiro tipo de uso é processar um grande volume de informações, como quando se compara várias imagens para extrair alguma informação. Por exemplo, o médico nunca está com toda a literatura científica atualizada para um tratamento, doença ou imagem que apareça em um raio-x. Estamos fazendo um projeto em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) para mapear vários casos e imagens de pessoas que sofreram AVC. Quando vier um caso novo, a ideia é aumentar a probabilidade de diagnosticar e receitar tratamento correto para a pessoa. Se eu souber que tipo de AVC uma pessoa tem e rapidamente responder, tenho mais chances de evitar sequela e obter melhora mais rápido. Quem dá visão final é o médico, mas o processamento é mais rápido.
E fora da saúde?
Para a agroindústria, temos uma tecnologia no Brasil e na América Latina que olha previsões meteorológicas e faz uma previsão sobre a produtividade da safra para pensar em preço: quanto poderei cobrar pela safra que estou começando agora pensando em como o tempo vai se comportar no futuro? Temos também uma cooperativa de agricultores na Colômbia que faz a análise de imagem do solo em tempo real para otimizar a quantidade de irrigação e de insumo que tenho que colocar para aumentar a produtividade. Extraio uma série de informações para ter mais precisão na agricultura. Há também softwares de ensino que conseguem ver o comportamento do aluno, se ele fica muito tempo na página, se assistiu a um vídeo e depois acertou mais perguntas, qual a melhor forma daquele conteúdo aprender? É vídeo, texto, exercícios práticos, trabalho em grupo?
Onde está a IA para o consumidor final? As pessoas costumam pensar em carro autônomo.
O próprio e-commerce, que oferece compras pelo teu perfil de navegação, tem IA por trás. Um segundo uso de inteligência artificial é o machine learning, que emula a atividade humana. Começa pelo uso mais básico, que são os chatbots de atendimento, mas que estão muito presentes na automação de vários processos. Outro exemplo é de uma empresa de mineração que usa IA em carros de exploração de minério, porque a caverna é um lugar perigoso para entrar, então se você coloca um veículo autônomo que consegue enxergar em uma mina, você faz um carregamento sem colocar em risco a vida humana. A gente tende a pensar que a máquina vai substituir o homem. Mas, como tudo na vida, se bem aplicada a tecnologia, há exemplos fantásticos, que podem diminuir a periculosidade no trabalho. Quando a IA é usada, o resultado de satisfação do cliente é muito maior. A Equatorial Energia, presente aí no Sul, ficou com as lojas fechadas na época da pandemia, então o cadastro para a população ter acesso a um auxílio-energia foi via WhatsApp para ter uma tarifa mais barata, além de ligar para renegociar boleto. Quando automatizamos um atendimento, a pessoa não precisa sair de casa para ir à agência, então não gasta energia, não polui. Muito de IA gera otimização e economia de energia.
O que podemos esperar de produtos e serviços com inteligência artificial para os próximos anos?
Vemos cada vez mais o desenvolvimento da linguagem natural. Cada vez mais, será mais fácil e natural a nossa interação com a máquina e com sistemas de inteligência artificial.
Falaríamos com uma assistente pessoal em uma conversa mais natural?
Exato, e ela entenderia o contexto. Há alguns desafios ainda. Uma coisa é falar: "quero agendar uma consulta". Outra é: "quero agendar uma consulta, pera aí, esqueci o número", e a máquina entender que você está indo buscar o número e te responder mesmo assim. Interpretar em linguagem natural é algo que está começando a evoluir agora, mas será cada vez mais comum. Se você digredir, mudar de assunto, espirrar, fazer duas perguntas ao mesmo tempo, a máquina entenderá a tua intenção, como nós humanos fazemos. Criança entende as coisas tudo literalmente, entendemos ironia depois. A mesma coisa acontece com inteligência artificial. E outra coisa que está acontecendo e acontecerá cada vez mais é que a IA está embarcada em muitas aplicações. As principais soluções do mercado contra ataque cibernético é ter IA por trás para identificar que é um ataque, identificar uma fraude em um cartão de crédito. Temos uma solução de leitor de contrato com a KPMG para ler e processar vários contratos para a área de fornecimento, ver o que está ok, onde tem erro, e na hora de entregar para um assistente, faltar apenas um ajuste fino ou já estar quase pronto.
A capacidade de compreensão de contexto é um degrau necessário para atingirmos uma inteligência artificial com consciência. O quão distante estamos disso?
Não vemos que isso esteja tão próximo, sendo sincera. Mas o que está em discussão neste momento é o viés da inteligência artificial. A gente pensa que a máquina vai tomar vida própria, mas no fundo alguém foi lá e ensinou a máquina daquela forma. Se a gente "ensina mal" e coloca padrões com viés na programação, teremos viés no resultado. Precisamos ter um time diverso trabalhando nos modelos de IA e na criação de produtos e precisamos ter um ferramental que explique o porquê daquela ação ou sugestão do aplicativo que usa IA. Isso está sendo regulamentado em alguns países. Hoje, o Estado de Nova York não deixa que as pessoas usem algoritmos de IA para candidatos (a emprego) se as empresas não souberem claramente definir por que escolheram você. Tem que dizer que você chegou ao final porque preencheu determinados critérios, e esses critérios não são preconceituosos nem ferem a lei. O mesmo para concessão de crédito. A ética e a explicabilidade dos modelos precisa ser discutida agora.
Como a chegada do 5G ao Brasil deve impactar os produtos e serviços com inteligência artificial?
Uma coisa vai puxar a outra. Dei o exemplo da mineradora que tem um carro autônomo para entrar em um lugar perigoso sem que alguém dirija. Para isso, o sinal tem que chegar até lá. O 5G vai facilitar isso. Não pode demorar para processar, senão o carro atropela alguém, derruba um negócio, causa um acidente. O 5G vai possibilitar um aumento do alcance das aplicações e, pelo tempo de resposta melhor, vai facilitar que a gente crie mais aplicações acessíveis, com mais casos de uso. Parte desses casos de uso não tem limitação da IA, mas de a internet estar disponível. A produtividade da rede vai possibilitar ter mais aplicações.
Muito se fala sobre o uso da IA para governos. A Estônia é apontada como modelo. Quais são as perspectivas?
Participamos de alguns fóruns. Tentamos trabalhar questões éticas e de respeito ao indivíduo, sobre não ter viés e ter limites. Participamos desse tipo de discussão. Não é só questão de governo: assim como qualquer indivíduo ou empresa, se não tiver determinados valores e limites, pode ou não fazer um mau uso da tecnologia.
Quais são os dilemas éticos mais prementes hoje na IA?
A questão do viés, do correto uso do dado e de não se apropriar dos dados do cidadão ou do cliente sem autorização. Temos uma preocupação muito grande enquanto IBM com isso.
Por que você acha que as pessoas têm medo da inteligência artificial?
Medo de perder emprego, de ser substituído. Mas a gente não olha o outro lado da balança, que é melhorar um tratamento, disponibilizar um atendimento 24 horas por sete, um carro entrar em um local onde poderia causar um acidente... Como todas as evoluções tecnológicas, não tem como parar. Não vai parar, muito pelo contrário, tem crescido. Temos que ter cuidado com o uso e investir para as pessoas fazerem coisas que a máquina nunca vai substituir. É a empatia, o carinho, a criatividade. A tecnologia vai ajudar, mas não será humana. Não tão cedo. Temos que fazer cada pessoa encontrar sua vocação e investir em educação.