A americana Janna Levin consegue tornar divertida uma conversa sobre a colisão de buracos negros. Falando com propriedade – que em nenhum momento descamba para a arrogância –, a astrônoma mostra-se interessada em, mais do que explicar a sua paixão pelo espaço, despertar esse gosto. E entende que, cada vez mais, esse é também o papel dos cientistas.
Professora da Universidade de Columbia, em Nova York, Janna completou seu doutorado em física teórica pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). É autora de livros em que busca aproximar a pesquisa científica do público.
— Por muito tempo, colegas que gostavam de mim me disseram para parar com isso, porque prejudicaria minha carreira. Agora as mesmas pessoas me procuram pedindo dicas sobre como publicar um livro, ou querendo ajuda para apresentar um evento — conta a astrônoma.
Janna é a próxima palestrante do Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre. Motivada, em suas obras literárias e produções científicas, a escrever sobre a obstinação humana em desvendar os mistérios do universo, a professora falará, no Salão de Atos da UFRGS (Avenida Paulo Gama, 110), no dia 2 de setembro, sobre seu trabalho, que envolve compreender os buracos negros e as ondas gravitacionais no espaço-tempo.
O foco é em seu mais recente livro, A Música do Universo (2016). Em um estilo muito mais literário do que acadêmico, ela conta a história da obsessão de três cientistas por ouvir os sons vindos do espaço. Após uma jornada de 50 anos para detectar as ondas gravitacionais por meio do chamado Ligo (Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais), os três receberam o Prêmio Nobel de Física em 2017. Para Janna Levin, uma das coisas belas sobre a ciência é que ela une as pessoas.
Condecorada, em 2012, com uma bolsa Guggenheim – financiamento concedido anualmente para aqueles “que demonstram excepcional capacidade para produtividade com a bolsa ou habilidade criativa excepcional em artes” –, ela é ainda autora de Um Louco Sonha a Máquina Universal, romance que traz referências ao filósofo e matemático Kurt Gödel e ao matemático Alan Turing, e protagoniza o documentário NOVA: Black Hole Apocalypse (2018), disponível na Netflix.
Em entrevista por telefone, a astrônoma fala sobre sons e imagens vindos do espaço, sobre a fascinação causada pela representação de um buraco negro e sobre os próximos passos da humanidade no universo, além de tocar em assuntos como o terraplanismo e até indicar algumas obras de ficção científica.
O histórico 10 de abril de 2019
A primeira foto de um buraco negro (acima) não captura exatamente o buraco negro, mas a luz sendo sugada da mesma forma como a água entra em um ralo: girando ao redor de um eixo. O cenário é o centro da galáxia Messier 87 (M87), localizada a 55 milhões de anos-luz da Terra.
"Ainda não chegamos muito longe no universo"
O que você abordará na sua palestra?
Vou discutir principalmente meu livro mais recente, Black Hole Blues and Other Songs from Outer Space (A Música do Universo, em português), sobre a recente descoberta da colisão de dois buracos negros e o som que eles produzem. É como um tambor que faz o espaço-tempo vibrar. E esse som ressoou pelo espaço, viajou 1,3 bilhão de anos-luz até uma distante galáxia, até que foi gravado por instrumentos ambiciosos que são como dispositivos de gravação cósmicos. O livro é sobre as dificuldades e a perseverança dos cientistas por trás dessa ideia maluca.
Você acredita que a ciência em geral e a física em particular estão mais populares? E isso contribui para o avanço da pesquisa?
Acho que essas coisas andam lado a lado: a ciência é beneficiada pela inclusão das pessoas em algo de que elas não faziam parte antes. Muitos não querem dedicar suas vidas a calcular coisas superdifíceis. Acho que conseguir comunicar projetos – como a imagem de um buraco negro, ou o som de buracos negros colidindo – beneficia a todos. São conquistas internacionais, feitos sem que você tenha de pagar por eles. São como um presente. Ninguém te cobra pela imagem de um buraco negro. É, inclusive, o oposto: uma oferta generosa de conhecimento. Creio que os cientistas querem mostrar seu trabalho. A sociedade se beneficia da ciência, e os cientistas se beneficiam desse conhecimento da sociedade.
O quão importante é fazer essas apresentações para o público em geral?
Quando escrevo, não estou fazendo propriamente o que chamam de divulgação (científica). Não fico pensando: “Quero educar o público”. Vamos pensar em um artista que fez uma obra em seu estúdio e a expõe em uma galeria. Isso é considerado completamente normal. Ninguém diz “olha, você está fazendo divulgação! Está educando o público sobre arte”. Então, eu vejo de maneira natural. E passo a ter dois produtos: um artigo para um jornal científico e um trabalho com abordagem mais poética.
Qual a relevância da imagem de um buraco negro?
Primeiro, houve um momento incrível – até escrevi um pequeno artigo sobre isso – em que o mundo inteiro ficou olhando para essa imagem. Ao redor do globo, as pessoas fizeram uma pausa no seu dia para ver isso. Isso é um aspecto de muito impacto para a ciência e para a cultura. Havia um buraco negro representado logo ali, e estávamos vendo aquilo. Um buraco negro a 55 milhões de anos-luz da Terra. Foi algo que demorou 20 anos, entre desenvolver a tecnologia, pensar na sugestão, imaginar que poderia dar certo...
Foi algo que uniu o mundo.
Exatamente. Acredito mesmo nisso. E acho que isso é tocante.
É curioso, até filosoficamente, pensar que tudo o que vemos no espaço é, na realidade, uma representação de como aquele corpo celeste um dia foi. Do seu passado. O que você acha disso?
Acho que isso muda a nossa percepção. Nós sabíamos, por exemplo, que havia aquele grande buraco negro na M87 (galáxia Messier 87). Os números são difíceis de entender: 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol, a 55 milhões de anos-luz da Terra. Mas é como os seres humanos são feitos. A informação visual é imediata. E, sim, isso muda a nossa percepção. Se você pensar em Copérnico nos dizendo que a Terra não é o centro do Sistema Solar... isso mudou o mundo de maneira que não podemos nem quantificar. Tudo foi diferente a partir daquela observação. É o que está acontecendo conosco agora. Quando Einstein estava trabalhando, em 1905, nunca tínhamos visto ou reconhecido outra galáxia, só existia a Via Láctea! E agora sabemos que há tantas galáxias no universo observável quanto estrelas na nossa própria galáxia. É uma mudança gigantesca na percepção.
Uma pesquisa revelou que, no Brasil, 7% da população acredita que a Terra é plana. Esse é um movimento que ainda envolve muita gente no mundo. Como você vê isso?
Bem, acho que provavelmente pouca gente defende o terraplanismo. Galileu foi preso por afirmar que a Terra não ficava no centro do Universo, e sim orbitava o Sol. Pela maioria. Pelo menos vivemos em uma época em que quase todas as pessoas razoáveis podem dizer umas às outras: “Você acredita que há terraplanistas por aí?”. Mas não quero fazer graça das pessoas por terem ideias estranhas, pois acredito que ajuda se formos mais generosos, incluindo essas pessoas nas descobertas inacreditáveis, para que elas não se sintam excluídas. Assim elas não resistiriam tanto (leia mais sobre terraplanismo aqui).
Recentemente, comemoramos os 50 anos da chegada do homem à Lua. Cientistas têm dito que é importante voltarmos para lá antes mesmo de tentar algo em Marte. Para você, quais serão os próximos passos?
Penso que essa é uma questão bem sutil: parece óbvia, mas na verdade é bem sutil. Se tivéssemos dinheiro e recursos infinitos, é claro que deveríamos voltar para a Lua. É claro que deveríamos tentar chegar a Marte. Somos criaturas aventureiras. Somos exploradores por natureza. E devemos explorar. Mas não temos recursos infinitos. Precisamos escolher entre diferentes projetos: quando um recebe financiamento, outro não. Haverá sempre projetos que envolvem orçamentos gigantescos e aqueles que são bem menos caros e perigosos. Por isso acho interessante que empresas privadas possam participar da exploração espacial. Porque isso não envolve financiamento do governo, um projeto não vai perder para que outro possa acontecer. Esse envolvimento pode ser muito útil. Até porque as recompensas são complicadas. Mas você inspira o mundo.
Além de escutar os sons do espaço, nós também já enviamos algumas músicas para fora da Terra, como na Apollo 11, que levou a humanidade à Lua, e nas sondas Voyager. Será que um dia seremos ouvidos?
Nós ainda não chegamos muito longe. Nem deixamos a galáxia (as sondas Voyager, objetos feitos pela humanidade que foram mais longe no espaço, deixaram o Sistema Solar, mas não a Via Láctea). Nem perto disso. Percorremos apenas uma pequena distância, pensando em anos-luz. E há muitos planetas por aí. A humanidade tem mandado mensagens há apenas cerca de cem anos. Compare isso com os 13 bilhões de anos do universo. As chances de alguém estar bem aqui no nosso quintal... é como estarmos no deserto. Em uma ilha deserta. Pode ter alguém por aí. Ainda não sabemos. Talvez daqui a bilhões de anos?
Você pensa sobre isso? Comunicar-se com outras formas de vida?
Sim. É como o que falei sobre recursos: eu não investiria meus anos nisso, porque acho que as chances são muito pequenas. Mas penso que alguém deveria? Sim. A maioria dos cientistas deveria? Não, absolutamente.
Deixando um pouco de lado toda essa conversa teórica, gostaria de saber: você se interessa por ficção científica? O que gosta de assistir, de ler ou ouvir sobre isso? Tem alguma recomendação?
Eu amo filmes de ficção científica! Não leio muito sci-fi. Gosto de ciência quando encontra a ficção, mas não sou uma grande consumidora. Eu gostei muito de Perdido em Marte. Que é baseado em um livro. Também acho tocantes obras como 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Eles causam uma sensação estranha porque dão uma percepção diferente. Amei Planeta dos Macacos. Meu Deus! Mas eu deixo minha mente mais solta. Vejo tudo com um olhar crítico, mesmo um drama qualquer. Mas (em filmes de ficção científica) me deixo levar pelo enredo. Assim fica mais fácil eu aproveitar (risos).
O ciclo de palestras
- O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS, e empresas parceiras Unicred e CMPC. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.
- Os próximos palestrantes
23/9 – Werner Herzog, cineasta de Fitzcarraldo (1982) e O Homem Urso (2006)
21/10 – Contardo Calligaris, psicanalista e escritor, colunista da Folha de S. Paulo
11/11 – Luc Ferry, filósofo e ex-ministro da Educação na França - Os ingressos já estão estão esgotados. É possível se inscrever em lista de espera clicando aqui