No município de Taquara, no Vale do Paranhana, um prédio de mil metros quadrados conserva mais de três milhões de peças arqueológicas de escavações em sítios pré-coloniais e coloniais brasileiros. Trata-se do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (Marsul), que está com a galeria central – setor destinado à exposição e circulação de pessoas – interditada por problemas na estrutura. O espaço está com as portas fechadas para o público em geral há 11 anos, e sua reabertura depende da captação de R$ 5 milhões.
Para especialistas, o acervo que tem vasos, pontas de lanças, cestos, crânios, entre outros, se compara – em quantidade e importância – ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Este tinha de 20 milhões de itens até o incêndio que consumiu parte de sua estrutura em setembro passado, avalia a doutora em História Carla Renata Gomes.
— O Marsul abriga milhões de peças, não são todos os museus que contam com um acervo tão grande assim — diz Carla.
O dinheiro previsto para garantir a reabertura do espaço é necessário para a realização de duas ações distintas. A primeira diz respeito à infraestrutura do museu, ou seja, conserto do telhado, do laboratório de pesquisa, colocação de mobílias no setor de acomodação – que acolhe pesquisadores de fora da cidade – troca de piso, climatização do ambiente, aquisição de prateleiras e reforma da casa anexo, local onde serão feitas exposições abertas à comunidade.
A outra parte dos recursos será investida na realização do inventário dos milhares de itens do Marsul com o auxílio de museólogos, arquivistas, historiadores, entre outros profissionais. O modo como a entidade procura angariar os fundos necessários para este moroso trabalho e as reformas estruturais é via Lei de Incentivo à Cultura. Dentro deste modelo, as empresas que optarem por investir na instituição têm dedução do valor do Imposto de Renda.
As ideias propostas pela Surya Projetos, empresa especializada em patrimônio histórico, contratada pelo governo do Estado em 2017, via licitação, para fazer a curadoria do museu, foram aprovadas em 2018 pela União. Clarice Ficagna, diretora de projetos da Surya, explica que, apesar de a liberação para captação de recursos ter acontecido ano passado, a carta branca para ensaiar a aproximação junto às companhias só pode ser realizada em março de 2019.
Isso aconteceu porque, em 2008, o Ministério Público Federal acionou um alerta vermelho em relação à situação do museu e pediu sua interdição. Somou-se a isso a sentença da 2º Vara Federal da Justiça Federal em Novo Hamburgo que fixou, em 2011, a contratação de um diretor, de uma empresa para a curadoria do museu e a realização de obras em caráter emergencial, o que foi feita pela Secretaria Estadual da Cultura (Sedac), responsável pelo museu.
Entre os pedidos estavam o restabelecimento de luz elétrica, reativação da água, troca de parte do telhado para conter a infiltração e a umidade que ameaçavam o acervo. Após um investimento de, aproximadamente, R$ 80 mil, as solicitações foram acatadas, diz a diretora de projetos da Surya.
— Todos estes pedidos demoraram para serem atendidos. Só conseguimos a desinterdição do espaço junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em março deste ano, por isso, estamos sem o investimento das empresas e zerados na captação. Em um primeiro momento, nossa estratégia foi contato via divulgação direta junto aos possíveis patrocinadores, mas não funcionou — explica Clarice.
Além de conquistar a desinterdição, o Marsul conseguiu adquirir o aval do Iphan para se tornar uma instituição apta a receber e a guardar acervos arqueológicos encontrados por terceiros em obras.
Captação de investimentos
Agora, com a situação do prédio regularizada, ela ressalta que persiste na aproximação junto aos empreendimentos e que tenta, constantemente, novo contato junto aos patrocinadores. Clarice reforça que as empresas podem patrocinar com até 4% do seu Imposto de Renda. Já as pessoas físicas interessadas em ajudar podem contribuir com 6%. As doações podem ser feitas em duas contas diferentes, uma referente ao projeto de reformas estruturais e outra destinada ao inventário.
A Secretaria da Cultura, responsável pela administração do Marsul, afirma que tem buscado apoio para a recuperação do espaço. De posse do projeto, que diz respeito às reformas estruturais, a pasta tem saído a busca de patrocinadores. Por isso, aproximou-se da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado, que tem relação mais estreita com empresários, para captar fundos. Além disso, a secretaria tem inserido o projeto de reforma em editais públicos, afirma Eduardo Hahn, assessor do Departamento de Memória e Patrimônio.
— Vamos inserir o projeto de reconstrução do Marsul no edital de bens lesados do Ministério Público. Se formos contemplados, esperamos captar R$ 1,5 milhão e essa quantia daria para alavancar a reforma da galeria central, a instalação elétrica — diz Hahn.
Ele destaca ainda que foi firmada parceria entre a pasta e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para que, caso ocorra alguma obra de impacto na região de Taquara, a contrapartida ambiental seja de restauração da infraestrutura do Marsul.
Exército de um homem só
O museu, que está fechado para o público geral há 11 anos devido à interdição, consegue receber hoje apenas pequenos grupos escolares e, principalmente, mestrandos e doutorandos de História, Antropologia e Arqueologia para pesquisas específicas. Como o setor da galeria central está inativo, não é possível montar uma exposição que mostre as pedras e cerâmicas do Rio Grande do Sul - principalmente de origem Guarani - e da Bacia Amazônica, que abrange os estados de Rondônia, Mato Grosso, Amapá e Amazonas.
Todas estas peças estão guardadas em mais de 2 mil caixas de plástico e de papelão, dispostas em diversas prateleiras e distribuídas em três salas. Além dos itens armazenados, há diversos mapas acondicionados fora das condições ideais de conservação.
O historiador Antônio Carlos Soares é o único servidor público contratado pelo governo do Estado a serviço do museu. Ele atua como diretor da instituição e é responsável por manter o acervo em boas condições.
— Faço a salvaguarda do acervo e recebo pesquisadores. Não tenho pesquisa em andamento sobre o acervo do próprio museu. Estamos, em tese, mantendo o acervo acessível, estável e em boas condições. Não consigo fazer nada além disso, é uma situação delicada — pontua Soares.
Relevância histórica
O acervo do museu também conta com itens ligados a culturas pré-coloniais, como Santarém e Marajoara, e povos ancestrais latino-americanos. O local tem artefatos de mais de 600 sítios arqueológicos diferentes. Os utensílios lá alocados são fruto de pesquisas realizadas por Eurico Miller, entre os anos 1960 e 1980, que fundou o Marsul em 1966. Um dos destaques é o crânio encontrado em Cerrito Dalpiaz, na cidade de Maquiné, sítio arqueológico que dá origem ao museu, a peça tem, aproximadamente, 8 mil anos.
Os artefatos foram adquiridos de dois modos: por meio do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (Pronapa), que repassava as peças encontradas em escavações para a instituição, e também por meio de doações do Museu Júlio de Castilhos, localizado em Porto Alegre.
Para a diretora de projetos da Surya, toda a história armazenada pelo Marsul ajuda a preencher lacunas da historiografia do país.
— Este acervo é ímpar. Ao estudarmos tudo o que ele nos oferece, descobrimos fatos importantes sobre o nosso passado, sobre as culturas pré-coloniais e das que colonizaram o Brasil — afirma Clarice.
O diretor do Marsul reforça a afirmação e ressalta a importância da conservação.
— Os livros não conseguem transmitir a sensação de se estar diante de uma peça resgatada de um sítio arqueológico de 5 mil anos. Temos que pensar no presente, precisamos preservar o que temos agora para que as gerações futuras possam ter acesso a essas peças e ter as ferramentas necessárias para estudar e pensar essas civilizações que já não existem, mas que constituem a nossa história — diz Soares.
Para ajudar
Entre em contato com Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul pelo contato: ((51) 3264-3878.