Por Luís Lamb
PhD em Ciência da Computação pelo Imperial College London e Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS
Historicamente, o ser humano mostra fascinação com sua forma de pensar. No Ocidente, pelo menos a partir de Aristóteles (aliás, influente até hoje), Leibniz, Boole, Frege, Russell, Gödel e Turing dedicaram parte de suas brilhantes vidas à análise do pensamento. Foram além, e imaginaram construir máquinas que melhorassem a capacidade da nossa mente, como vislumbrou Leibniz. Sobreviveram a inúmeros debates e frustrações, ainda maiores, acerca das inconsistências do pensamento, da lógica e de suas próprias existências. Não obstante, a busca pela construção de máquinas que “pensassem” prosperou.
Diante da urgência da II Guerra Mundial, coube à Grã-Bretanha a liderança contra o nazismo na Europa. Para esta hercúlea missão, conceberam a Station X, em Blechley Park. Lá, a partir do trabalho de Turing e de centenas de mentes lógicas brilhantes, construíram os primeiros computadores, entre eles o Colossus, destinados inicialmente a decifrar os códigos secretos alemães. Churchill posteriormente exaltou os esforços desses pioneiros da Ciência da Computação que, segundo o grande estadista, reduziram a guerra em pelo menos dois anos, salvando milhões de vidas.
Após o esforço de guerra, Alan Turing refletiu sobre a possibilidade de construir thinking machines – máquinas que pensassem. Ao final de sua trágica e curtíssima vida de apenas 42 anos, publicou os primeiros artigos sobre inteligência de máquina, deixando um grande legado e questões em aberto. Pouco tempo depois, em 1956, foi organizado o primeiro seminário sobre Inteligência Artificial (I.A.) em Dartmouth, com participação de luminares da ciência, entre eles Herbert Simon, Prêmio Nobel de Economia em 1978, e Marvin Minsky, que seria consultor do cineasta Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço. Simon viria a prever que as máquinas poderiam realizar, em 20 anos, qualquer trabalho humano. A previsão foi, certamente, muito otimista.
Nos anos 1960, a corrida espacial, alimentada no ambiente da Guerra Fria, impulsionou o surgimento de computadores ainda mais poderosos. Pari passu, a evolução da Ciência da Computação mantinha acesa a chama da questão proposta por Turing: será que máquinas podem pensar?
Limitada pela tecnologia dos computadores nos anos 1970 e 80, a I.A. atravessou alguns invernos, veio a confrontar, perder e, finalmente, derrotar o gênio do xadrez Gary Kasparov em 1997 e chega aos dias de hoje como temática da ONU e do Fórum Econômico Mundial de Davos; notadamente, há grande preocupação sobre o futuro do trabalho. Inúmeras profissões simplesmente desaparecerão; muitas outras, baseadas no conhecimento, ainda nem existem.
No século 21, a I.A. aprendeu a jogar pôquer e derrotou seres humanos no popular programa de perguntas e respostas da TV americana conhecido como Jeopardy!. Em 2016, o programa conhecido como AlphaGo, concebido pela inglesa DeepMind (hoje adquirida pela gigante Google), surpreendeu e assustou chineses e coreanos aos bater os melhores jogadores do mundo de Go, um jogo de tabuleiro culturalmente associado à inteligência humana no Extremo Oriente. Atualmente, os melhores programas de I.A. para jogos de tabuleiro simplesmente dispensam a interação com seres humanos, aprendem de forma autônoma e competem entre si. Esses programas apresentam desempenho “super-humano”, muito além das nossas habilidades. Cogito, ergo sum.
Mas o progresso da I.A. vai muito além dos desafios lógicos. Todas as montadoras (associadas a grandes empresas de tecnologia) hoje investem nos veículos autônomos; a indústria farmacêutica aderiu à aprendizagem de máquina e à ciência de dados para desenvolvimento de medicamentos; o setor bancário hoje é denominado fintech, e quem não for fintech, dizem, simplesmente estará fora do mercado. Estamos provavelmente vivendo um momento análogo ao surgimento da web, que revolucionou as relações sociais, culturais e econômicas. Desta vez, estima-se que o impacto da I.A. sobre a humanidade, em todas as áreas, será ainda maior do que o surgimento da web.
O progresso e impacto econômico, social, cultural e político tem sido tão espetacular que mais de 30 países já têm estratégias e políticas nacionais de I.A. Se no passado havia políticas industriais, hoje temos a urgência das políticas de I.A. Os países líderes na área – EUA, China, Reino Unido, Canadá e Israel – têm agendas de longo prazo. Os Emirados Árabes Unidos estabeleceram o Ministério da Inteligência Artificial. Em março deste ano, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou plano de 1,5 bilhão de euros, dizendo não querer formar talentos que emigrem para os polos de I.A. Agora em novembro, a Alemanha apresentou sua estratégia nacional, com um investimento de 3 bilhões de euros.
Morto recentemente, Stephen Hawking temia pelo futuro da humanidade na sociedade da I.A.; Bill Gates, no entanto, acredita que a I.A. nos permitirá fazer mais com menos. Sejamos otimistas. Turing concluiu seu artigo pioneiro sobre inteligência de máquina afirmando que enxergava uma curta distância à sua frente, mas que havia muito por fazer. A história recente mostra que há muito a fazer e que Turing estava certo. Mas não sabemos ainda o quanto caberá, a nós, humanos, ou se a I.A. fará pela humanidade.