Um grupo de profissionais de tecnologia do Vale do Silício, na Califórnia, que foram os primeiros funcionários do Facebook e do Google está se unindo para desafiar as empresas que ajudaram a construir, preocupados com os efeitos negativos das redes sociais e smartphones.
O grupo está juntando especialistas que partilham a mesma preocupação em uma organização chamada Centro de Tecnologia Humana. Em parceria com o Common Sense Media, uma organização sem fins lucrativos que fiscaliza a mídia, também planeja fazer lobby antitecnologia e lançar uma campanha publicitária em 55 mil escolas públicas nos Estados Unidos.
A campanha, intitulada The Truth About Tech (a verdade sobre a tecnologia, em tradução livre), terá um custo de US$ 7 milhões, financiados pelo Common Sense e pelo Center for Humane Technology. O Common Sense obteve ainda US$ 50 milhões em compra de espaço e tempo de TV de parceiros, incluindo Comcast e DirecTV. O objetivo é educar alunos, pais e professores sobre os perigos da tecnologia, incluindo a depressão que pode resultar do uso intensivo das redes sociais.
— Estávamos do lado de dentro. Sabemos o que as empresas medem. Sabemos como eles falam, e sabemos como funciona a engenharia — disse Tristan Harris, ex-funcionário do Google encarregado de questões éticas e que lidera o novo grupo.
O efeito da tecnologia, especialmente em mentes jovens, tem sido muito debatido nos últimos meses. Em janeiro, dois grandes investidores de Wall Street pediram à Apple que estudasse os efeitos de seus produtos sobre a saúde e criasse formas de facilitar a limitação do uso de iPhones e iPads pelas crianças. Pediatras e especialistas em saúde mental pediram no início de fevereiro que o Facebook abandonasse um serviço de mensagens que a empresa havia criado para crianças de até seis anos. Grupos de pais também se preocupam com o YouTube Kids, um produto destinado a crianças que às vezes apresenta conteúdo perturbador.
— Os maiores supercomputadores do mundo estão dentro de duas empresas, Google e Facebook, e para onde estão apontados? Estão apontados para o cérebro das pessoas, para crianças — disse Harris.
Por anos, os executivos do Vale do Silício mostravam que suas empresas eram como famílias muito unidas e raramente reclamavam uns dos outros em público. Isso mudou. Chamath Palihapitiya, capitalista de risco que foi funcionário do Facebook no começo da empresa disse em novembro que a rede social estava "rasgando o tecido social do funcionamento da sociedade".
O novo Center for Humane Technology inclui uma aliança sem precedentes de ex-funcionários de algumas das maiores empresas de tecnologia da atualidade. Além de Harris, o centro inclui Sandy Parakilas, ex-gerente de operações do Facebook; Lynn Fox, ex-executiva de comunicações da Apple e do Google; Dave Morin, ex-executivo do Facebook; Justin Rosenstein, que criou o botão "Curtir" do Facebook e é cofundador da Asana; Roger McNamee, um dos primeiros investidores no Facebook; e Renée DiResta, tecnológa que estuda bots.
O grupo espera que seus números cresçam. Seu primeiro projeto para transformar a indústria será o lançamento de um registro de danos – um site que irá orientar engenheiros que estão preocupados com o que está sendo pedido que construam. O site incluirá dados sobre os efeitos de diferentes tecnologias sobre a saúde e formas de tornar os produtos mais saudáveis.
Jim Steyer, executivo-chefe e fundador da Common Sense, disse que a campanha Truth About Tech foi inspirada em anúncios antitabagismo e focada em crianças devido à sua vulnerabilidade. Isso pode influenciar os executivos-chefes da indústria da tecnologia a mudar, disse ele. O executivo-chefe da Apple, Tim Cook, disse ao jornal The Guardian em janeiro que não deixa seu sobrinho usar as redes sociais; e Sean Parker, investidor do Facebook, também disse recentemente que "só Deus sabe o que (a rede social) está fazendo aos cérebros dos nossos filhos".
Steyer disse que "dá pra ver um grau de hipocrisia nesses caras do Vale do Silício".
Novo grupo planeja ainda fazer lobby por leis que restrinjam o poder das grandes empresas de tecnologia. Inicialmente, irá se concentrar em dois projetos de lei: um que será apresentado pelo senador democrata Edward J. Markey, de Massachusetts, para encomendar pesquisas sobre o impacto da tecnologia na saúde das crianças e outro na Califórnia, do senador democrata Bob Hertzberg, que proibir o uso de bots digitais sem identificação.
McNamee conta que se juntou ao Center for Humane Technology porque ficou horrorizado com o que ajudou a criar como investidor do Facebook.
— O Facebook apela para o seu cérebro primordial – principalmente para o medo e raiva. E com smartphones, eles te dominam o tempo todo.
Ele disse que as pessoas que fazem esses produtos poderiam pará-los antes que causassem mais danos.
— Esta é uma oportunidade para eu corrigir um erro — disse McNamee.
Por Nellie Bowles