Por Marco Konopacki
Cientista político, coordenador de Projetos do Instituto de Tecnologia e Sociedade do RJ
A decisão da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) de acabar com a neutralidade de rede nos Estados Unidos provocou muitos questionamentos sobre o futuro da internet. Em primeiro lugar, é importante entender que a mudança da regra, nos EUA, não necessariamente será seguida ao redor do mundo. A neutralidade de rede não acabou, e o Brasil é uma referência importante para se colocarem alternativas regulatórias que podem inspirar outros países.
Explicar neutralidade de rede parece difícil, por isso o tema costuma atrair pouca atenção, mas não se engane: esse é o princípio que ajuda a manter a internet como ela foi concebida. Quando não há neutralidade da rede, os provedores de serviços de internet têm liberdade para bloquear conteúdos, reduzir a capacidade de carregamento de vídeos e músicas em serviços de streaming e ajudar empresas parceiras carregando seus sites e conteúdos com mais velocidade. Nasce disso uma internet mais centralizada e excludente.
A alegação oficial das empresas de telecomunicação para acabar com as regras de neutralidade é que elas precisam gerar novos modelos de negócio para tornar o setor mais atrativo para investimentos e para que haja incentivos à expansão e melhoria da rede existente. Um sintoma desse movimento no Brasil foi sentido quando operadoras de internet fixa no Brasil tentaram mudar a forma de cobrança de internet de velocidade para pacote de dados, ou seja, usar o mesmo formato que é utilizado pelas empresas de telefonia móvel. É justo que as empresas queiram aumentar o retorno sobre o seu investimento em infraestrutura, contudo, é preciso pensar em como o ambiente regulatório garante a função social da internet.
O Marco Civil da Internet (lei 12.965 de 23 de abril de 2014) estabeleceu que o acesso à internet é uma garantia fundamental para o exercício da cidadania. Se pensarmos em uma sociedade cada vez mais conectada, na qual a exclusão digital pode aprofundar diferenças sociais já existentes, é importante criar meios para garantir um ambiente de direitos equitativos para a conexão. Por isso, a neutralidade da rede deve ser garantida como princípio universal. A inclusão desse princípio dentro do Marco Civil da Internet foi uma vitória sem precedentes, e hoje compõe o rol de elementos necessários para entendermos a internet como um direito humano fundamental. Extinguir a neutralidade da rede é uma forma de cercear esses direitos.