Quando deixou a casa onde criou os filhos no bairro Mathias Velho, em Canoas, na madrugada de 4 de maio, Maria*, 60 anos, pensou que iria submergir junto de tudo que havia reunido durante a vida. Precisava espichar o corpo o máximo que podia para manter a cabeça fora da água, que já passava da altura do pescoço. Ao lado do marido e do filho, foi resgatada num barco. A madrugada de terror deixou traumas e levou móveis, eletrodomésticos, roupas e até o carro da família.
Decidida a recomeçar, Maria reuniu as economias que juntou durante décadas trabalhando em indústrias da Região Metropolitana. Recebeu auxílio de familiares e passou a guardar na conta bancária todo dinheiro que entrava dos trabalhos como diarista e cuidadora de idosos. No último dia 25 de setembro, em apenas uma hora, viu o valor evaporar. A idosa foi enganada por estelionatários e se tornou vítima do golpe da falsa central bancária.
— Me sinto assaltada, culpada. É uma dor tão grande. Um dinheiro que a gente trabalhou tanto para juntar. Perdemos tudo — desespera-se e leva as mãos ao rosto.
Depois de se tornar vítima do golpe, Maria tem medo de atender o celular e não consegue permanecer sozinha. Foi por meio de uma ligação pelo WhatsApp que o golpista repassou todas as orientações para que ela fizesse as transações. Quando o telefone tocou, do outro lado da ligação, o criminoso se identificou como gerente da Caixa Econômica Federal.
— Não tive dúvidas. Ele passou meus dados, meu nome, meu CPF, o número da minha conta. A forma de falar, todo educado — relembra a vítima.
O falso gerente alegou que havia uma pessoa tentando retirar R$ 30 mil da conta da idosa. Assustada, ela concordou que a operação fosse bloqueada. Era tudo parte da trapaça. Maria foi convencida a fazer duas transferências de R$ 30 mil, uma de R$ 10 mil e outro pagamento de boleto no valor de mais R$ 10 mil. Somente após desligar o telefone, é que conversou com a nora, que lhe alertou sobre o que havia acontecido.
— Ela disse: “Tu caiu num golpe”. Fiquei louca, doente. Desmaiei. Um dinheiro tão trabalhado. Não quero que ninguém passe por isso — desabafa.
No dia seguinte ao golpe, a idosa recebeu nova ligação por WhatsApp. Dessa vez, a alegação era de que os valores poderiam ser devolvidas para a conta dela, caso seguisse novamente as orientações. A vítima decidiu gravar a ligação. Nela, é possível ouvir um homem que se identifica como gerente do banco, e que insiste para que ela siga as instruções.
— Ele alegava que queria seguir com o procedimento iniciado no dia anterior. Foi totalmente nos induzindo para finalizar o que tinha de restante de dinheiro. Foram tentando se passando por gerente para zerar de vez a conta — relata um dos filhos da vítima.
A família fez contato com o banco, para tentar reaver o valor, ainda sem sucesso, e registrou o fato na Polícia Civil de Canoas, que investiga o caso.
Zero Hora entrou em contato com a Caixa Econômica Federal, que afirmou que "prestou os esclarecimentos e orientações necessárias à cliente" (leia nota abaixo).
Abalo psicológico
Em razão do trauma, Maria está passando por acompanhamento psicológico. Ela ainda tem vergonha de compartilhar o que aconteceu com parte dos familiares.
É muito triste, estou doente. Não consigo dormir direito de noite. Tenho que estar sempre tomando calmante. A todo instante vem aquela voz dele no meu ouvido. Falando para mim fazer. É muito triste. Muito difícil. Eles me tiraram a alegria de viver.
Ao mesmo tempo, a família ainda não sabe como será o futuro. Desde que a casa deles ficou submersa ao longo de 40 dias, precisaram se abrigar na moradia de familiares. Estão em um local improvisado, aguardando quando poderão reconstruir a casa. A residência teve a estrutura afetada pelas águas.
— Saí de casa com água no pescoço. Achei que ia morrer. Sou baixinha e meus pés não alcançavam mais no chão. A família se reuniu, cada um deu um pouco e eu ia colocando na poupança, para a gente reconstruir. Cada pouquinho que entrava, eu colocava. Tudo que a gente tem hoje, usa, é de doação. Ainda bem que a gente encontrou pessoas boas que nos ajudaram. Agora sinto como se estivesse vivendo outra enchente — diz a idosa.
Esse dinheiro é suado, da vida inteira. Era o único dinheirinho que a gente ia usar para eles arrumarem a casa, para poder reconstruir depois da enchente. Destrói com uma família um golpe desses. É horrível mesmo.
Vítimas em todo o país
Na semana passada, a Polícia Civil de Canoas desencadeou, em conjunto com a polícia paulista, uma operação em São Paulo. Os alvos são suspeitos de integrarem uma quadrilha especializada nesse tipo de golpe. Uma das vítimas também era de Canoas, e perdeu R$ 55 mil. Foram cumpridos 11 mandados de prisão.
Para enganar as vítimas, os criminosos faziam uso de robôs digitais, que permitiam, inclusive, alterar a voz para forjar ser o gerente do banco. Segundo a polícia, esse foi um dos motivos que levou a vítima de Canoas a acreditar que realmente estava conversando com a equipe do banco onde possuía conta. Além disso, os golpistas usavam o spoofing, uma técnica empregada por cibercriminosos para falsificar o número de telefone de uma ligação.
Titular da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, a delegada Luciane Bertoletti coordenou a operação e também investiga o caso da idosa.
— Todo mundo tem o estelionato digital como não grave, de médio potencial ofensivo, porque não é praticado com violência nem grave ameaça. Ele pode não ter uma violência física, mas a violência psicológica, o sofrimento da vítima. Muitas vezes as pessoas perdem todas suas economias. Pessoas que trabalharam a vida inteira. Isso deixa uma marca que realmente é difícil de se recuperar. O nosso legislativo tem que olhar melhor para esse tipo de crime que só aumenta no país — afirma a delegada.
Segundo a polícia, o mesmo grupo fez vítimas em outras cidades do Rio Grande do Sul, especialmente médicos e dentistas. Na investigação em São Paulo, a Polícia Civil identificou que os criminosos tinham acesso a dados do cadastro de profissionais que atendiam um plano de saúde.
A polícia paulista identificou centenas de vítimas do mesmo grupo criminoso. Mas as apreensões realizadas numa falsa central indicam que esse número pode chegar a 7 mil pessoas ludibriadas.
* O nome usado na reportagem é fictício, para preservar a vítima.
Como se proteger
- Ligações recebidas pelos clientes solicitando qualquer documento, senhas, dados cadastrais, estornos ou a realização de transferências não são práticas das instituições financeiras, portanto, os clientes não devem repassar informações ou efetuar operações sob orientação desse tipo de contato.
- Nunca realize ligações para números de telefone 0800 recebidos por SMS ou outras mensagens. Ligue sempre para o número da central de atendimento do seu banco ou para seu gerente.
- Os bancos nunca ligam para pedir aos clientes que façam transferências ou Pix ou qualquer tipo de pagamento.
- Se receber esse tipo de ligação, desconfie na hora. Desligue e entre em contato com a instituição pelos canais oficiais, de preferência de outro telefone, para saber se algo aconteceu mesmo com sua conta. Ou vá pessoalmente na agência bancária.
- Se sofrer algum tipo de golpe, vá direto à delegacia mais próxima para registrar a ocorrência. Uma das medidas possíveis é o bloqueio das contas bancárias. Quanto mais demorado for o registro, mais difícil é de a investigação conseguir localizar os valores nas contas dos golpistas.
Fonte: Febraban e Polícia Civil
O que diz a Caixa
Procurada, a Caixa enviou a seguinte nota:
A CAIXA informa que prestou os esclarecimentos e orientações necessárias à cliente. Em respeito ao sigilo bancário, as informações são passadas somente à cliente.
O banco monitora seus produtos e serviços e atua em conjunto aos órgãos de segurança pública nas investigações e operações que combatem fraudes e golpes. Com o objetivo de prevenir tais ocorrências, a CAIXA realiza constantemente ações de orientação e esclarecimentos a seus clientes por meio de seus canais de atendimento, sítio eletrônico e redes sociais.
A CAIXA utiliza os mais modernos recursos para garantir a segurança de suas transações bancárias, porém podem ocorrer tentativas de golpe. Nestes casos, os clientes devem entrar em contato com sua agência ou ligar para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) no 0800 726 0101, informando o maior número possível de dados, para que as devidas providências sejam tomadas.
Adicionalmente, o cliente deve estar atento a qualquer atividade e situação não usual e, principalmente, não clicar em links recebidos por SMS, WhatsApp ou redes sociais para acesso a contas e valores a receber. A CAIXA não liga, envia e-mail, SMS ou WhatsApp solicitando atualização de dados cadastrais. Informações sobre os serviços do banco devem ser consultadas exclusivamente nos canais oficiais, jamais compartilhando dados pessoais, usuário de login e senha, que são pessoais e intransferíveis.
O banco destaca os principais cuidados que devem ser observados:
✅ A CAIXA não entra em contato solicitando a sua senha;
✅ Fique atento, golpistas se passam por parentes e conhecidos pedindo transferência de valores. Desconfie!
✅ Desconfie de informações alarmistas e sensacionalistas e de “oportunidades imperdíveis”;
✅ A CAIXA não solicita ao cliente o desbloqueio ou cadastramento de novos dispositivos móveis (celulares).
✅ A CAIXA não envia links para atualização cadastral, desbloqueio de contas ou cadastramento de chave Pix.
✅ Links suspeitos podem levar à instalação de programas espiões, que podem ficar ocultos no celular ou computador, coletando informações de navegação e dados do usuário.
✅ Utilize exclusivamente os canais oficiais do banco para buscar informações e acesso aos serviços, jamais compartilhando dados pessoais, login de usuário e senha;
✅ A CAIXA não realiza ligações telefônicas solicitando a instalação de aplicativos e orienta seus clientes que não insiram usuário ou senha de acesso em sites e aplicativos que não sejam desenvolvidos pela CAIXA. É importante observar que todos os aplicativos da CAIXA disponíveis nas lojas do sistema Android, iOS e Windows Phone possuem como desenvolvedor a Caixa Econômica Federal.
Em caso de movimentação não reconhecida pelo cliente, é possível realizar pedido de contestação em uma das agências do banco, portando CPF e documento de identificação. As contestações são analisadas, de forma individualizada e considerando os detalhes de cada caso e, para os casos considerados procedentes, o valor é ressarcido.
Mais informações de segurança podem ser consultadas no endereço https://www.caixa.gov.br/seguranca/.
Para maiores esclarecimentos os clientes podem ligar na Ouvidoria 0800 725 7474, WhatsApp 0800 104 0 104 ou comparecer a qualquer uma das agências da CAIXA.