Um consórcio entre duas facções criminosas, uma paulista e outra gaúcha, deu origem ao maior assalto já realizado no Rio Grande do Sul, o roubo de R$ 30 milhões de um avião-pagador no aeroporto Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul. Uma das novidades do caso é que parte dos quadrilheiros atuou em 15 outros grandes ataques a transportes de valores, caracterizados por tomadas de reféns, uso de armas de guerra, corte de comunicações, domínio de setores de cidades e tiroteio com policiais (com mortes de alguns agentes da lei). O detalhamento dessa investigação foi feito pela PF na tarde desta segunda-feira (2).
O ataque ocorreu em 19 de junho e, desde então, uma força-tarefa comandada pela Polícia Federal conseguiu identificar 19 envolvidos. Dois deles foram mortos em confronto e os demais, indiciados pelo crime.
Os assaltos dos quais participaram alguns dos ladrões envolvidos no ataque em Caxias do Sul ocorreram em cidades como Guarapuava (PR, roubo de uma transportadora, com morte de um PM), Campinas e Guarulhos (SP, ataques a carros-fortes em aeroportos), Ribeirão Preto, Campinas, Santos, Uberaba (SP e MG, uma transportadora de valores). Há suspeita de que alguns tenham atuado também em um grande roubo ocorrido em Ciudad del Este (Paraguai). Outros teriam atuado em ataques a blindados em território gaúcho, como um caso em Vacaria.
Os policiais não deram detalhes a respeito, mas a reportagem apurou que a investigação começou com a identificação de um assaltante morto por vigilantes em troca de tiros ainda na saída do aeroporto, com o qual foram recuperados R$ 15 milhões. O assaltante morto, Sílvio Wilton da Costa, o Bin Laden, era membro batizado do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista que é a maior do país. Já no dia seguinte, outros dois envolvidos no assalto em Caxias do Sul foram presos quando tentavam chegar a São Paulo: Adriano Pereira de Souza, o Cigano, e Vinícius Araújo de Melo, ambos do PCC. Ficou claro que a organização tinha planejado o ataque.
Nos dias subsequentes foram presos outros assaltantes, a partir de rastreamento de placas de carros e telefones. Entre eles, Luís Felipe de Jesus Brum, capturado em Torres e suspeito de envolvimento com a facção gaúcha Bala na Cara, a maior de Porto Alegre. Não foi o único. Outros dois bandidos foram localizados nas semanas seguintes: Diego Moacir Jung, o Dieguinho, preso por policiais gaúchos, e Guilherme Costa Ambrózio, morto em troca de tiros com policiais civis paulistas. Os dois tinham notória ligação com os Bala na Cara e foram presos, em algumas ocasiões, com integrantes do PCC. Estava estabelecida a conexão entre as duas facções.
A PF acredita que a organização paulista recebeu a dica do transporte de valores, enviou alguns integrantes para o Rio Grande do Sul e recrutou bandidos gaúchos, ligados à facção porto-alegrense. Isso porque necessitavam de voluntários para o assalto e, também, de apoio logístico, que foi prestado via criminosos que auxiliaram nas fugas por estradas vicinais e donos de sítios que alugaram suas propriedades como esconderijo.
A escolha de Caxias do Sul se deu porque é o local com maior movimentação de valores via aérea, após o fechamento do aeroporto de Porto Alegre em decorrência da enchente. O assalto começou a ser viabilizado 10 dias antes, em São Paulo, após o recrutamento de bandidos daquele Estado e também do Rio Grande do Sul. A primeira ideia era roubar uma aeronave carregada com R$ 10 milhões, dia 13 de junho. O ataque foi adiado até dia 19, talvez porque a quadrilha tenha descoberto que outra aeronave levaria, naquele dia, valor três vezes maior, R$ 30 milhões.
Alguns fatos apurados pela reportagem:
Equipes compartimentadas
Alguns criminosos concretizaram o assalto (pelo menos cinco dos identificados). Outros trabalharam como motoristas para a fuga após o crime. Um terceiro grupo viabilizou esconderijos.
Nem todos se conheciam
Os indícios são de que alguns foram apresentados apenas no dia do assalto.
Fuga em várias direções
Parte dos criminosos, após o ataque, buscou estradas vicinais para retornar a Caxias do Sul, pegar a Rota do Sol e sair do Estado via Santa Catarina (tanto que um veículo usado pelos quadrilheiros foi interceptado em Juquitiba, São Paulo. Outros foram direto pela BR-101 até o Litoral.
Esconderijos usados
Ficam em áreas rurais, mais difíceis de rastrear e menos povoadas. Um dos donos de sítio teria providenciado colchões, cobertores e roupas para os fugitivos, em cabanas numa mata entre Riozinho e Rolante (próximo à RS-239, que liga essas cidades ao litoral). Outro, um assaltante com 48 anos de reclusão por cumprir, preso agora, tem familiares com uma propriedade rural entre as cidades de Feliz e Caxias do Sul, que também teria sido usada para pouso pelos bandidos.
Eliminação de provas
Os bandidos queimaram celulares usados no assalto e borrifaram com pó de extintor de incêndio a casa em Riozinho onde a quadrilha se escondeu. Tudo para esconder as impressões digitais. No sítio, foram encontrados adesivos da PF, giroflex (sinalizadores luminosos usados em viaturas policiais), luvas, 10 colchões e comida. Mesmo com a queima dos celulares, foi possível rastrear onde foram usados e os números com os quais se comunicaram. Isso resultou em provas suficientes para colocar alguns dos envolvidos na cadeia.
E quanto foi recuperado do dinheiro? Cerca de R$ 77 em espécie e cerca de R$ 17 mil em joias. Os policiais apreenderam também 26 veículos com os indiciados e pediram confisco de quatro imóveis usados como esconderijo.
É ignorado o destino da maior parte dos R$ 15 milhões levados pelo bando. Os policiais ressaltam que as armas encontradas com o assaltante morto pela Polícia Civil em São Paulo (Guilherme Costa Ambrózio, foragido e condenado a dezenas de anos) custam centenas de milhares de reais. É o caso de dois fuzis calibre .50, armas de guerra usadas para perfurar carros-fortes. Cada um deles é comercializado, no submundo, por valores que vão de R$ 50 mil a R$ 100 mil. Outras armas já apreendidas somam pelo menos R$ 200 mil.
A PF, a Polícia Rodoviária Federal, a Brigada Militar e PMs de diversos Estados foram mobilizados para localizar veículos usados na fuga da quadrilha e tiveram sucesso. Até por isso, na entrevista coletiva para anunciar os resultados conseguidos até agora, se pronunciaram integrantes da BM, da PRF e da PF.
O superintendente da PF no Rio Grande do Sul, delegado Aldronei Rodrigues, ressaltou a intensa troca de informações que resultou nas prisões. Já o secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Sandro Caron, alertou:
— Precisávamos dar uma resposta dura, já que esses quadrilheiros cometeram o erro de vir ao Rio Grande do Sul. E o recado está dado: não vamos aceitar acinte de bandido.