Após a Justiça Comum aceitar a denúncia do Ministério Público contra quatro policiais militares pelo assassinato de Vladimir Abreu de Oliveira, a Justiça Militar se declarou a competente para julgar o caso. O conflito entre as duas esferas envolve um entendimento divergente sobre a natureza do crime e deve ser antes analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Um despacho publicado nesta sexta-feira (2) pela juíza militar Dione Dorneles Silva provocou o STJ a analisar o caso. O entendimento da auditoria militar é de que os quatro policiais tinham a intenção de torturar, mas não de matar Vladimir. Nesta situação, por não ser um homicídio doloso, o processo não deveria correr na Vara do Júri.
"Urge seja o juízo da Justiça Militar ser declarado competente, já que não se trata de crime doloso contra a vida, sendo a adequação típica adequada a de tortura qualificada pela morte", citou a juíza, que ainda completou:
"Todos os elementos indicam tratar-se de crime preterdolo, com dolo na conduta antecedente (tortura) e culpa na consequente (morte), admitindo-se, aqui, a forte possibilidade de culpa consciente, em que os agentes, preveem o resultado, mas (talvez, por excesso de autoconfiança) acreditam que podem evitá-lo".
Já o entendimento do Ministério Público – e acatado pela Justiça Comum – é de que os PMs tinham a intenção de matar Vladimir e depois tentaram ocultar o corpo jogando da ponte do Guaíba.
A juíza Anna Alice da Rosa Schuch, ao aceitar a denúncia na quarta-feira (31), reforçou que os quatro policiais réus tinham a intenção de matar Vladimir e havia descartado o conflito de competência.
"Entendo não ser o caso deste Juízo suscitar conflito de competência, uma vez que não há denúncia ofertada perante aquele juízo (Justiça Militar), no qual, aliás, o Ministério Público, titular da ação penal, já se manifestou expressamente pela competência desta Vara do Júri", escreveu a magistrada.
Neste mesmo despacho, a juíza decretou a prisão preventiva de dois dos quatro policiais denunciados. O sargento Felipe Adolpho Luiz e o soldado Lucas da Silva Peixoto estavam presos por determinação da Justiça Militar, que revogou a prisão nesta sexta (2) por excesso de prazo. No entanto, ambos permanecem detidos pela determinação da Vara do Júri.
Contrapontos
O que diz a defesa do sargento Felipe Adolpho Luiz e do soldado Lucas da Silva Peixoto
O advogado Maurício Adami Custódio enviou a seguinte nota na segunda-feira (29), quando o MP ofereceu denúncia:
“A defesa de Felipe e Lucas desde sempre discute a competência da Justiça Militar. Embora o teor da denúncia do MP seja examinado em outro momento, é possível compreender, ao menos nesta primeira análise, que houve precipitação na prisão preventiva deles lá atrás. Isso é fato, eles estão presos desnecessariamente e sem motivo concreto. Acerca dessa informação de um novo pedido de prisão, agora dirigido ao juízo comum, há na Lei um dispositivo que autoriza o Juiz ouvir a defesa antes de decidir sobre ele. Por isso, em existindo esse pedido, vamos nos manifestar contrário a ele produzindo provas de que a liberdade de Felipe e Lucas nunca pôs em risco as investigações. E mais uma vez, destacar que prender de maneira apressada, ignorando que a prisão é um recurso extremo, gera injustiças, igual estamos vendo. A pergunta mais importante é: depois de mais de sessenta dias de prisão dos nossos clientes por outra justiça, com a imprensa toda noticiando o caso e as pessoas com olhos atentos sobre ele, especialmente o controle externo inteiro dos mais altos escalões do Estado, qual risco estes dois homens impõem ao procedimento? Sinceramente, falamos de prisão preventiva ou de antecipação de culpa? E qual o valor da palavra de pessoas com interesse em incriminar outras? Qual o grau de confiança e checagem destes relatos que levou a prisão dos nossos clientes e nada se fez, anteriormente, aos demais? No mais, estamos certos que o caso tomou uma guinada que caberá às CORTES SUPERIORES intervir, não porque o fato não deva ser examinado pela Vara do Júri, cuja Constituição é clara, mas porque existe um conflito desnecessário pela Jurisdição que à toda evidência não é competente para julgar e processar o caso”.