Assim que soube que Paulo César Nechel, 56 anos, havia escapado da Cadeia Pública de Porto Alegre (antigo Presídio Central), uma moradora da zona sul da Capital reviveu os traumas de mais de uma década. A mulher, de 49 anos, é uma da série de vítimas do preso, condenado por estupros, sequestros relâmpagos e roubos. Na noite desta segunda-feira (26), ele foi recapturado pela Brigada Militar.
"Chorei. Fiquei muito mal. Não desejo para nenhuma mulher passar o que eu passei. Ele te bota um terror, que tu acha que vai morrer."
VÍTIMA
Seu ímpeto seguinte foi alertar as amigas, temendo que elas se tornassem novas vítimas. Enviou em grupos de conversas mensagens sobre a fuga, com orientações que acredita que poderiam ajudar a protegê-las. O caso dela aconteceu em 2010, quando deixava um supermercado na zona sul de Porto Alegre. O criminoso estava dentro do estabelecimento e a acompanhou até a saída, sem que ela desconfiasse.
— Saiu do mercado do meu lado. Quando fui entrar no carro, me calçou. Disse: “Me tira daqui. Os caras estão atrás de mim”. Ficava o tempo todo me atormentando, dizendo que estava ligando para um comparsa dele. “Se fizer qualquer coisa eu te mato aqui”. O tempo inteiro essa pressão — recorda.
No trajeto, ao passar próximo de policiais militares, a mulher foi novamente ameaçada de morte, caso tentasse pedir ajuda. Durante o ataque, ela pensou que ele estava armado, mas, mais tarde, soube que ele usava somente o cano da arma, escondido na jaqueta, para amedrontar as vítimas.
Por cerca de duas horas, a mulher ficou em poder do criminoso, que lhe obrigou inicialmente a dirigir até um ponto afastado, onde houve a violência sexual. Depois disso, o homem retornou com a mulher até a Zona Sul, dirigindo o veículo da vítima, de quem ainda roubou R$ 200. Ele ingressou novamente num supermercado e fugiu em um táxi.
Novos ataques
Em setembro daquele ano, ele foi preso, por suspeita de atacar outras mulheres. Em março de 2019, progrediu ao regime semiaberto e foi apontado como responsável por atacar outras vítimas, também na saída de supermercados. Em outubro de 2019, foi preso pela Brigada Militar em Balneário Pinhal, no Litoral Norte. Ele é apontado como responsável por quatro casos de violência sexual contra mulheres e por oito de sequestros seguidos de roubos e extorsões.
Segundo a Polícia Civil, o criminoso agia sempre da mesma forma. Atacava as vítimas no horário entre 11h e meio-dia, em estacionamentos de supermercados e hospitais. Após usar uma arma para abordar as mulheres dentro de veículos, ingressava nos carros, sentava-se no banco traseiro e mandava as condutoras irem até uma agência bancária. No local, as vítimas eram obrigadas a sacar quantias em dinheiro.
Depois, dirigiam até locais afastados e com pouco movimento, onde, conforme a investigação, ocorreriam os estupros — em áreas dos bairros Restinga e Lomba do Pinheiro.
Em 7 de outubro de 2019, uma jovem foi abordada dentro do próprio carro, no momento em que passava o tíquete na cancela do estacionamento de um supermercado, na Cidade Baixa. Assim como fez com a vítima anterior, após entrar no veículo, obrigou a mulher a seguir até a Estrada do Rincão, na Zona Sul, onde ocorreu o estupro. Neste caso, a jovem também foi obrigada a retirar dinheiro de um banco e entregar ao criminoso.
Depois disso, Nechel permaneceu preso, e foi encaminhado à Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan). Em 12 de junho de 2024, o juiz Geraldo Anastácio Brandeburski Júnior autorizou o pedido da casa prisional para que o apenado fosse deslocado para trabalho diário na Cadeia Pública de Porto Alegre, desde que com escolta. No local, que está em obras, trabalham cerca de 20 presos de diferentes unidades prisionais. Nechel iniciou o trabalho em 1º de julho.
Na última sexta-feira (23), o preso conseguiu escapar do local — em circunstâncias ainda não esclarecidas — e passou a circular pelas ruas da Capital. Ele foi flagrado por imagens de câmeras de segurança em diferentes pontos da cidade.
— Como deixam um cara desses fugir? Quando vi, fiquei apavorada. De novo. É uma coisa que a gente nunca mais esquece. Na hora que tu está na mão dele não sabe se vai ficar viva, se vai sobreviver. Te passa um filme na cabeça. São muitos traumas que ele me deixou. Não ando na rua a pé até hoje, não consigo — diz a vítima.
Na noite desta segunda-feira (26), foi preso pela BM no bairro Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, dentro de uma barraca improvisada.
Condenações
Segundo o Judiciário, o preso possui 77 anos, 10 meses e 25 dias de condenação. Desses, 22 anos, três meses e cinco dias já cumpridos. Ainda restam 55 anos, sete meses e 20 dias.
Zero Hora conseguiu identificar 10 condenações pelos crimes de roubo, sequestro, estupro e extorsão. Os casos ocorreram entre junho de 2004 e outubro de 2019.
O que diz a Susepe
Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), que responde pela administração da Cadeia Pública de Porto Alegre, as circunstâncias da fuga estão sendo apuradas. De acordo com órgão, "está em andamento um procedimento preliminar de investigação realizado pela Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário."
Por questão de segurança, a Susepe não informa se há imagens de câmeras no local.
A Susepe informou que "todas as medidas possíveis estão sendo adotadas para evitar que ocorra outro fato dessa natureza". Também por questão de segurança, "não é possível descrever quais são elas", informaram.
Agentes penitenciários deverão ser ouvidos pela Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário, mas o conteúdo dos depoimentos não será divulgado, segundo a Susepe.