A brasileira Katiuscia Torres Soares, mais conhecida como Kat Torres, 34 anos, foi condenada a oito anos de prisão por tráfico humano e trabalho análogo à escravidão. As informações são dos jornais O Globo e BBC News Brasil.
A decisão foi expedida pelo juiz da 10ª Vara Federal fluminense Marcelo Luzio Marques Araújo no dia 28 de junho, mas só foi divulgada no último sábado (13). Ela está presa no Brasil desde novembro de 2022.
Investigação
As investigações contra a "falsa guru" começaram em 2022, após duas jovens brasileiras que estavam nos EUA serem dadas como desaparecidas. Segundo O Globo, a única informação que as famílias tinham era de que elas estariam morando com Kat.
Por conta da repercussão, uma suposta vítima anterior de Kat e outras ex-clientes contataram agências de segurança, incluindo o FBI, para denunciar a influenciadora. As investigações teriam levado os policiais a encontrar perfis das mulheres desaparecidas em sites de prostituição, conforme a BBC.
Com o avanço do trabalho de investigação, a influenciadora fugiu com as vítimas para o Maine, cerca de três mil quilômetros do Texas, onde morava. Ao chegarem, as três mulheres prestaram depoimento em uma delegacia local. Os oficiais identificaram comportamentos que condiziam com os de vítimas de tráfico humano, como detalhado em uma reportagem especial da rede britânica.
Quem é Kat Torres
Kat é uma ex-modelo e influenciadora paraense, natural de Belém. Ainda na adolescência, se mudou para o Rio de Janeiro para tentar a carreira de modelo. No Exterior, fez trabalhos para Victoria's Secret, Gillette, L'Óreal e outras grifes.
Em 2017, Katiuscia resolveu tentar a carreira de autora, com a publicação do livro A Voz. Em entrevista para a Rede TV, na época, a influenciadora afirmou ter escrito a partir de uma voz que vivia em sua cabeça, além de dizer que era capaz de se comunicar com alienígenas, como mostra uma reportagem do Fantástico de novembro de 2022.
A partir disso, Kat passou a se definir como life coach. Ela criou um curso em que prometia evolução espiritual, sucesso nas finanças e em relacionamentos amorosos. As aulas serviram de isca para atrair possíveis vítimas.
Os crimes de Kat
De acordo com as vítimas, a coach as recrutava por meio das redes sociais para ir morar com ela nos Estados Unidos. Em um dos casos, chegou a comprar uma passagem de avião para que a vítima deixasse sua casa na Alemanha e fosse encontrá-la, citando pensamentos suicidas e pedindo ajuda, conforme o g1.
Uma das vítimas, identificada como Desirrê Freitas, disse que Kat a pressionou a trabalhar em um clube de striptease. Caso não aceitasse, a vítima teria que devolver o dinheiro gasto pela influenciadora com ela, como passagens aéreas, hospedagem, móveis para o quarto e até mesmo os custos de "rituais de bruxaria" supostamente feitos por Kat.
Desirrê detalhou a experiência e pelo o que foi submetida a fazer no livro @Searching Desirrê, publicado pela DISRUPTalks (2023). Como conta o g1, os policiais encontraram, posteriormente, os perfis das jovens em sites de prostituição.
Ao todo, são sete denúncias contra Katiuscia na Justiça Federal. O Ministério Público Federal destaca que Kat Torres cooptou Desirrê Freitas e a expôs a uma rotina degradante desde, pelo menos, o início de abril de 2022, até o dia 2 de novembro do mesmo ano. Segundo os relatos dos procuradores à BBC Brasil, Katiuscia aliciou, alojou e acolheu a suposta vítima, mediante fraude, com a finalidade de submetê-la a trabalho em condições análogas à escravidão.
Kat também é acusada de convencer outra jovem, Letícia Maia, que tinha 14 anos quando iniciou sessões de coaching com ela, a se mudar para os EUA para um programa de au pair (babá que mora na residência da família atendida). A jovem eventualmente se mudou para a casa de Kat e viveu experiências parecidas com as das outras vítimas.
Quem eram as vítimas
Letícia Maia, com 21 anos na época, e Desirrê Freitas, 26, foram as duas jovens responsáveis pelo início da investigação de Kat. Entretanto, outros casos vieram à tona, como o de uma mulher identificada apenas como Ana, também entrevistada pela BBC.
Em 2019, quando Kat Torres pediu que Ana se mudasse para sua casa em Nova York, para trabalhar como sua assistente, a jovem aceitou. Porém, ao chegar ao apartamento de Kat, Ana logo percebeu que as condições não correspondiam à perfeição exibida no Instagram. Ela também disse que a ex-modelo parecia incapaz de fazer até mesmo as coisas mais básicas sozinha, como tomar banho, porque aparentava não suportar ficar sem a companhia de alguém.
Para a BBC, Ana contou que tinha de estar constantemente à disposição de Kat, e só podia dormir algumas horas por vez. No lugar da cama, recebeu um sofá sujo com cheiro de urina de gato. Às vezes, a jovem se escondia na academia do prédio para dormir no colchonete de exercícios. Ela ainda diz que nunca foi paga.
As jovens também afirmaram que teriam sido proibidas de falar entre si e que precisavam da permissão de Kat para sair de seus quartos e até mesmo para usar o banheiro, além de serem obrigadas a entregar todo o dinheiro que recebiam. Mais de 20 mulheres relataram terem sido enganadas ou exploradas pela coach. Algumas continuam em tratamento psiquiátrico, segundo as investigações.
Próximos passos
O advogado de Kat, Rodrigo Menezes, disse à reportagem que recorreu da decisão. Tanto ele quanto Kat afirmam inocência.
Além do crime pelo qual foi condenada, Kat também é alvo de outra investigação em curso no Brasil. Esta seria baseada em denúncias de outras mulheres.