A Polícia Civil investiga um grupo criminoso por trás de um esquema de agiotagem em Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. Seis suspeitos foram presos nas últimas semanas. Entre as prisões estão as de duas pessoas apontadas como líderes do grupo: um pai de santo e uma ex-bancária que usava o codinome "Loira".
Segundo o delegado Gabriel Lourenço, substituto na 1º Delegacia de Polícia (1ª DP) de Sapucaia, o grupo atuava de maneira organizada, com setores e funções definidas. Agiotas ofereceriam empréstimos com altas taxas e, mesmo após o pagamento, continuariam cobrando das vítimas valores que diziam ser referentes a outros juros.
Para garantir o pagamento, capangas de uma facção ligada ao tráfico de drogas eram contratados para ameaçar e perseguir as vítimas, para extorquir o dinheiro delas, apurou a investigação.
As extorsões identificadas até agora aconteceram em Sapucaia do Sul, mas o delegado não descarta que o grupo possa ter feito vítimas em outros municípios.
A dupla presa
Duas figuras que apareceram diversas vezes durante as investigações foram presas na quinta-feira (11): uma mulher identificada como Loira e um pai de santo. Os nomes deles não foram divulgados.
O líder religioso foi preso em Alvorada, onde está localizada sua casa de religião. O homem é apontado como um dos encarregados de enviar as mensagens e ameaças às vítimas.
Já a mulher que usava o codinome Loira foi presa em Itajaí, Santa Catarina. Ela foi identificada como uma das principais articuladoras do grupo criminoso. Segundo a investigação da polícia, há relatos de que ela já teria trabalhado em um banco e colocava sua experiência com valores a serviço do grupo criminoso.
Além de emprestar seus conhecimentos técnicos, ela também fazia ameaças às vítimas. Conforme a polícia, a mulher costumava expor uma vida de luxo nas redes sociais: ostentava carros, joias, festas e bebidas caras.
Segundo o delegado Lourenço, ambos mantinham vidas duplas:
— Não tinham vínculo aparente com a criminalidade, mas nos bastidores atuavam principalmente com ameaças, indicando que os indivíduos da facção iriam realizar as cobranças de maneira violenta.
As investigações
No dia 27 de junho, a 1ª DP deflagrou a Operação Vulturis, que mirou a associação criminosa. Além de Sapucaia, a ação passou pelas cidades de Canoas, Esteio, Gravataí, Alvorada, São Leopoldo e Novo Hamburgo.
Foram cerca de 50 policiais civis, cumprindo 13 mandados de busca e apreensão e oito mandados de prisão preventiva. Na ação, foram apreendidos diversos aparelhos celulares, carregadores, munições e duas armas de fogo.
Quatro pessoas foram presas na ocasião, entre elas, membros que atuavam em diferentes funções do esquema: os que disponibilizavam os valores, os que realizavam as cobranças e os que perseguiam as vítimas. Os nomes destes investigados também não foram divulgados.
O trabalho policial se iniciou a partir da denúncia de uma vítima. Ela contou que pegou um empréstimo com um agiota de Sapucaia do Sul e que, mesmo pagando a dívida com juros, passou a viver um pesadelo: membros do grupo apareciam na casa dela e ela recebia no celular fotos de armas e vídeos que mostravam ela e seus familiares em sua rotina diária.
Parceria com traficantes
Nessas intimidações, o grupo contava com a participação de membros de uma facção criminosa com origem no Vale dos Sinos. O papel deles seria a cobrança dos valores e dos respectivos juros. O delegado conta que era um serviço contratado.
— Era como uma terceirização, para os outros membros não precisarem “sujar as mãos”. Eram eles (os integrantes da facção) que faziam o trabalho de campo, iam atrás das vítimas, seguiam elas — explica Gabriel Lourenço, que afirma que esta prática tem se tornado comum entre agiotas.
De acordo com o delegado, parte do lucro sustentava uma vida de luxo para os agiotas. Mas a maior parte do valor era destinada a pagar os serviços “terceirizados” junto ao tráfico.
Facções tem usado mecanismos como a agiotagem para capitalizar ainda mais valores para o tráfico. Às vezes eles mesmo fazem os empréstimos e em outras fazem só o trabalho da cobrança
GABRIEL LOURENÇO
Delegado
A suspeita é de que seria o tráfico que disponibilizaria os valores a serem emprestados. A polícia também investiga se os agiotas praticavam lavagem de dinheiro a partir dos ganhos. A investigação prossegue a fim de capturar suspeitos que seguem foragidos.
* Produção: Camila Mendes