A decisão da juíza Patrícia Pereira Tonet, da 2ª Vara Criminal de Canoas, de decretar as prisões preventivas de Dilson Alves da Silva Neto, o humorista Nego Di, e de seu então sócio Anderson Boneti, por casos de estelionato no ano de 2022, deu-se por dois motivos principais. Um deles é o fato de que, segundo o Ministério Público, eles teriam seguido “na prática criminosa” e o outro porque, no entendimento da magistrada, eles demonstravam ter recursos, que possibilitariam uma fuga.
No último domingo (12), Nego Di foi preso em Santa Catarina pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul. A prisão é relacionada a uma investigação aberta há cerca de dois anos, no qual o humorista é suspeito de ter vendido produtos de sua loja online, que não teriam sido entregues.
Dentro dessa investigação, o humorista prestou depoimento na época, no qual alegou ter sido vítima de estelionato praticado pelo sócio, que, segundo a versão dele, seria o verdadeiro proprietário da loja. O ex-BBB alegou ter sido contratado para fazer propaganda para a loja.
No entanto, no entendimento da Polícia Civil, o humorista tinha conhecimento dos casos de estelionato. A investigação perdurou por cerca de um ano e analisou o conteúdo de 73 vídeos e 370 ocorrências policiais por suspeita de estelionato. Em razão disso, em agosto de 2023, Nego Di foi indiciado junto com Boneti – que seria seu sócio na loja Tá di Zuera – pela polícia. Ao encaminhar o inquérito à Justiça, a polícia também pediu as prisões dos dois indiciados.
O processo que levou à decretação das prisões dos dois é relacionado a 16 casos de vítimas da cidade de Canoas – já que houve cisão em grupos de vítimas para facilitar o andamento na Justiça. Zero Hora questionou ao Tribunal de Justiça quantos processos os dois respondem pelos casos de estelionato e aguarda retorno.
Na decisão, a juíza considera que os fatos narrados pela acusação são “gravíssimos” e que “desbordam do estelionato usualmente visto nos processos que tramitam” na mesma Vara. “A quantidade de vítimas lesadas e valores auferidos ilicitamente são bem mais que reprováveis”, afirma a juíza, completando que os golpes foram cometidos “com participação de figura pública, que possui alcance amplíssimo na internet, em nível nacional, tanto que diversas vítimas sequer residem nesse Estado”.
Segundo o apurado, desde a criação até o encerramento das atividades da loja, foram movimentados R$ 5 milhões, sendo que as vítimas que registraram boletim de ocorrência somam prejuízo de R$ 330 mil.
“Evidências robustas”
A juíza explicou ainda que, embora o pedido de prisão dos investigados tenha sido encaminhado pela polícia em agosto de 2023, quando foi concluída a investigação, em razão da complexidade do caso a denúncia só foi apresentada meses depois. A decisão foi tomada pela magistrada na última sexta-feira (12), mesmo dia no qual Nego Di e sua companheira foram alvos de nova operação do Ministério Público em Santa Catarina.
Na decisão, a juíza ponderou o fato de que o humorista é alvo de nova investigação por lavagem de dinheiro e outros crimes, “culminando na apreensão de bens de luxo, arma, munição, e eletrônicos”. A magistrada apontou que “segundo informa o Ministério Público, mesmo após terem perpetrado centenas de estelionatos, sem qualquer ressarcimento às vítimas, os réus seguiram na prática criminosa, ainda que sob outra roupagem, auferindo lucros expressivos, que explicariam os diversos bens de luxo ostentados pelo representado Dilson nas redes sociais”.
Na decisão, a juíza complementa ainda, afirmando que “há indicativos de que os réus vêm fazendo de práticas criminosas seu meio de vida, havendo evidências robustas de reiteração criminosa por parte destes, gerando prejuízo a uma gama infindável de pessoas”. A juíza afirma que “os representados nunca encontraram freios a sua ganância, demonstrando total indiferença aos lesados”.
Ainda sobre Nego Di, a juíza aponta que a partir da operação realizada na sexta-feira pelo MP é possível concluir que o réu “dispõe de recursos para evadir-se, mais uma vez, do distrito da culpa”. Em relação a Boneti, a magistrada também apontou que “há evidências, especialmente na constatada vultuosa movimentação financeira, que Anderson igualmente disporia de recursos para esta mesma finalidade”.
“Manipular a opinião”
Na decisão, a Justiça considerou outros aspectos, como o fato de que Nego Di, segundo o Ministério Público, continua a publicar e veicular marcas de empresas “de idoneidade questionável”, como empréstimos “sem observância do Código de Defesa do Consumidor” e “jogos de azar que prometem ganhos estratosféricos”.
A magistrada analisa ainda um vídeo publicado pelo humorista nas redes sociais, que considera como uma tentativa de manipular a opinião dos seguidores, antecipando-se a uma possível responsabilização. No vídeo, o humorista afirmou que “Se me prenderem eu passo a Juliette em seguidores. A publi (publicidade) vai ficar mais cara, vou comprar uma Ferrari e uma casa maior… Vou lançar filme, documentário…”.
Em relação a Boneti, a Justiça também considerou o fato de que ele é apontado em outro caso, envolvendo prejuízo milionário a uma empresa e que chegou a ser preso por estelionato, na Paraíba. Atualmente, Boneti se encontra foragido. Zero Hora tenta contato com a defesa do réu. O espaço está aberto para manifestação.
Vítimas seguem no prejuízo
Dois anos após perder mais de R$ 7 mil em compras que nunca foram entregues pela Tá Di Zuera, o porteiro Tailson Antunes, 34 anos, evita relembrar do trauma vivido à época. Na ocasião, ele e a mãe compraram três aparelhos de ar-condicionado, dois de 18 mil btus, por R$ 999 cada, e um de 9 mil btus, por R$ 599. Além disso, ainda decidiu comprar duas televisões, uma por R$ 2.190 e outra por R$ 2.490 enquanto esperava pelos demais produtos. Até hoje, ele não recebeu os itens, nem recuperou o dinheiro.
— Na época, acabei até ficando doente. Não era só o meu dinheiro, eram as economias da minha mãe também. A gente acaba se culpando, porque fui eu quem mostrei para ela — lamenta.
Do mesmo modo, o morador de Cachoeirinha Fábio Santos Rosa, 42, só decidiu efetivar a compra de três aparelhos de ar-condicionado de 12 mil btus e quatro televisores de 65 polegadas, porque viu a propaganda de Nego Di. O prejuízo dele foi de R$ 11,1 mil, que até hoje não foram recuperados. Ele conta que já passou por duas audiências e que, em nenhuma delas o influenciador apareceu.
Só comprei pela credibilidade que ele passava por ser uma pessoa daqui. Nunca me passou pela cabeça que seria golpe. Hoje não confio em ninguém mais.
FÁBIO SANTOS ROSA, 42 ANOS.
Vítima
— Só comprei pela credibilidade que ele passava por ser uma pessoa daqui. Nunca me passou pela cabeça que seria golpe. Hoje não confio em ninguém mais. Não confio nem na minha própria sombra. Hoje, eu vendo a prisão, posso até não receber o dinheiro, mas estou com a alma lavada. Ele tem que pagar pelo que ele fez — diz Fábio.
Outra investigação
Segundo o chefe da Polícia Civil, durante a investigação sobre os casos de estelionatos envolvendo a venda de produtos, foram apurados elementos que indicam que o humorista tinha conhecimento dos golpes.
— Tem conversas dele com o parceiro, tem elementos que a gente não tem como abrir tudo agora. Vai ser discutido na justiça. Mas tem conversas entre pessoas, vídeos analisados. São questões muito delicadas, muito claras, que para nós não nos deixou dúvidas dessa questão. Da nossa parte da PC, a investigação aponta para essa direção. Não nos deixa muita dúvida de que ele estava articulado junto com o Anderson. O Anderson é o sujeito que detém a expertise cibernética, digamos assim — afirma.
Ainda segundo o chefe da Polícia Civil, Nego Di segue sendo investigado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), por divulgação de notícias falsas durante as inundações. Em maio deste ano, a juíza Fernanda Ajnhorn, do plantão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinou em decisão liminar que a Meta, responsável por Facebook e Instagram, exclua publicações que questionam, sem provas, a atuação do Estado em ações de socorro às vítimas da tragédia climática. A magistrada atendeu a um pedido apresentado pelo MP.
Na última sexta-feira, mesma data da nova operação do MP, o perfil de Nego Di no Instagram foi desativado.
Como funcionaria o esquema
Segundo a decisão judicial, a loja online permaneceu no ar de 18 de março a 26 de julho de 2022. Neste período, teriam sido ofertados produtos como celulares, televisores e aparelhos de ar condicionado. Os itens eram oferecidos a preços abaixo do mercado, para, segundo a investigação, atrair o maior número de compradores.
Conforme a denúncia do Ministério Público, Boneti era responsável pela gestão da empresa, pela idealização do site e pelo controle das finanças, enquanto Nego Di divulgava a loja em suas redes sociais, “uma vez que é popularmente conhecido”. A acusação aponta que no início, com intuito de ganharem a confiança dos compradores, alguns clientes realmente receberam as encomendas. Depois disso, teriam passado a dar desculpas para a demora nas entregas.
Ainda de acordo com o MP, a maior parte dos clientes nunca recebeu nenhum produto e também não foi ressarcida.
O que diz a defesa de Nego Di
A defesa do humorista se manifestou por meio de nota, assinada pelos advogados Hernani Fortini, Jefferson Billo da Silva, Flora Volcato e Clementina Ana Dalapicula. Confira:
“Em relação aos recentes acontecimentos envolvendo o humorista Dilson Alves da Silva Neto, conhecido como Nego Di, gostaríamos de esclarecer que estamos tomando todas as medidas legais cabíveis.
Destacamos a importância do princípio constitucional da presunção de inocência, que assegura a todo cidadão o direito de ser considerado inocente até prova em contrário. O devido processo legal deve ser rigorosamente observado, garantindo que o acusado tenha uma defesa plena e justa, sem qualquer tipo de pré-julgamento.
Pedimos à mídia e ao público que tenham cautela na divulgação de informações sobre o caso, uma vez que a ampla exposição de fatos ainda não comprovados pode causar danos irreparáveis à imagem e à carreira de Nego Di.
Qualquer divulgação precipitada pode resultar em uma condenação prévia injusta, prejudicando sua honra e dignidade”.