A 4,1 mil quilômetros de Porto Alegre, a Polícia Civil gaúcha prendeu na manhã desta quinta-feira (13) em Fortaleza, no Ceará, um casal de atores suspeito de estar por trás de um esquema para desviar dinheiro doado para o resgate de animais durante a enchente no Rio Grande do Sul. Os dois foram identificados a partir de uma apuração do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que integra a Força-Tarefa Cyber, contra estelionatos e fake news envolvendo as inundações que atingiram o Estado.
— Eles pegavam campanhas reais e faziam chaves Pix parecidas. Inclusive, duas pessoas que eles forjaram as chaves Pix eram duas influencers com bastante seguidores nas suas redes sociais, que defendem a causa animal — explica o diretor da Divisão de Investigação Criminal do Deic, delegado Eibert Moreira Neto.
Segundo a polícia, foram identificadas 234 chaves Pix que teriam sido criadas pelo casal. Somente no mês de maio, foram cerca de 50 chaves. O destino dos valores eram contas que teriam sido abertas pelos investigados com uso de documentos falsos. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados, mas GZH apurou que os citados são um ator e comediante e uma apresentadora de rádio, atriz e influenciadora digital. O casal Aldanísio Paiva e Regina Belo, ambos de 50 anos, reside em Fortaleza, numa casa onde foi cumprido mandado de busca pelos policiais. Documentos falsos foram apreendidos com o casal nesta manhã.
— Os dois abriram várias contas em bancos, e criaram chaves Pix de campanha de arrecadação de doações, sempre trocando um dígito de cada chave. Diferente dos outros golpes que estamos investigando, eles não divulgavam as campanhas, mas contavam com o erro das pessoas quando fossem fazer um Pix para as campanhas, que errassem um dígito. Eles ganhavam dinheiro assim — detalha o delegado João Vitor Heredia, da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações do Deic.
O policial foi um dos integrantes da equipe que viajou até o Ceará para prender o casal. Os dois tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça, a partir da solicitação da polícia.
Campanhas atingidas
Segundo a polícia, foram alvo, por exemplo, as campanhas de doação de Paola Saldívia (@paolasaldivia), de Canoas, na Região Metropolitana, que tem 358 mil seguidores no Instagram, e Deise Falci (@deisefalci), de Porto Alegre, que tem atualmente 582 mil seguidores.
As duas são protetoras de animais, com atuação nos resgates durante a enchente, e divulgam as campanhas com o propósito de arrecadar valores a serem destinados ao cuidado dos pets resgatados. Elas, inclusive, ganharam muitos seguidores ao longo do período da tragédia climática, ao mostrarem o trabalho nos resgates. As próprias influenciadoras, segundo a polícia, perceberam que os doadores estavam tendo problema na hora de fazer o Pix.
— As duas têm muitos seguidores, e começaram a divulgar que o pessoal errava um dígito e estava indo para outro beneficiário. Isso nos chamou atenção. Eles contavam com o erro das pessoas — exemplifica o delegado João Vitor.
Essas não foram as únicas campanhas atingidas, segundo a polícia. Outras chaves teriam sido criadas pelo casal envolvendo campanhas de doações. A polícia ainda aguarda o retorno do bloqueio do sigilo bancário para saber quanto chegou efetivamente a ser repassado ao casal investigado nesse período.
Segundo a polícia, o casal foi interrogado no fim da manhã, mas optou por permanecer em silêncio. A reportagem busca contato com a defesa dos investigados. O espaço está aberto para a manifestação.
A operação, que conta com apoio da Polícia Civil do Ceará, é chamada de Dilúvio Moral Doppelganger. O nome faz alusão justamente ao fato de o casal ser suspeito de ter se passado pelos idosos para abrir as contas. A palavra “doppelganger” remete a uma espécie de sósia ou “duplo ambulante”. Nas lendas nórdicas e germânicas, ver o próprio doppelganger era um presságio da morte.
“Estão tirando dos animais”, diz protetora
No caso de Paola, esta não é a primeira vez que a influencer passa por esse tipo de golpe. No ano passado, segundo a autônoma, seguidores já tinham relatado que o pagamento havia sido remetido a uma pessoa de nome Rita. A chave usada por Paola é p.saldivia@hotmail.com, mas os golpistas fizeram um novo cadastro, com e-mail semelhante.
— Como faço esse trabalho de proteção, é normal colocar a chave Pix ali para pedir doações. Agora com a enchente tivemos muitos resgates, e as pessoas começaram a fazer o Pix e não se davam conta. Concluíam e me mandavam o comprovante em nome de Rita. E aí eu explicava que aquele Pix não era meu. Eles mudaram uma única letra do meu nome. Várias pessoas relataram ter concluído a doação do valor — relata.
Segundo Paola, as doações são voltadas especialmente para custear as internações de animais que necessitam de algum tratamento veterinário. A protetora atua tanto em Canoas, onde reside, como em outras cidades da Região Metropolitana. Durante a tragédia, atuou no resgate de cerca de 300 animais.
— Com essa questão da enchente, tem um número muito alto de animais nas ruas, andando em locais que eles não conhecem, e acabam sendo atropelados, ou ficam doentes. Temos uma demanda muito alta de internações que geram custo. Essas pessoas estão tirando dos animais que precisam — diz.
Comediante e apresentadora
Assim como as protetoras da causa animal afetadas, a mulher investigada também é uma influenciadora digital. Regina Belo tem cerca de 26 mil seguidores no Instagram, onde divulga sua rotina e o programa de rádio que apresenta. Já Aldanísio Paiva, companheiro dela e também investigado pela Polícia Civil do RS, identifica-se como ator e recitador. Os dois não tinham antecedentes por esse tipo de crime.
Segundo a polícia, para cometer os estelionatos seriam usados documentos falsificados em nome de um casal de idosos, de 80 anos. Quando a polícia passou a investigar a suspeita de golpe, deparou com as contas abertas em nome deste casal. Somente a foto usada para a abertura da conta era dos investigados. A polícia ainda não sabe qual era a relação deles com o casal que teve os documentos utilizados para a abertura das contas.
— Num primeiro momento, a gente teve dificuldade para identificar os suspeitos. Tínhamos a imagem, mas não tínhamos os nomes. Então tivemos que fazer um trabalho de contato com outras polícias, enfim, submetendo também a software de reconhecimento — explica o delegado Eibert.
Força-Tarefa Cyber
A Força-Tarefa foi criada para combater os casos de golpes criados durante a tragédia climática, e também a disseminação de fake news envolvendo o mesmo tema. Até o momento, cerca de 60 casos foram analisados pelo grupo, e pelo menos 30 inquéritos foram abertos. Ao menos 71 sites, perfis e publicações foram retirados do ar.
Dicas
- Verifique a confiabilidade da campanha
- Na hora de realizar e concluir o pagamento, via Pix, por exemplo, confira se a conta e o destinatário do valor é a mesma pessoa física ou jurídica que solicitou a doação
- Se não souber para quem doar, busque campanhas oficiais, como do governo do Estado, por meio da campanha SOS Rio Grande do Sul.
- Também é possível acessar o portal “Para quem doar”, que faz a certificação de credibilidade das campanhas
- Informe a polícia sobre casos de suspeita de golpes ou mesmo de divulgação de fake news
- Não compartilhe notícias das quais não tem certeza sobre a veracidade
- Busque confirmar as informações que recebe por conversas de WhatsApp, por exemplo, em canais oficiais e pela imprensa
- Quem compartilha e dissemina as notícias falsas também pode ser responsabilizado por isso, não somente aquele que criou a informação falsa.
Como denunciar
Caso seja vítima de algum golpe ou perceba que uma página ou perfil está disseminando notícias falsas, registre o fato na Polícia Civil. Só assim será possível investigar os crimes e chegar aos responsáveis. A comunicação pode ser feita por meio dos números 197, 181 ou no (51)98444-0606. Também é possível registrar ocorrência nas delegacias ou pelo site da Delegacia Online.
Fonte: Polícia Civil – RS