O efetivo das polícias estaduais encolheu no Brasil nos últimos 10 anos. O número de policiais militares diminuiu 6,8% no país entre 2013 e 2023. Já a quantidade de policiais civis e peritos teve redução de 2% no mesmo período.
O Brasil tem hoje 404.871 policiais militares e 95.908 civis, além de 17.991 peritos criminais. Há uma década, havia 30 mil PMs a mais no país — eles eram 434,5 mil, número já então inferior ao efetivo previsto pelos Estados, que é de 584.462. Ou seja, o Brasil tem hoje apenas 69,3% das vagas existentes para PMs preenchidas.
Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fazem parte da pesquisa inédita Raio X das Forças de Segurança Pública do Brasil. O estudo mostra ainda que os policiais ganham salários, em média, de R$ 9 mil, quase o dobro do restante do funcionalismo — cerca de R$ 5 mil —, sendo que as folhas de ativos e inativos da Segurança Pública respondem por 23% do total de gastos dos Estados com pessoal.
O salário médio dos inativos na Segurança é ainda maior: R$ 11 mil, ante R$ 6 mil para as demais carreiras do funcionalismo. E 33 mil dos 739 mil policiais e guardas do país (5,4%) receberam salários acima do teto do funcionalismo em 2023 (R$ 39.293).
— O modelo de segurança pública inviabiliza por completo qualquer ideia de aumento de efetivos em razão dos custos fiscais e previdenciários e acaba sendo perverso com os próprios policiais ao gerar distorções dentro das carreiras, com desvios de função demasiados, retirando homens da atividade fim. O sistema custa caro e é ineficiente, o que faz a população ser cada vez mais refém da insegurança e do medo — disse Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O fenômeno que atinge as PMs também é observado nas polícias civis. Seus efetivos fixados no país chegam a 151 mil, mas só 95.908 vagas estão preenchidas (63,5%).
De 2013 para 2023, as unidades da Federação que tiveram a redução mais preocupante desses efetivos foram Rondônia (30,6%) e Rio de Janeiro (25,3%). Entre as polícias que encolheram de tamanho, o caso mais grave é a da PM do Distrito Federal, que teve 31% de seu efetivo reduzido em 10 anos.
Existem 1.623 agências de segurança pública no país, sendo 86 Polícias Federais, Penais, Civis e Militares, 25 Corpos de Bombeiros, 17 Perícias Técnicas e 1.495 Guardas Municipais. Elas empregam 786 mil profissionais.
Tamanho ideal
Diante da redução de efetivos e da baixa possibilidade de que eles sejam repostos, os pesquisadores do Fórum se questionaram sobre qual seria o tamanho ideal de uma força policial.
Em busca de respostas, eles destacam que não existe um padrão internacional de referência para definir a dimensão adequada do efetivo policial: "Além das restrições objetivas de disponibilidade orçamentária para cada localidade, é preciso que se faça uma avaliação qualitativa dos diversos fatores que impactam nas dinâmicas criminais de determinada região".
Os pesquisadores descrevem quatro tipos de abordagem para a definição dos efetivos:
- a que a fixa de acordo com o tamanho da população;
- a que trabalha com um efetivo mínimo determinado pelos comandantes;
- a abordagem em razão do orçamento autorizado; e
- aquela em razão da carga de trabalho realizado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, prevalece o critério per capita para a fixação do efetivo — ali, a proporção média varia de 1,8 a 2,6 policiais por mil habitantes.
De acordo com o artigo 13 da Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil, a distribuição de seus efetivos deve levar em conta:
- índice analítico de criminalidade e de violência regionais;
- especialização da atividade investigativa por natureza dos delitos;
- população;
- extensão territorial;
- densidade demográfica.
No caso das PMs, sua lei orgânica diz que a distribuição de seu efetivo deve obedecer: "a extensão da área territorial, a população, os índices de criminalidade, os riscos potenciais de desastres, o índice de desenvolvimento humano e as condições socioeconômicas da unidade federada ou dos territórios, entre outros, conforme as peculiaridades locais".
Nenhuma das duas, no entanto, explica quais os critérios se deve ter para fixar o total de homens, só a forma como eles serão distribuídos.
O estudo mostra ainda que 15 unidades da Federação apresentam o porcentual de ocupação das vagas na PM abaixo da média nacional (69,3%), sendo que quatro Estados apresentam o porcentual de ocupação dos postos existentes abaixo de 50%, são eles: Goiás, Amapá, Santa Catarina e Paraíba.
Opção "reativa"
De acordo com os pesquisadores, é preciso destacar a situação do Ceará, de Roraima e de Tocantins, que apresentam efetivo de PMs existente maior do que o previsto: "tal situação não foi observada em nenhuma Unidade da Federação em relação à Polícia Civil: pelo contrário, há apenas um Estado com o efetivo existente próximo do previsto na PC, o Amapá (96%)".
Isso seria mais um dado para confirmar a hipótese dos autores do trabalho, de que imperaria no Brasil um modelo de segurança pública "reativa, o que significa dizer que os governos estaduais, em sua maioria, priorizam em suas escolhas as ações de enfrentamento realizadas pelas polícias militares, em detrimento das ações de investigação, inteligência e planejamento, predominantemente realizadas pelas polícias civis".
Eles apontam ainda que os "resultados dessas escolhas muitas vezes são trágicos, como atestam, por exemplo, os elevados números de mortes por intervenções policiais no Brasil".
Segundo eles, essa forma de governança da segurança pública (reativa e pautada no enfrentamento) tem dado protagonismo operacional e político às PMs, que têm recebido as maiores fatias dos orçamentos estaduais destinados às polícias.
"As Polícias Civis, por sua vez, têm enfrentado mais dificuldade de reposição de seus quadros, de modernização de infraestrutura e de atualização frente às inovações tecnológicas", afirmam os pesquisadores.
O resultado disso é que das 23 Polícias Civis que informaram seus dados, oito relataram total de inquéritos em 2022 menor do que em 2021, o que demonstraria queda na capacidade investigativa das polícias no Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas, Rio de Janeiro e de São Paulo.
Outro fator que estaria prejudicando a ação das polícias civis seria o contínuo envelhecimento de seus quadros. Em 2022, segundo os dados levantados pelo FBSP, só 3,1% dos delegados de polícia do Brasil tinham até um ano de ingresso na carreira, enquanto 32,6% já tinham de 11 a 20 anos e 16,9% mais de 26 anos.
"Olhando especificamente para as Unidades da Federação, é possível notar que a diferença geracional é ainda maior. Nos Estados da Paraíba e de São Paulo, os 34,6% dos delegados possuem mais de 26 anos de carreira, sendo que, na Paraíba, 32,9% têm mais de 30 anos na instituição", afirmaram os pesquisadores.
Categorias reclamam
Rodolfo Laterza, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), diz que o déficit provoca uma série de consequências, como fragilidade no atendimento e a incapacidade de dar conta de todas as ocorrências criminais.
— Com a falta de profissionais, se torna necessário ter seletividade de casos e dar prioridade à investigação das ocorrências mais graves, como homicídios, sequestros, violência doméstica e familiar. O ideal seria que a gente conseguisse se debruçar sobre o todo — acrescenta Laterza.
O soldado Marco Prisco, presidente da Federação Nacional dos Praças (Anaspra), entidade que representa policiais e bombeiros militares, reclama de falta de valorização da categoria.
— O efetivo tem diminuído drasticamente, isso é fato — afirma ele, que também vê a questão salarial como "horrível".
Entre os problemas, segundo Prisco, estão falta de plano de carreira, baixas expectativas, alto número de homicídios e até de suicídios.
— Vários policiais são assassinados no Brasil inteiro e não vemos política séria para diminuir essa realidade — diz.
— O policial militar faz juramento para dedicar a sua vida ao próximo sem saber quem é. Quando o policial militar morre, o Estado morre junto com ele — afirma o presidente da federação de militares.
O Estado de São Paulo, por exemplo, viu uma escalada de violência contra policiais nas primeiras semanas do ano, com ataques a agentes em serviço e de folga. Após os assassinatos de PMs na Baixada Santista, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) iniciou nova operação de policiamento ostensivo na região e chegou a transferir o gabinete da Secretaria da Segurança Pública para Santos.
A Operação Verão já teve mais suspeitos mortos (30, até 21 de fevereiro) do que a Operação Escudo, deflagrada no litoral no segundo semestre do ano passado. A Ouvidoria das polícias e parentes dos mortos falam em suspeitas de abusos e o governo tem afirmado investigar os casos.