Era uma noite típica de trabalho na vida do motorista de transporte por aplicativo em Porto Alegre. O homem de 48 anos, cuja identidade ele pede para não ser revelada por motivo de segurança, preparava-se para voltar para casa depois de ter atingido sua meta diária de remuneração pelo serviço. A rotina foi rompida e a vida por pouco não foi interrompida em desfecho trágico decorrente de um crime recorrente nas metrópoles: um assalto.
O caso ganhou notoriedade quando outros condutores de veículos registraram uma cena inusitada, posteriormente divulgada por mais de uma fonte em redes sociais. Na imagem, o homem acena de dentro do porta-malas de automóvel em movimento. Faz sinal de arma para alertar sobre o roubo do qual está sendo vítima. Implora com o olhar e faz gesto de fala ao telefone, pedindo que alguém chame a polícia.
— Hoje (domingo) estive em um torneio de futebol acompanhando meu guri, que tem 10 anos. Ele fez cinco gols e em cada comemoração correu para me abraçar. Derramei lágrimas cinco vezes pela alegria de estar ali, de pensar que recebi a chance de ganhar os abraços de quem amo novamente — desabafa o pai de três crianças.
O fato que marcará para sempre a vida da família, que tem duas meninas em sua composição, aconteceu na terça-feira passada (3). Eram 22h3min, de acordo com o registro de viagem do aplicativo. O chamado apontava partida no bairro São José. Seria a última volta da noite. O destino era um local pacato no bairro Santa Cecília, de Viamão.
— Cheguei ao local de partida e havia três homens bem vestidos. Nada suspeito. Embarcaram como um grupo de amigos. Conversaram no caminho assuntos comuns — lembra o motorista.
Porém, chegando ao ponto de destino, numa via sem pavimentação aos fundos do Parque Saint Hilaire, veio o anúncio de que antecederia momentos de angústia e incerteza.
— Fui puxado pela gola da jaqueta por um dos bandidos que estava no banco de trás. Ele gritou que tinha me dado mal e me acertou a primeira coronhada na cabeça. Mandou desligar o aplicativo. Estava estrangulado pela gola da jaqueta. Não conseguia alcançar o painel para desligar. Levei mais socos — conta.
O motorista relata que foi tirado a força do carro. Caído no chão e cercado por três criminosos, sofreu mais uma coronhada na cabeça. Desta vez, o ferimento foi mais profundo. Sangrou.
— Um deles disse aos outros: vamos apagar aqui mesmo? Naquela hora pensei que minha vida estava prestes a acabar — confidencia o trabalhador do transporte.
A decisão dos criminosos, no entanto, foi outra:
— Me jogaram no porta-malas. Fecharam e deram partida. Não sabia onde estavam me levando, nem o que poderia acontecer. Só pensava nos meus filhos, nos meus pais e na minha companheira. Achei que nunca mais os veria — emociona-se ao descrever.
Iniciativa de destrancar porta-malas propiciou chance de escapada
Dentro do compartimento de cargas do próprio veículo, o motorista tomou a resolução que pode ter representado a reviravolta no desfecho que se desenhava desastroso.
— Comecei a mexer na tranca, por dentro, e consegui destravar. Ouvi o clique e o alerta de destravamento veio de dentro do carro. Imediatamente, os bandidos acionaram a trava. Ouvi as portas fechando novamente. Segurei a tampa do porta-malas com a perna e a fechadura na posição de fechamento com uma das mãos, para que o alerta não ocorresse novamente — lembra.
A este ponto da jornada, já estavam em Porto Alegre de novo. Foi então que o motorista sequestrado passou a sinalizar a outros condutores que trafegavam pelas avenidas Ipiranga e Antônio de Carvalho.
As imagens mostram o desespero do motorista. Segundo ele próprio, haveria pelo menos cinco registros em vídeo de sua agonia por socorro.
— Isso me trouxe uma grande decepção. As pessoas me filmaram, compartilharam as imagens nas redes sociais. Não quero ser injusto, mas pelo que soube, a polícia somente ficou sabendo do fato pela propagação do vídeo. Ninguém ligou para o (telefone) 190 — lamenta.
A salvação, diz ele, surgiu de um breve descuido dos criminosos, na Avenida Cristiano Fischer:
— A velocidade reduziu bastante. Foi a uns 30 km/h. Acho que havia um sinal vermelho e eles optaram por reduzir para não terem que parar. Foi aí que saltei do carro em movimento. Não me viram. Escapei e pedi socorro. Fui ajudado pelo segurança de uma lancheria — explica.
Do estabelecimento, conseguiu deslocar-se até a 15ª Delegacia de Polícia, onde agentes prestaram o primeiro atendimento e informaram que o caso já era motivo de um alerta às forças de segurança pública, motivado pelo vídeo que, a esta altura, viralizava na web.
— Chamaram minha família. Foram ao meu encontro. Foi o melhor abraço do mundo ao reencontrá-los — garante.
Caso está sob investigação por área especializada no Deic
O crime está sob apuração no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Recentemente, Porto Alegre registrou uma onda de assaltos a profissionais de transporte por aplicativo. Uma quadrilha foi desarticulada e outras frentes de investigação prosseguem.
O veículo envolvido no assalto seguido de sequestro foi recuperado no dia seguinte e está apreendido para realização de perícia criminal pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Na noite do crime, buscas foram realizadas na tentativa de capturar os criminosos, sem êxito.