Dois anos após o cantor Prince ser encontrado sem vida na sua propriedade em Minnesota, no norte dos Estados Unidos, a investigação confirmou em abril de 2018 que a morte dele foi causada por ingestão acidental de fentanil.
De uso restrito a hospitais, essa droga de alto poder sedativo pode ser fatal ao ser administrada indevidamente como entorpecente. No caso do astro do pop, morto aos 57 anos, a substância estaria presente em comprimidos falsificados ingeridos pelo músico.
O que é o fentanil?
O fentanil faz parte dos opioides, também chamados de opiáceos, que são medicamentos usados para o tratamento da dor. A substância é da mesma família da morfina e da oxicodona, por exemplo, que são popularmente mais conhecidos. O fentanil, por sua vez, tem uso restrito aos hospitais, não podendo ser adquirido em farmácias. Como medicamento, ele é usado, por exemplo, durante a recuperação de cirurgias de grande porte ou mesmo para manter pacientes entubados.
— É usado com medicação para o controle da dor e pode ser usado na sedação, indução e manutenção da anestesia. Pode ser usado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) também para analgesia e controle da dor — explica a anestesiologista Liege Caroline Immich, chefe do Serviço de Anestesiologia da Santa Casa de Porto Alegre.
Nas casas de saúde, a aplicação se dá de forma intravenosa ou por meio de adesivos. O uso é calculado de acordo com o peso do paciente. O armazenamento e administração da medicação nos hospitais deve ser realizado de forma controlada.
— Ele fica guardado e uma pessoa é responsável pela sua liberação — explica Liege.
Quando administrada, por ser um opioide, a substância provoca sensação de relaxamento e alívio da dor. Também provoca sonolência e pode levar à sedação. Como entorpecente, a droga é altamente viciante.
— Os usuários de fentanil (como entorpecente) esperam essa sensação de relaxamento, de prazer. Acaba causando dependência e cada vez vai precisar mais para ter essa sensação — alerta a anestesiologista.
Fentanil misturado a outras drogas
No caso de Prince, a investigação apontou que o músico acreditava estar consumindo outra substância. Ao tomar dois comprimidos falsificados de Vicodin (remédio também empregado para a dor), ele acabou ingerindo uma alta dosagem de fentanil, por acidente.
Nos Estados Unidos, o fentanil está entre as drogas que mais matam. Em setembro do ano passado, outro músico, o rapper Coolio, também foi encontrado morto aos 59 anos por overdose da substância. Além da droga, havia vestígios de heroína e metanfetaminas no corpo do artista. O uso de fentanil para "batizar" outras drogas não é incomum.
Em São Paulo, neste ano, a constatação de que usuários de drogas estão expostos à presença de fentanil em outros entorpecentes — como a cocaína, por exemplo — levou o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a emitir um alerta. Nos primeiros meses de 2023, foram detectados seis casos de intoxicação por uso de drogas, atendidos em unidades de emergência da região metropolitana de Campinas, nas quais havia presença de fentanil.
Nesses casos, no entanto, os usuários relataram que não tinham utilizado fentanil e sim outras drogas, como K2, LSD e cocaína. Houve um caso, inclusive, no qual a paciente negou ter consumido qualquer entorpecente, e se acredita que ela tenha sido vítima do "Boa Noite, Cinderela".
O problema grande é que ele causa overdose mais fácil que a cocaína. Precisa de poucos miligramas. Uma pontinha de uma espátula tem quantidade suficiente para causar a morte.
JOSÉ LUIZ DA COSTA
Farmacêutico bioquímico professor de Toxicologia na Unicamp
— As pessoas não faziam ideia de que tinham usado fentanil. Não há controle de qualidade algum dessas drogas e a pessoa pode usar sem saber. O problema grande é que ele causa overdose mais fácil que a cocaína. Precisa de poucos miligramas. Uma pontinha de uma espátula tem quantidade suficiente para causar a morte — alerta José Luiz da Costa, farmacêutico bioquímico professor de Toxicologia na Unicamp e coordenador do CIATox.
A droga, segundo o especialista, é um depressor do sistema nervoso e, em razão disso, causa a sensação de bem-estar. Por outro lado, leva à diminuição da atenção e da frequência respiratória. A pupila se contrai e fica bastante fechada, pequena (chamada pupila miótica). Dependendo da dose, o usuário pode perder a consciência e sofrer uma parada respiratória.
— O fentanil tem um antídoto que é eficaz. Detectando um paciente intoxicado por fentanil, o profissional da saúde pode fazer a administração e reverter o quadro. Mas, como não é um tipo de droga comum aqui no Brasil, muitas vezes a equipe médica nem imagina que se trate do fentanil — explica o professor.
Segundo o especialista, em 2016, já tinham sido detectados alguns casos de presença de fentanil em pacientes intoxicados por uso de drogas. No entanto, o uso abusivo da substância costumava ter um público mais restrito às pessoas que tinham acesso ao medicamento. Nestes casos constatados em 2023, no entanto, trata-se de outro perfil.
— Não estamos falando de uma epidemia, como nos Estados Unidos. Não é o tipo de droga que o sul-americano costuma usar, aqui se usam mais estimulantes do que depressores. Mas chama a atenção porque são pessoas que não têm acesso fácil. Isso significa que essa substância não está mais dentro do hospital somente, está nas ruas — diz Costa.