Uma das principais estratégias do governo do Estado para tentar frear a morte de mulheres pelas mãos de seus agressores deve entrar em funcionamento nos próximos dias, em março. O uso de tornozeleira eletrônica para monitorar homens que tenham agredido ou ameaçado a vida de mulheres e evitar que eles se aproximem das vítimas é considerado, pelas forças da segurança, uma forma eficaz de reduzir o número de feminicídios no Rio Grande do Sul. Na outra ponta, a vítima recebe um celular, por onde será avisada de uma possível aproximação.
A partir de março, devem ser disponibilizados 2 mil conjuntos (compostos por tornozeleira e celulares), contratados sem necessidade de licitação com a empresa suíça Geosatis. O contrato com a empresa é de dois anos, com valor inicial de R$ 4,2 milhões (com recursos do programa Avançar na Segurança), podendo chegar R$ 14,9 milhões quando todos os equipamentos forem utilizados ao mesmo tempo.
A distribuição das tornozeleiras para agressores será feita a partir de decisão judicial: são os magistrados que irão decidir, caso a caso, quais homens devem ser monitorados, dando prioridade a mulheres que correm mais risco de sofrerem tentativa de feminicídio. Em alguns casos, o juiz pode definir outra medida protetiva a ser aplicada.
De acordo com o coordenador do Programa RS Seguro, delegado Antônio Carlos Pacheco Padilha, os equipamentos estão em fase final de testes técnicos. Neste mês, foi concluído o treinamento da primeira turma de servidores que ficará responsável pelo monitoramento. Foram capacitadas 95 pessoas, entre policiais civis e militares.
— Neste momento, estamos fazendo testes bem específicos, para que esteja tudo muito bem alinhado. Depois, faremos reuniões com o poder judiciário e o Ministério Público, para apresentar o projeto e deixá-lo à disposição das entidades. Em março, essa já será uma das alternativas para conter a violência contra a mulher.
O projeto será executado inicialmente em Porto Alegre e Canoas, e o governo estuda ampliar a abrangência para o resto do Estado ainda neste primeiro semestre.
Para o delegado, como o monitoramento será de responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS), será possível acompanhar cada caso de forma "bem próxima". A ferramenta trará benefícios para as mulheres e para a sociedade, afirma Padilha:
É uma violência que ocorre em razão de uma cultura machista. Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal. Precisamos vencer isso
DELEGADO ANTÔNIO CARLOS PACHECO PADILHA
COORDENADOR DO PROGRAMA RS SEGURO
— Terá um efeito pedagógico bem importante. Esse homem estará sendo monitorado, isso vai além de receber uma notificação para que não se aproxime da mulher. As polícias estarão acompanhando se isso está sendo cumprido, com o aval de uma decisão judicial. Além da tornozeleira, há também outras medidas que costumam ser aplicadas nesses casos, como a de frequentar grupos reflexivos de gênero, para refletir, debater a questão do respeito a mulher na sociedade. É uma violência que ocorre em razão de uma cultura machista. Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, e esse é um problema que não está só em Porto Alegre ou no RS, mas em todo o mundo, e precisamos vencer isso.
A assinatura do contrato para aquisição dos equipamentos, entre Estado e empresa, ocorreu em novembro do ano passado.
Vítima receberá alerta
O projeto terá como foco homens que cumprem medidas protetivas da Lei Maria da Penha e oferecem risco às vítimas. A tornozeleira eletrônica é uma das opções a serem usadas, e pode substituir o encaminhamento à prisão, por exemplo.
Conforme o governo do Estado, por meio de um software desenvolvido especialmente para essa função, será possível saber se o agressor invadiu o perímetro de distanciamento da mulher – a distância entre os dois será definida também na decisão judicial.
Ao primeiro sinal de descumprimento da zona de exclusão, um alerta é gerado na central de monitoramento e o homem será advertido por ligação e orientado a se retirar. Caso persista na aproximação, uma equipe com agentes de segurança pública, como Patrulha Maria da Penha e BM, já estará em deslocamento para o local. A vítima, então, receberá uma notificação e um efeito sonoro será disparado no celular. Um mapa mostrará, a ela, a distância entre os dois, em tempo real.
Isso é realizado por um aplicativo que só funciona no celular fornecido pelo Estado à vítima. Por segurança, o sistema não pode ser desinstalado ou baixado em outros aparelhos. Também não é possível utilizar o telefone para outras funcionalidades.
A orientação é que a mulher mantenha o celular sempre por perto e no mesmo ambiente, para garantir que o sistema saiba a localização dela e gere o alerta em caso de aproximação do homem com a tornozeleira.
O equipamento é preparado para evitar o rompimento. Se houver algum esforço de retirada, os sensores internos enviam sinais para a central de monitoramento. Há ainda um carregador portátil que garante a reposição da bateria em 90 minutos, para duração de 24 horas. O sistema também emite um aviso se a carga estiver baixa.
Apoio de amigos
Outro ponto importante da plataforma é que ela permite o cadastro de familiares e pessoas de confiança para que a vítima possa estabelecer contato em casos de urgência. O apoio de pessoas próximas é fundamental no combate a violência de gênero, alerta a diretora da Divisão de Proteção a Mulher da Polícia Civil, delegada Cristiane Ramos.
A maioria esmagadora das mulheres que acabam sendo mortas em feminicídios não tinha sequer registro de boletim. É algo que nos assusta.
DELEGADA CRISTIANE RAMOS
DIRETORA DA DIVISÃO DE PROTEÇÃO A MULHER DA POLÍCIA CIVIL
— Sabemos que uma das questões relacionadas a esse tema é o isolamento que o agressor faz da vítima, geralmente antes de começar a praticar as violências. Ele a isola dos amigos, da família, a deixa enfraquecida. O fato de ela ter alguém para pedir ajuda, para buscar socorro, faz muita diferença. O combate a violência de gênero é responsabilidade de todos nós.
Conforme Cristiane, que também é titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Capital, cerca de 25 mil medidas protetivas estão em vigor atualmente no Estado. Apesar do número, há muitos casos que não são de conhecimento das autoridades, o que representa uma grave risco para as vítimas. A subnotificação (quando mulheres não denunciam seus agressores, seja por medo ou vergonha) é um dos maiores desafios das forças de segurança para conter o feminicídio e a violência doméstica.
— A maioria esmagadora das mulheres que acabam sendo mortas em feminicidíos não tinha sequer registro de boletim, muito menos a medida protetiva. É algo que nos assusta, que queremos diminuir. A partir do monitoramento em tempo real desse agressor, daremos uma efetividade muito maior à medida, a essa ordem de que o homem não se aproxime. É mais segurança para as vítimas. Como consequência, esperamos que mais mulheres denunciem, que nos procurem, façam ocorrência, peçam medidas. E que tenham apoio de amigos e familiares para isso.
Em janeiro, os crimes de feminicídio tiveram queda no Estado, na comparação com o mesmo mês de 2022. Foram nove mulheres mortas no período neste ano, frente a 11 vítimas no ano anterior, uma diminuição de 18,2%. Segundo Cristiane, nenhuma das nove vítimas do último mês possuía medida protetiva vigente, e algumas não tinham nenhum registro na polícia contra os agressores. Os dados de indicadores criminais no RS são divulgados mensalmente pela SSP.
Como buscar ajuda
Qualquer pessoa pode informar sobre casos e orientar a mulher a buscar um serviço de atendimento. Conheça algumas formas de pedir ajuda:
- Para socorro urgente, o número é o 190.
- Além do Disque Denúncia 181, está disponível o Denúncia Digital 181, no site da Secretaria da Segurança Pública.
- O WhatsApp da Polícia Civil (51 98444-0606) recebe mensagens 24 horas, sem a necessidade de se identificar.
- A Delegacia Online tem novas possibilidades de registro para receber os relatos de violência doméstica. Permite fazer o boletim de ocorrência, com a mesma validade do documento emitido presencialmente, a qualquer horário e por qualquer dispositivo com internet.
- Salas das Margaridas nas Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPAs), para levar o acolhimento e o amparo especializado nessas unidades, que frequentemente são a primeira parada das mulheres em busca de ajuda.
- Quem não tem acesso pode procurar qualquer Delegacia de Polícia, além das 23 Deams hoje existentes no Estado.
- A Defensoria Pública presta orientação e a defesa em juízo, das mulheres de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade. Orienta vítimas pelo Disque Acolhimento: 0800-644-5556. Também há o Alô Defensoria: (51)3225-0777.
- No Ministério Público há a Promotoria Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar, no prédio do Instituto de Previdência do Estado (IPE) do RS, na Avenida Borges de Medeiros, 1.945. Telefone: (51) 3295-9782 ou 3295-9700. E-mail: promotoriadamulherpoa@mprs.mp.br
- Também no MP, há Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Aceita qualquer tipo de denúncia e dá orientações. E-mail: gepevid@mprs.mp.br.