A Polícia Civil deu início nesta segunda-feira (6) aos depoimentos relacionados à morte do agricultor José Dougokenski, aos 32 anos, então marido de Alexandra Salete Dougokenski. O caso aconteceu em fevereiro de 2007, no município de Farroupilha, na Serra, e foi concluído inicialmente como suicídio. Mas a investigação foi reaberta pela Justiça em dezembro do ano passado.
Alexandra foi condenada em janeiro deste ano pelo assassinato do filho Rafael Mateus Winques, 11 anos, em Planalto, no norte do RS. A família de José pediu a reabertura do caso, por suspeitar que existem semelhanças entre as mortes, entre elas o uso de uma corda de varal. O pedido foi atendido pela Justiça em dezembro de 2022 e em janeiro deste ano as partes foram intimadas.
À frente da Delegacia de Polícia de Farroupilha, o delegado Éderson Bilhan é o responsável por conduzir as novas investigações — na época da morte, outro delegado apurava o caso. Desde que a polícia foi intimada, algumas etapas solicitadas foram cumpridas. A primeira delas foi buscar a residência onde aconteceu a morte.
Alexandra e José moravam com o filho de três anos havia alguns meses, na localidade de Linha Julieta, na área rural de Farroupilha. O agricultor trabalhava como caseiro numa chácara.
— A edificação ainda existe, mas com algumas características diferentes da época. A essência da estrutura é a mesma, mas, por exemplo, o forro que foi quebrado não existe mais. Não é mais o mesmo — explica o delegado Bilhan.
Os policiais estiveram na propriedade, conversaram com o dono, que ainda é o mesmo, e fizeram levantamento fotográfico da residência, que será incluído no novo relatório. Caso seja determinada a realização de reprodução simulada dos fatos, popularmente chamada de reconstituição, essa casa deve ser utilizada.
Oitivas
Nesta semana, a polícia deu início à etapa mais trabalhosa, que é ouvir depoimentos de 15 testemunhas. As intimações passaram a ser encaminhadas logo após a notificação de reabertura ser encaminhada pela Justiça. Nesta segunda-feira (6), começaram a ser ouvidos vizinhos do casal na época.
Ainda há outras pessoas a serem ouvidas, como o proprietário da residência, policiais militares e civis que atenderam a ocorrência, além de familiares. Alexandra também deverá dar depoimento nesta fase, mas ainda precisa ser acertado com a defesa dela quando se dará a oitiva. A polícia ainda não tem prazo para concluir as novas investigações.
— Algumas dessas pessoas moram atualmente fora do Estado, então precisaremos fazer essas diligências ou articular com colegas de lá. Não consigo precisar ainda uma data, mas nossa prioridade é concluir o mais rápido possível — afirma o delegado.
Além dos depoimentos, também houve solicitação para que sejam requisitados à Brigada Militar os registros das ligações daquela data para o 190. A polícia já encaminhou o pedido e aguarda o retorno. Após a realização de todas as etapas, o relatório será remetido, e passará por análise do Ministério Público.
Entenda a reabertura
Aos 32 anos, José Dougokenski foi encontrado morto em 5 de fevereiro de 2007, na casa onde vivia na área rural de Farroupilha, após supostamente tirar a própria vida, por enforcamento. Alexandra e o filho do casal, então com três anos, eram os únicos que, segundo relato dela, estavam na moradia naquele momento. A investigação da Polícia Civil apontou para a hipótese de suicídio e o caso foi arquivado. No entanto, esse desfecho nunca convenceu familiares do agricultor.
Depois disso, Alexandra manteve novo relacionamento, com outro agricultor, fruto do qual nasceu seu segundo filho, Rafael. Em 2020, a confissão da mãe sobre o assassinato do menino em Planalto levou a família de José lutar pela reabertura da investigação. A advogada criminalista Maura Leitzke pediu o desarquivamento do inquérito, elaborou análise do perfil criminal, comparando características das duas mortes, e identificou semelhanças entre o caso do garoto e o de José.
Segundo a advogada, foi constatado que as duas mortes têm semelhança que supera os 95% entre a forma de agir, meio e local de execução, instrumentos e tentativa de ocultar os vestígios do crime. A partir daí, a família decidiu contratar uma perícia particular, que apontou que a morte tinha características que indicavam a possível simulação de suicídio.
O pedido de desarquivamento do inquérito foi entregue em outubro de 2020 ao Ministério Público (MP) em Farroupilha. O promotor Evandro Lobato Kaltbach encaminhou à Justiça o pedido para que novas investigações fossem realizadas. Segundo o representante do MP, isso não significa culpa, mas que os novos documentos apresentados pela família merecem apuração.
— Mais para a frente, pode ser oferecida denúncia, caso se comprove a responsabilidade dela, ou pode ser feito o pedido para rearquivamento — explicou o promotor sobre os possíveis andamentos.
Em 19 de dezembro do ano passado, o juiz Enzo Carlo di Gesu atendeu o pedido do MP e da assistente de acusação e determinou que fossem realizadas novas investigações.
Caso Rafael
Em janeiro deste ano, Alexandra foi condenada pelo assassinato do filho Rafael. A mulher, que já estava presa desde maio de 2020, quando confessou o crime, foi condenada a 30 anos e dois meses de reclusão, além de outros seis meses de detenção, numa pena total de 30 anos e oito meses.
O julgamento foi realizado no município de Planalto, no norte do Estado. Foi na mesma cidade que a criança desapareceu em 2020. Após 15 dias do sumiço do garoto, Alexandra indicou à polícia onde estava o corpo do menino, dentro de uma caixa de papelão a poucos metros da casa onde a família residia.
Num primeiro momento, a mulher confessou o homicídio, mas ao longo do processo apresentou diferentes versões. Na última delas, imputou ao pai do menino o crime, mas a versão não convenceu os jurados.
No terceiro dia de julgamento, Alexandra foi condenada por todos os crimes dos quais era acusada: homicídio qualificado, ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual.
Tanto o Ministério Público, que obteve a condenação da ré, quanto a defesa dela recorrem da sentença.
O relato de Alexandra
No relato que apresentou à polícia na época, Alexandra, que tinha 19 anos, afirmou que o marido era introspectivo, calado e que estaria embriagado naquele dia. Alexandra disse que teria ido com o filho para o quarto de hóspedes dormir e minutos depois teria ouvido o marido fazer barulho e suspirar forte.
Assustada, afirmou que teria ido até o quarto e encontrado o corpo de José pendurado numa corda de varal azul que estava presa na viga do teto. Para socorrê-lo, teria subido na cama e cortado a corda, mas ele já estaria sem vida.
O laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP) produzido na época confirmou a presença de sete decigramas de álcool etílico por litro de sangue em José. O exame apontou ainda que o agricultor estava deitado de bruços, próximo à porta do quarto, com a corda no pescoço. Um pedaço da mesma corda estava amarrado aos caibros de madeira do forro. Havia pedaços de madeira sobre a cama.
Já a perícia contratada pela família de José indicou pontos divergentes para a conclusão de suicídio, como o tipo de marca no pescoço, a localização do nó e manchas que indicariam que o corpo não teria permanecido suspenso.
Contraponto
O que diz a defesa
Responsável pela defesa de Alexandra, o advogado Jean Severo se manifestou sobre o caso ainda em janeiro, após a confirmação da reabertura, afirmando que "vai aguardar as diligências com muita tranquilidade" e que confia no laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que concluiu que a morte se deu por suicídio.
Nesta segunda-feira (6), o criminalista voltou a negar que a cliente tenha qualquer participação na morte do marido.
— Alexandra não tem nada a ver com essa situação. O IGP já tinha concluído que se tratava de suicídio. Infelizmente, algumas pessoas querem tirar proveito da situação para prejudicar ainda mais a Alexandra — disse.