O Ministério Público iniciou suas argumentações na tarde desta quarta-feira (18) no julgamento realizado em Planalto, no norte do RS. A estratégia da acusação é detalhar todas as versões apresentadas por Alexandra Salete Dougokenski, 35 anos, para a morte do filho. A ré responde pelo assassinato de Rafael Mateus Winques, 11 anos. O júri deve chegar ao fim até a noite.
— Planalto ficou com a imagem manchada, vilipendiada, pelos atos de Alexandra Salete Dougokenski — afirmou o promotor Diogo Gomes Taborda, primeiro a falar.
Na sequência, emendou que sua responsabilidade neste caso é obter a condenação da ré.
— Fazer com que a comunidade de Planalto não seja conhecida como a comunidade que absolve mães que matam os próprios filhos — disse.
Taborda iniciou o relato contestando a versão de Alexandra, de que o pai de Rafael foi o autor do assassinato. Esse foi o último relato apresentado por ela, inclusive durante o julgamento na manhã desta quarta-feira. O promotor indagou qual seria a reação de uma mãe se alguém invadisse sua casa e assassine seu filho.
— Teria ela gritado, suplicado pela vida do filho. Em momento algum ela teria consentido e colocado o próprio cadáver do filho, fruto do ventre dela, dentro de uma caixa de papelão para lixo. (...) Teria ela chamado a polícia, teria ela chamado a Samu — analisou.
O promotor exibiu um mapa mostrando que ela teria que andar apenas cerca de 500 metros para pedir socorro médico para o filho. Sustentou ainda que o crime foi premeditado pela ré, que teria escolhido uma noite na qual o namorado não estava em casa. O homicídio teria sido motivado, segundo a acusação, porque ela estava aborrecida com o uso excessivo do celular por parte do filho. Taborda afirmou que Rafael costumava gritar durante os jogos e que estava desafiando a mãe.
— A mãe queria exercer sobre o filho um sentimento de dominação — disse.
Taborda falou também sobre os relatos de familiares de Alexandra, que defenderam a ré, disseram ter ouvido barulhos naquela madrugada, confirmando e que o crime poderia ter sido cometido por Rodrigo.
— Alexandra vitimou a sociedade, vitimou o próprio irmão do Rafael, o Anderson. Além de perder o irmão, teve que ser exposto ao longo desse processo na tentativa de inocentar a mãe. Expôs a mãe da Alexandra, pessoa simples, expôs o irmão Alberto, trabalhador, mas que tiveram que vir aqui e trazer versões mentirosas — afirmou.
O promotor passou a descrever como teria se dado o crime, no entendimento da acusação, afirmando que Alexandra foi até a casa da mãe e buscou os medicamentos, o que indicaria premeditação. Durante a noite, ela teria assistido filmes, que mostram o mesmo modo de ação usado para assassinar Rafael, e pesquisou a composição do Boa Noite Cinderela.
— Alexandra medica o filho naquela noite com dois comprimidos de Diazepam. Esses comprimidos levam o menino ao sono. O menino dorme e ela retorna no quarto e estrangula o próprio filho. Mas por que Alexandra fez isso? Por que estrangulou o próprio filho, dormindo? Ela o fez por um motivo extremamente fútil, que é o uso excessivo que ele tinha do celular. Mas por que? Isso não é suficiente para matar o próprio filho. Senhoras e senhores, o motivo fútil, todo homicídio praticado por uma mãe contra o próprio filho é fútil. Nada justifica matar o próprio filho — disse, para na sequência afirmar que o crime foi cometido por maldade.
Sobre o local onde estava o corpo do garoto, o promotor relatou que o intuito de Alexandra era justamente que o cadáver estivesse num local fácil de ser encontrado. E que, se isso acontecesse, outra pessoa teria sido responsabilizada pelo crime. Os delegados ouvidos durante o júri ressaltaram que Alexandra chegou a apontar um irmão como suspeito.
— Se tivessem encontrado o corpo no dia seguinte ou no outro dia, Alexandra ia fazer mais um espetáculo: "Meu Deus, mataram o meu filho". Eles iam pensar em quem? No irmão esquizofrênico, o irmão que ela não gostava e que havia suspeita que ele fazia brincadeiras de mau gosto com o Rafael — disse o promotor.
O MP também buscou evidenciar o que teriam sido outras tentativas de Alexandra de alterar os cursos da investigação. Um deles foi um calendário que ela mesma entregou aos policiais, no qual estava assinalada a data 14 de maio. A mãe afirmou que Rafael costumava usá-lo para marcar datas importantes. Isso poderia levar a polícia a suspeitar de uma fuga, por exemplo.
— Ela falsificou o calendário para desvirtuar a investigação e colocar a culpa no Rafael — afirmou o promotor.
Foi justamente esse calendário que levou a polícia a suspeitar que o crime havia sido cometido por alguém de dentro da casa. Isso porque, anteriormente, o delegado Ercílio Carletti, que investigava o caso, havia analisado o mesmo calendário e não havia nenhuma marcação. Segundo o promotor, ao perceber que o cerco estava se fechando, ela resolveu confessar, mas alegou que não teve intenção de provocar a morte do filho.
— "Ah não, eu matei, mas matei sem querer". Essa tese que ela declarou de que matou sem querer, que não teve intenção, isso é para ela se safar de outra forma. (...) A verdade é uma só. A verdade só tem uma cara. E o MP trabalha com a verdade. No caso da Alexandra ela trouxe uma primeira tese, que o menino estava desaparecido, trouxe uma segunda tese, de que matou, mas foi sem querer — detalhou o promotor.
O MP exibiu um vídeo, de uma das confissões de Alexandra ao delegado Ercílio. Nela, ela narra que ministrou dois comprimidos de Diazepam no garoto. Na imagem, ela diz que o filho estava com a boca roxa, quando ela foi até o quarto e que havia morrido em razão do uso do remédio. Depois disso, ela mesma teria ido até a garagem e colocado o corpo na caixa.
— Eu coloquei ele deitadinho lá — disse Alexandra na gravação, para na sequência afirmar que agiu sozinha.
— Uma pessoa que tem a casa invadida pelo ex-marido, dez dias depois vai na delegacia e faz essa confissão. E depois vem aqui no plenário para dizer que é o ex-marido, quase três anos após o fato? — indagou o promotor, narrando na sequência que quando era criança engoliu uma cartela inteira de AAS infantil (medicamento Ácido Acetilsalicílico) e que sua mãe ao descobrir isso se desesperou.
— Desesperadamente, ela me pegou e levou para o pediatra, na madrugada, de noite, correndo, aflita, em pânico. Agiu como uma mãe deveria agir — afirmou.
Dúvidas
Logo depois, o promotor passou a buscar desfazer algumas dúvidas sobre a ocultação do corpo. Enfatizou que a perícia apontou vários fatores que contribuíram para que o corpo permanecesse no local, sem exalar odores. Entre eles, o fato de estar protegido da luz e fazer frio naquele período em Planalto. Esclareceu ainda que um dos cães usados para as buscas possuía treinamento para procurar pessoas vivas e não cadáveres.
O MP exibiu um vídeo do irmão de Alexandra, no qual ele fala do estranhamento pelo fato de não terem localizado o corpo anteriormente.
— Não sabia que tinha aquela caixa lá — disse o irmão no vídeo.
O promotor mostrou rapidamente as imagens do menino dentro da caixa. O garoto estava com uma corda de varal amarrada no pescoço e uma sacola na cabeça.
— No momento que vem o laudo do estrangulamento é feito o segundo depoimento da Alexandra, no Palácio da Polícia. É o depoimento da confusão — diz sobre o fato de a confissão, na qual ela relata que usou a corda para asfixiar o filho de forma proposital, ter sido contestada pela defesa.
Depois disso, segundo o promotor, uma nova versão foi adotada por Alexandra e pela defesa, juntando um caderno ao processo, no qual a ré nega ter cometido o crime e acusa o ex-marido, pai de Rafael, do crime. Taborda passou a ler trechos da escrita.
— Ela se refere à morte de Rafael como a "falha que cometi". (...) Ela se refere à morte de Rafael como "erro meu" — diz o promotor.
O promotor narrou que, num segundo momento, no mesmo caderno, Alexandra mudou a versão e acusa Rodrigo de ter sido o autor, e escreve para ele sobre sons que ele teria ouvido naquela madrugada do sumiço de Rafael.
— Isso aqui ela está induzindo o menino — diz o promotor sobre o relato do irmão de Rafael sobre barulhos que ouviu naquela noite de "para, pai".
O promotor lembrou logo depois do áudio que levou ao encerramento do primeiro júri. Na gravação de seis segundos, é possível ouvir a voz de uma criança. Na época, a defesa abandonou o júri após ter uma perícia negada, porque afirmava que a voz poderia ser de Rafael e a gravação havia sido extraída com data de 15 de maio de 2020. Mais tarde, uma análise do Instituto-Geral de Perícias apontou que o áudio havia sido encaminhado ao celular do pai e não criado no aparelho dele.
Taborda rechaçou qualquer possibilidade de o pai ter sido o autor do homicídio.
— O Rodrigo passou todo o tempo em Bento Gonçalves. (...) O que peço é que não caiam em mais uma mentira sádica da Alexandra. Façam de Planalto um exemplo para o mundo e para o Brasil. E que não admitem a morte de crianças praticada no seio familiar, principalmente por quem deveria proteger, que são as próprias mães — disse Taborda.
Dissimulação
Segundo a falar pelo MP, o promotor Marcelo Tubino buscou demonstrar que Alexandra tentou enganar as pessoas após o sumiço do filho. Exibiu uma das reportagens de televisão produzidas na época, na qual ela dizia estar sofrendo com o desaparecimento do garoto.
— Quem é a Alexandra? É a que vem aqui e chora? — indagou, afirmando que a ré foi buscar contar a história que se lhe favoreça.
O promotor demonstrou com o uso de um boneco como teria acontecido o estrangulamento de Rafael.
— (Ela) teve nas suas mãos o destino e o futuro de uma criança que deveria cuidar — acusou.
Tubino detalhou as pesquisas realizadas por Alexandra na internet na madrugada do crime, entre elas imagens eróticas com uso de asfixia. O promotor seguiu indicando o que seriam traços de personalidade da ré, como 'indiferença ao sentimento dos outro", "baixa empatia", "frieza do afeto" e "preocupação com a aparência".
— Ela chora quando chega na cena do crime, mas não é porque Rafael morreu e sim porque a casa está desarrumada. (...) Por 10 dias ela conseguiu enganar toda essa nossa comunidade trabalhadora e ordeira. Para ela é a última cartada, querer enganar sete ordeiros cidadãos — atacou.
Assistente de acusação
Numa fala emotiva, o advogado Daniel Tonetto, que representa o pai de Rafael, buscou enfatizar um perfil marcado por frieza. Disse que Alexandra sequer procurou pelo filho, enquanto a cidade estava mobilizada em buscas pela criança. Teria chegado a debochar das pessoas, dizendo que ia procurar o garoto dentro de suas gavetas e panelas.
— Todas as mães dariam a vida pelo próprio filho. A acusada esperou que Rafael dormisse e o matou estrangulado. E como não bastasse tamanha maldade, ela colocou um saco na cabeça do filho, pegou uma corda e arrastou aquela criança. E por dez dias, o manteve numa caixa de papelão, como se fosse um saco de lixo. Essa é a pessoa que eu afirmo que é diferente dos senhores e das senhoras — disse.
O advogado falou ainda sobre a morte do marido de Alexandra, pai de Anderson, que ocorreu em 2007. Na época, o caso foi concluído como suicídio, mas em dezembro a Justiça determinou que sejam abertas novas investigações. O advogado ressaltou que existem semelhanças entre os casos, como o uso de corda e o fato de que o marido estaria alcoolizado, enquanto Rafael estaria sedado.
Tonetto defendeu ainda que o cliente, Rodrigo Winques, não possui qualquer envolvimento com o assassinato do filho.
— O máximo que podemos fazer hoje é condená-la por todos esses crimes. A dor para quem amava o Rafael vai ser eterna e imensurável — disse.