Um dos braços de uma facção que nasceu no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre e se ramificou por boa tarde do Estado, é alvo nesta quinta-feira (5) de ofensiva da Polícia Civil. O grupo é investigado desta vez por patrocinar homicídios e explorar o tráfico de drogas, entre outros delitos, em Alvorada, na Região Metropolitana. Foi lá que iniciou, em abril de 2022, a investigação, que culmina agora com a Operação Eleven. O nome faz menção aos 11 assassinatos apurados pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que teriam sido cometidos pela mesma facção no município.
O grupo atualmente seria responsável por controlar 90% do tráfico de drogas em Alvorada, segundo a investigação. Na tentativa de ter a hegemonia do crime no município, estaria em conflito com rivais, que ainda dominam a região do bairro Tijuca, por exemplo. Os alvos da operação nesta quinta-feira são suspeitos de desempenhar diferentes funções dentro do grupo, desde a ordem para execuções, como é o caso das lideranças, ou gerência do tráfico, até fracionamento de drogas para venda ou armazenamento de armas e entorpecentes.
Os suspeitos são investigados pelos crimes de tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo e também associação criminosa para a prática de homicídios. Ao todo, são cumpridos 97 mandados, sendo 39 de prisão, quatro deles de preventivas e 35 temporárias, além de 58 de busca e apreensão. Até 10h, 27 pessoas tinham sido presas na operação.
Entre os presos, está um policial militar de Alvorada. Segundo a Polícia Civil, foram identificados depósitos da conta de um membro da facção para o servidor da Brigada Militar (BM), além de mensagens trocadas entre eles. A prisão foi realizada pela Corregedoria da BM, com acompanhamento da Polícia Civil. O envolvimento do militar com o grupo criminoso ainda é investigado. O nome e função do policial na corporação não foram divulgados.
A maioria das ordens judiciais é cumprida em Alvorada, mas há também mandados em Canela, na Serra, e Viamão, na Região Metropolitana. Em Viamão, um dos locais onde os policiais fizeram buscas é a casa de um dos suspeitos de exercer liderança dentro do grupo criminoso. O investigado já está no sistema prisional, mas foram realizadas buscas. Dentro da casa, cercada por câmeras de vigilância, foi apreendido um veículo de luxo. Cerca de 225 policiais e 70 viaturas são empregados na operação desta manhã.
Áudios e mensagens
Em abril do ano passado, em Alvorada, foi preso um suspeito de ser o responsável pela logística de armazenamento e distribuição de drogas no município da Região Metropolitana. O investigado, segundo a polícia, era membro do grupo criminoso com origem no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre. Em um celular apreendido com este suspeito a polícia localizou diversas trocas de mensagens sobre pelo menos 11 homicídios ocorridos em Alvorada.
A maior parte desses crimes aconteceu entre janeiro e abril de 2022, mas dois deles eram mais antigos, de setembro de 2020 e novembro de 2021. A maioria dos homicídios, segundo o delegado Edimar Machado, da DHPP de Alvorada, foi cometida contra membros de uma facção rival.
— Tem uma facção que atua no bairro Tijuca, um dos poucos redutos que não é de domínio dessa outra facção. No ano passado, tivemos diversos ataques naquela região. Muitos homicídios resultados de ataques naquela região, que tinha grande movimentação de pessoas vendendo drogas. Eles passavam e atiravam contra os rivais — explica o delegado.
Um dos áudios obtidos pela polícia durante a investigação é sobre um tiroteio ocorrido no bairro Tijuca. Segundo o delegado, os criminosos pretendiam assassinar um membro da facção rival, mas acabaram sendo surpreendidos por atiradores do outro grupo. Centenas de estojos de munição foram encontrados no local. Um dos suspeitos de integrar a tentativa de ataque ficou ferido gravemente. Na troca de mensagens, dois investigados falam sobre o caso. Um deles descreve como teria acontecido o tiroteio:
— Pararam na frente da baia (casa), foram bater no portão, os caras estavam de bico (fuzil) lá dentro, esperando eles. Os caras chamaram eles no estouro, pipocaram eles, daí o gurizão tomou um tiro. Os guris foram pegos de surpresa, foram dar o bote e os caras deram os bote neles também. Deu trocaçada (troca de tiros). O guri tomou um tiro do lado do bulbo (o disparo atingiu o peito, próximo ao coração).
A polícia extraiu outros áudios, nos quais os criminosos se preparavam para atacar os rivais, e fotos que mostram armamentos e vestimentas, semelhantes às militares, usadas durante as emboscadas.
— Dá uma acelerada aí, cupincha, carrega rápido esses três pentes, pega quatro coletes, bota dentro do carro, para os guris ir de uma vez — orienta um dos investigados.
Isolamento de presos
Nos últimos meses, a polícia conseguiu identificar 39 suspeitos de integrarem o mesmo grupo e de envolvimento nos homicídios. Pelo menos seis deles já estão no sistema prisional. De dentro da cadeia, segundo a polícia, os líderes do grupo ordenavam execuções tanto de adversários, de grupos rivais, como de pessoas que estavam devendo, ou mesmo membros da própria facção, quando, por algum motivo, faziam algo que descontentava os criminosos. Num dos áudios obtidos pela polícia, os criminosos falam sobre um suposto envio de picanha para dentro da cadeia (a polícia não confirmou a qual unidade prisional se referia).
— Não sei quanto tá a picanha lá dentro. Qualquer coisa manda Pix, que eu vou mandar Pix de 500, para eles fazer uma brasinha. Esses que tô falando é tudo lá de dentro. Depois da missão, vamos ver essa feição aí. Tem que ser picanha daí — diz um dos investigados.
A polícia obteve ordem judicial para que eles sejam encaminhados a um regime disciplinar diferenciado, numa tentativa de cortar a comunicação com o mundo externo. Ainda será necessário articular com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) como será realizado esse isolamento. Uma das possibilidades é de que os presos sejam remanejados para alguma unidade que já conte com bloqueador de celulares, como a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Facção
O mesmo grupo alvo da operação com foco nos assassinatos em Alvorada está envolvido em sequência de episódios violentos recentes ocorridos em Porto Alegre. Um dos casos resultou na morte de três pessoas na noite de 29 de dezembro, no bairro Vila Jardim, zona norte da Capital. A polícia acredita que o grupo tenha ingressado na área, dominada por outra facção, e atirado contra as pessoas que estavam na rua e em um bar e minimercado. Três homens, de 62, 63 e 35 anos, foram mortos a tiros e um quarto foi baleado de raspão. Nenhuma das vítimas, segundo a polícia, tinha envolvimento com a criminalidade. A suspeita é de que tenham sido mortas somente porque estavam no local.
— Operações dessa grandeza são fundamentais no combate ao crime organizado, na medida em que retiram das ruas executores que estão em liberdade cometendo crimes contra a vida, possibilitam identificação de criminosos que já estão segregados, mas que continuam exercendo comando, sendo então viabilizado o ingresso em regime disciplinar diferenciado, ataca o patrimônio dessas facções, causando prejuízo e dificuldade de reestruturação das células criminosas, além da apreensão de armas e drogas sempre importante nesse contexto — avalia o delegado Cassiano Cabral, diretor da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana.
Resultados
Além dos mandados cumpridos nesta quinta-feira, desde abril do ano passado, outras nove pessoas já tinham sido presas durante a mesma investigação. Também foram apreendidos no período duas pistolas de calibre 9 milímetros, um revólver de calibre 38, uma carabina de calibre 22, e cerca de 25 quilos de drogas.