Teve início na manhã desta segunda-feira (16) o júri de Alexandra Salete Dougokenski, 35 anos, que responde pelo assassinato do filho Rafael Mateus Winques, 11. O julgamento ocorre no Fórum de Planalto, cidade de cerca de 10 mil habitantes no norte do Estado onde o menino foi encontrado morto.
A expectativa é de que o julgamento se estenda por três a quatro dias. A primeira parte do júri foi marcada pelo sorteio dos jurados e por dois depoimentos (leia abaixo).
Rafael desapareceu em 15 de maio de 2020 e teve o corpo encontrado 10 dias depois, após a mãe confessar o crime. O cadáver estava escondido numa caixa de papelão nas proximidades da casa onde eles moravam.
A perícia apontou que a criança foi morta por asfixia — a acusação sustenta que a mulher usou uma corda de varal.
Alexandra é acusada de homicídio qualificado (motivo torpe, motivo fútil, asfixia, dissimulação e recurso que dificultou a defesa), ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual. Presa pelo crime, atualmente ela nega ter cometido o assassinato, e a defesa alega que a morte foi responsabilidade do pai de Rafael, Rodrigo Winques, que morava na Serra quando o crime aconteceu.
Em março do ano passado, o júri chegou a começar, mas foi encerrado aos 11 minutos após a defesa da ré abandonar o plenário.
Movimentação
Por volta das 8h, antes do início do julgamento, já era possível ver movimentação no entorno do Fórum de Planalto. No entanto, a maior parte das pessoas que circulava era de funcionários que trabalham no júri e de imprensa. Diferentemente da outra ocasião, em que o júri chegou a ser iniciado e encerrado logo em seguida, dessa vez não havia a presença de moradores que buscavam acompanhar o caso.
Uma tia de Alexandra aguardava para acompanhar o júri in loco. Para Noeli Batista, 54, a mãe da criança é culpada pelo crime.
— Acho que ela não é inocente, não. Acho que ela fez mesmo. Desde a hora que ele desapareceu, eu acompanhei tudo. Eu estava na casa, e ela estava muito diferente. Ela não era a pessoa que eu conheci, que eu convivi. Ela mudou completamente. E dava para ver no rosto dela, na expressão dela, que alguma coisa estava acontecendo — disse a GZH.
Antes do início do julgamento, as partes envolvidas se manifestaram, ainda do lado de fora do Fórum. O Ministério Público diz ter convicção de que Alexandra será condenada.
— É um conteúdo altamente consistente, como apresentamos desde o início. Não existe a menor possibilidade de qualquer dessas teses (da defesa) vingarem. E o Ministério Público confia na comunidade de Planalto para que seja feita a Justiça, e para que a ré seja condenada à pena máxima — disse um dos promotores, Diogo Gomes Taborda.
O pai de Rafael, Rodrigo Winques, também espera que Alexandra seja condenada. Com frases custas, ele disse à imprensa que não tinha como esperar um crime desses e que não tem medo da acareação — momento em que ele e a mulher responderão a perguntas ao mesmo tempo.
— Para mim, não muda nada.
O advogado dele, Daniel Tonetto, assistente de acusação, diz confiar nos jurados.
— Pena que o julgamento não saiu naquele momento (em março de 2022). Mas tenho certeza de que vai sair agora e de que ela vai ser condenada, porque todas as provas apontam e indicam, sem sombra de dúvida, que ela é culpada.
O advogado de Alexandra, Jean Severo, falou rapidamente à imprensa. Ele disse que acredita que vai apresentar a verdade dos fatos e afirmou que mostrará imagens fortes ao longo do júri.
Sorteio dos jurados
O sorteio dos jurados começou pouco antes das 9h30min. Como o fórum de Planalto é pequeno, não havia espaço suficiente na sala onde é feito o júri. Assim, as portas do fórum foram fechadas e o sorteio foi feito no saguão do prédio.
Foram selecionados três homens e quatro mulheres para compor o Conselho de Sentença. São eles que ficarão responsáveis por dizer se Alexandra é ou não culpada pela morte do filho. O sorteio foi rápido e, por volta das 9h45min, já havia sido finalizado.
Primeiro depoimento
Somente familiares e as partes envolvidas no júri podem acompanhar o julgamento dentro da sala, devido às dimensões reduzidas do local. A imprensa acompanha a transmissão em uma outra sala, dentro do fórum.
O primeiro depoimento começou antes das 10h e era esperado para ser um dos mais emocionantes. Ana Maristela Stamm é professora há 32 anos e deu aulas a Rafael no Instituto Estadual de Educação Pedro Vitório. Quando foi morto, o menino estava no sexto ano, em uma turma de 12 crianças.
A educadora pediu para que seu depoimento não fosse transmitido, de forma que apenas algumas falas foram destacadas pelo Tribunal de Justiça.
Uma das informações ditas pela professora foi que Rafael era "muito inteligente, disciplinado e querido, mas muito quieto". Ela disse ainda que, durante as buscas pelo menino, foi algumas vezes à casa de Alexandra, que não parecia aflita e "se mostrava tranquila".
Delegado ouviu a confissão
O delegado Ercílio Carletti, que coordenou as investigações desde o início, foi o segundo a falar. Foi ele quem ouviu a primeira confissão de Alexandra, em 25 de maio, dia no qual ela indicou onde estava o corpo do filho.
Ele relatou que, desde o início da investigação, a polícia dedicou todos os esforços possíveis para encontrar Rafael. Ele contou, inclusive, que deixou de acompanhar a esposa em um tratamento contra o câncer para se dedicar ao caso. Conforme Carletti, mais de 30 ou 40 perícias foram feitas e muitos depoimentos foram tomados ao longo da investigação — cerca de 50.
Segundo o delegado, várias linhas de investigação foram pensadas no início, e sendo descartadas aos poucos — como, por exemplo, a participação do pai de Rafael. Ele lembrou que Alexandra chegou a indicar o irmão como possível suspeito.
Questionado sobre o estado de ânimo de Alexandra quando foi registrar o depoimento, o delegado disse que não havia alteração.
— Normal. Ela estava normal.
Um dos pontos que causou estranhamento no delegado foi quando Alexandra chamou a polícia para alertar que havia encontrado um calendário com a marcação do dia 14 de maio de 2020 circulada — último dia em que Rafael teria sido visto com vida. O delegado, no entanto, lembra de ter visto o calendário antes disso e que não havia nenhuma marcação.
— Eu olhei o mês de maio do calendário justamente porque 10 de maio é o meu aniversário. Ela foi alçada à condição de suspeita justamente por causa do calendário.
Carletti relembrou que, no celular da ré, havia pesquisas no Google sobre formulação do chamado "boa noite, Cinderela", droga usada para adormecer. Questionada, a mulher não soube o que responder, mas disse que tinha feito essa busca para alertar os filhos sobre os riscos.
Em outro momento, o delegado contou que ele e Alexandra conversaram sobre diferentes assuntos da vida, e o titular das investigações intuiu que ela precisava falar.
— Senti que ela queria falar. Que estava pesando demais para ela e que a coisa afunilou para ela. Até o dado momento em que ela disse que gostaria de abrir o coração e falar sobre o que tinha acontecido. Ela conversou com o Anderson (filho mais velho) e, quando saiu, me chamou.
Na confissão, segundo Carletti, Alexandra contou que conseguiu um medicamento e deu para o menino. Acreditando que estava ele morto, amarrou uma corda no pescoço e nas pernas, e o carregou, com uma espécie de alça. Na residência ao lado da casa, colocou o corpo em uma caixa de papelão, onde estavam várias sacolas, e recolocou as sacolas por cima do corpo.
— A gente conseguia ver a corda no pescoço. Aquilo não batia com a versão. Da forma que ela tinha me falado, a corda não podia estar "retinha". Quando suspende um corpo pelo peso dele, é obrigatório ficar "em formato de V", com um vínculo bem característico.
Tempo após o corpo ter sido encontrado, Alexandra apresentou outra versão à polícia, após dizer que gostaria de mudar o depoimento. Ela afirmou ter matado o filho com intenção.
— Ela deu uma versão lógica, que tem fundamento. Disse que deu um medicamento, que o menino ficou sonolento. Pegou a corda na área de serviço, fez o laço e estrangulou. Nisso o menino teria caído. Parece muito verossímil, porque ele tinha uma lesão do lado. (...) O motivo que ela apontou é a desobediência do menino. Ele não estava fazendo as tarefas de casa. Me surpreende alguém cometer um crime por isso, para mim é sem sentido.
O delegado disse ainda não ter coagido Alexandra a mudar a versão em nenhum momento e garantiu que não tem interesse pessoal no caso. Além disso, independemente da confissão, diz que "a prova dos autos fala por si só".
— Na minha carreira, não só como delegado, mas como agente, eu não me recordo de um inquérito com tanta riqueza de diligências. Tantas perícias e tanta calma para fazer o trabalho da melhor forma. Não me recordo de uma investigação tão bem elaborada.
O depoimento do delegado foi suspenso por volta das 12h35min e retomado no começo da tarde.
Após a pausa para o almoço, que durou cerca de uma hora e 20 minutos, Carletti seguiu com o depoimento. Ele foi questionado sobre a "capacidade de manipulação" de Alexandra e afirmou que se sentiu "um pouco enganado", já que ela apresentou diferentes versões e informações — como, por exemplo, indícios falsos de que o pai do menino, Rodrigo, tinha estado na cidade antes do crime.
— Ela procurava a gente, sempre com uma informação diferente. Dizia que viam o carro do Rodrigo em tal lugar, que foi o Jean (irmão). Teve a questão do calendário. Eu me senti um pouco enganado (...) Ela fala uma coisa, depois aquela coisa aumenta. Contou uma coisa para a conselheira tutelar, outra para mim. Para a vizinha, deu três versões. São pequenos detalhes que a gente vai linkando.
O pai de Rafael foi o primeiro a ser investigado no inquérito, mas, segundo o delegado, ele foi colaborativo com a polícia, e todas as informações que dizia eram confirmadas depois. Por isso, a participação dele no caso foi descartada.
Para o delegado, a morte de Rafael foi premeditada por Alexandra.
— Pelo que se apurou no inquérito, sim (foi premeditado). O motivo que foi apurado e ela mesma comentou foi sobre obediência, falta de cuidado com estudo, excesso do uso do celular.
Para Carletti, há "certeza" absoluta de que Alexandra foi a autora da morte de Rafael. Questionado sobre se a mulher teria se arrependido, disse não ter notado.
— Não consegui sentir esse arrependimento.
Ao longo do depoimento do delegado, o MP exibiu uma série de vídeos. Num deles, Alexandra aparecia na sala de casa, relatando que o filho havia desaparecido durante a noite. Em outro, uma das confissões da ré, na qual admite ter matado o filho, e outro em que afirma ter sido coagida a confessar.
Por diversas vezes, durante o depoimento, o MP questionou o delegado sobre o perfil de Alexandra, buscando apontar que ela era obcecada pela organização e buscava manter o controle dentro de casa.
— Mãe dedicada e rígida — disse.
A manifestação da defesa
A defesa começou questionando se havia algum episódio anterior de violência de Alexandra contra os filhos, e o delegado negou. Logo depois, advogados informaram que também exibiriam vídeos.
— Vou permitir que defesa reproduza os vídeos, em razão de ter sido permitido ao Ministério Público — disse a juíza.
Num dos vídeos, a defesa buscou contestar o estado de debilidade em que Alexandra se encontrava quando foi interrogada em Porto Alegre, argumentando que ela não tinha condições de depor daquela forma. Os questionamentos foram marcados por momentos de embate entre a acusação e defesa.
— O delegado está há quase quatro horas depondo. Peço a todos que tratem com respeito quem está depondo. É o mínimo — advertiu a magistrada.
A defesa passou a fazer questões que levantassem dúvidas sobre a investigação realizada em relação ao pai de Rafael — a última versão de Alexandra indica que Rodrigo Winques teria sido o responsável pelo crime. Um dos pontos explorados pela defesa foram materiais encontrados no celular do pai de Rafael durante a extração, como mensagens e vídeos com imagens eróticas.
— Da mesma forma que vocês afirmam que a Alexandra não tinha sentimento, isso demonstra também que o pai não tinha — alegou o advogado Filipe Trelles.
— Não tive conhecimento das mensagens — disse o delegado.
A defesa indagou ainda se o delegado sabia que, no colégio, Rafael costumava afirmar que Alexandra era sua mãe e pai. Logo depois, questionou se Carletti acredita que ela seria capaz de matar o filho somente porque ele estava no celular.
— Os motivos que levaram ela a matar eu não posso afirmar. Mas o que se conseguiu apurar no inquérito foi isso — disse.
A defesa questionou ainda se havia alguma prova de que Alexandra havia obtido medicamentos na casa da mãe para dopar o filho antes do crime.
— Ela falou isso para mim, palavra dela. Ela afirmou para nós que conseguiu o medicamento na casa da mãe — disse.
Sobre o calendário, foi indagado se foi realizado perícia — o delegado disse que chegou a consultar um perito sobre isso, mas que foi informado que não seria possível realizar esse tipo de procedimento. A defesa insistiu sobre o embasamento técnico das provas, como a afirmação de que Alexandra poderia ter incutido memórias falsas no filho mais velho.
— Não sou psiquiatra — respondeu o delegado.
Jean Severo perguntou se, caso conseguisse provar que o pai de Rafael esteve em Planalto no dia 14 de maio de 2020, o delegado mudaria a conclusão dele:
— Não tenho nenhum elemento que indique que o Rodrigo esteve aqui —disse.
Indagado novamente pelo advogado, o delegado respondeu:
— Teoricamente, sim.
O policial foi perguntado também sobre o fato de o corpo de Rafael não ter exalado odores, e se isso não levantou suspeitas de que poderia ter sido colocado no local depois do dia 10.
— Se tivesse sido feito esse transporte posteriormente, teríamos conseguido identificar passagem de veículo ou algum vizinho poderia ter visto alguma coisa. Acredito que não. Em todas as versões que tínhamos, a própria Alexandra se colocou no crime, colocando o corpo lá. Em todos momentos ela se colocou na cena. Ela que disse o dia e como foi colocado — respondeu.
Após mais de três horas, o depoimento do delegado Carletti foi encerrado. Na sequência, será ouvido o delegado Eibert Moreira Neto, diretor da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que integrou o reforço da investigação.