Há um ano e três meses, clientes de uma confeiteira de Viamão, na Região Metropolitana, esperam pelo desfecho de um caso no qual afirmam terem sido ludibriados. A doceira, que desapareceu após deixar os fregueses sem as encomendas, é investigada por suspeita de estelionato. A Polícia Civil afirma que pretende concluir a apuração até o fim deste ano.
Entre as clientes que dizem terem sido lesadas está uma assistente social, de 46 anos, que costumava comprar doces da confeiteira há algum tempo. No ano passado, adquiriu vouchers promocionais, em valor aproximado de R$ 300. No entanto, em agosto de 2021 foi procurada pela própria doceira, que relatava não ter mais condições de realizar as entregas.
— Meu menino faz aniversário em janeiro. Tinha todo um planejamento, que não aconteceu porque ela acabou ficando com o dinheiro, não entregou os produtos e não devolveu para a maioria dos clientes. Dinheiro não se encontra fácil. Seja R$ 10, R$ 20 ou R$ 30. De pouquinho em pouquinho, vai indo — relata a cliente, que prefere não se identificar.
Assim como outras consumidoras, a assistente social conta que confiou nas promoções porque já acompanhava o trabalho da doceira. Chegou, inclusive, a indicar para uma sobrinha adquirir um voucher de R$ 175. Depois, diz que se sentiu na obrigação de devolver o dinheiro para a familiar.
— Ela causa um prejuízo emocional, porque a gente confia nas pessoas, mas o outro não tem essa mesma responsabilidade. É um dinheiro que investe, contando com algo, e quando vê, a pessoa some com teu dinheiro, sem te dar resposta nenhuma. Fica enrolando. Aquela sensação de que foi iludida — descreve.
A assistente social passou a fazer parte de um grupo de WhatsApp formado pelas consumidoras que relatam terem sido enganadas. O mesmo grupo chegou a ter uma lista de 73 pessoas que afirmam terem quitado valores, sem receber as encomendas. A soma se aproximava de R$ 17 mil.
Entre as pessoas que integram o grupo, está a técnica em enfermagem Vanessa dos Santos, 31 anos, que afirma ter transferido pelo menos R$ 450 para a doceira. Os valores depositados dariam direito, conforme os anúncios de promoções realizados pela confeiteira, a cerca de R$ 6 mil em produtos. O bolo do aniversário de três anos do filho, encomendado com quatro meses de antecedência, estava entre os itens que Vanessa esperava receber. Dias antes da festa, precisou contratar outra profissional para preparar o bolo.
Ela causa um prejuízo emocional, porque a gente confia nas pessoas, mas o outro não tem essa mesma responsabilidade. É um dinheiro que investe, contando com algo, e quando vê, a pessoa some com teu dinheiro, sem te dar resposta nenhuma.
VÍTIMA
Assistente social, 46 anos
— Nunca ia imaginar que ela iria fazer isso. Ela tinha nome. Era maravilhosa. Era cliente dela há uns cinco ou seis anos, mais ou menos — relata.
Promessa de ressarcimento
Logo após a repercussão do episódio, no fim de agosto do ano passado, em sua página no Instagram, a confeiteira investigada publicou nota de esclarecimento, na qual negava que tenha tentado enganar os clientes e repudiava a afirmação de que se tratava de um golpe. Pedia desculpas pelos transtornos e dizia estar buscando uma forma de solucionar cada caso. Na mesma mensagem, havia indicação de contato para solicitar ressarcimento. Vanessa foi uma das que buscou contato, e foi informada de que receberia o valor em cerca de cinco dias, mas isso também não se concretizou.
Após a promessa do ressarcimento, a maior parte das clientes seguiu à espera de novos pagamentos, mas não recebeu mais resposta. O perfil da confeitaria desapareceu das redes sociais e os contatos de telefone não chamam. Vanessa foi uma das clientes que esperou receber o valor de volta, mas isso não aconteceu.
— A sensação que eu tenho é que se pode fazer o que quiser — afirma.
O inquérito
Um inquérito foi aberto na 2ª Delegacia de Polícia de Viamão, reunindo 18 casos de pessoas que alegam terem sido vítimas do mesmo golpe. Os clientes relataram aos policiais o mesmo modo de atuação da doceira, que teria oferecido promoções com preços muito abaixo do valor dos produtos e depois deixado de fazer as entregas.
Segundo a Polícia Civil, a apuração ainda tenta localizar seis dessas vítimas, que já teriam sido intimidadas repetidas vezes, para ouvi-las. O intuito seria primeiro terminar de ouvir os consumidores, para depois buscar interrogar a investigada. Ao longo da apuração, a polícia recebeu informações de que a confeiteira havia se mudado para Santa Catarina.
O objetivo agora é finalizar a investigação no mês de dezembro. Ainda que nem todas as vítimas sejam ouvidas, a doceira deve ser intimidada para ser interrogada e o inquérito deve ser concluído até o fim deste ano.
Como funcionava
- Os clientes eram incentivados a fazer pagamentos antecipados, com os quais seriam beneficiados com vouchers em valores bem superiores. As promoções prometiam, por exemplo, que ao pagar R$ 69,90 adiantado o cliente receberia voucher de R$ 2 mil que daria direito a adquirir produtos.
- Os valores dos anúncios, enviados em grupos ou em mensagens diretas, variavam. Outra promoção anunciava que, ao pagar R$ 99,90, o cliente teria direito a voucher de R$ 1 mil. Havia ofertas de valores mais acessíveis, de apenas R$ 50, para obter direito a R$ 1,5 mil em produtos. Nesse caso, as entregas precisavam ser agendadas com antecedência.
- Em agosto do ano passado, os clientes começaram a ser contatados pela doceira, informando que não teria como realizar as entregas. Depois disso, ela acabou desaparecendo. Há casos também de clientes que relataram terem adquiridos cursos profissionalizantes.