Uma mulher que teve o carro roubado no início do ano em Porto Alegre e reconheceu o assaltante após ele ser preso depôs nesta sexta-feira (21) na Delegacia de Combate à Intolerância. A Polícia Civil recebeu determinação da Justiça para apurar se houve caso de racismo por parte da mulher que, durante audiência no Foro Central, descreveu o ladrão como "uma pessoa de pele escura e traços grosseiros".
Em julho, a juíza Jocelaine Teixeira, da 13ª Vara Criminal, disse ter ficado "chocada" com a descrição e determinou que o caso fosse apurado. A magistrada, que condenou o ladrão pelo roubo do veículo — a mais de oito anos de prisão —, entendeu que uma conduta não exclui a outra.
A mulher, que pediu para não ser identificada, diz que não teve intenção de ofender ninguém e que apenas fez uma descrição de como era o assaltante. Foi exatamente isso que ela reforçou nesta sexta-feira à polícia.
O diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Sander Cajal, afirmou que o depoimento prestado pela mulher após o assalto é comum na polícia, principalmente na área dele, que, entre outros delitos, apura roubos de carro na Capital. Na avaliação do policial, não se configurou intenção da mulher em depreciar outra pessoa.
Já a titular da Delegacia de Combate à Intolerância, Andrea Mattos, diz que, até o momento, não encontrou elementos para instauração de inquérito. Depois de ouvir a vítima de roubo de carro, analisar o documento enviado pela juíza e o termo da audiência em que teria ocorrido a manifestação racista, ela irá decidir se a investigação continuará. Nos próximos dias, Andrea vai enviar um comunicado oficial à Justiça sobre sua decisão.
Por outro lado, algumas entidades sociais ressaltam que este fato é mais um envolvendo o racismo estrutural. Ubirajara Toledo, integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, diz que o fato ocorrido reforça uma herança de violência institucionalizada que ainda está presente na sociedade brasileira.
Já o historiador, jornalista, professor universitário e doutor em Ciências da Comunicação Deivison Campos destaca que todo o fato sempre precisa ser apurado. Em uma primeira análise, ele vê que a descrição da vítima pode estar ligada mais ao senso comum do que à prática de racismo ou até mesmo de injúria racial. Campos afirma que também precisa ser verificado se houve alguma outra manifestação além da que foi destacada pela magistrada, contudo, entende que algumas formas de linguagem relacionadas à raça sempre precisam ser repensadas.