Angelica Aparecida Cidade da Silva, de 46 anos, veio de família grande. Mais velha dos oito irmãos, ela assumia o papel de protetora e os defendeu enquanto cresciam em um orfanato. Anos depois, também se tornou a guardiã dos quatro filhos, que batalhou para criar em uma casa simples em Sapiranga. Nos últimos meses, no entanto, ela perdeu o contato com eles e demais familiares, ao se mudar para uma casa no bairro Santa Tereza, na zona sul da Capital, para viver com o companheiro, de 42 anos. Assídua no trabalho, Angelica não apareceu no restaurante onde era auxiliar de cozinha por três dias seguidos e causou preocupação nos colegas, que acionaram a polícia.
Na terça-feira (14), agentes foram até a casa dela atrás de informações, mas encontraram uma confissão de assassinato por parte do namorado. Ele afirmou ter matado a mulher após uma briga, enforcando-a com a echarpe que ela usava. Depois, os conduziu até o cômodo onde o corpo de Angelica jazia há quatro dias, embaixo de uma pilha de roupas, com o pescoço ainda envolto pelo lenço.
A identidade do homem, que foi preso, não foi divulgada pela polícia. O caso é investigado como feminicídio pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam).
— É um choque tão grande. Os irmãos estão até agora em uma revolta muito grande. É algo horrível demais. No começo a gente não queria acreditar, nunca ia achar que ele seria capaz de fazer o que fez. É difícil acreditar também porque ela era uma mulher muito guerreira, não levava desaforo para casa, enfrentava tudo. Criou os filhos sozinha, e Deus o livre alguém fazer algo contra eles. Sempre foi aquela pessoa que não se deixa ser colocada para baixo — lamenta a cunhada da vítima, Rita Daniela da Rosa, 39.
Segundo a família, Angelica era discreta e não costumava dar detalhes sobre a vida pessoal. Rita conta que os irmãos não confiavam em seu namorado. Com a situação, ela teria se afastado. Os filhos, de um relacionamento anterior, ficaram morando com o pai em Sapiranga quando ela se mudou para a Capital com o companheiro. Os dois estavam juntos há cerca de um ano e meio.
— Acho que ela estava apaixonada. Ela sempre foi uma pessoa muito boa. A gente se criou em orfanato e ela, a mais velha, era nossa protetora. Não deixava ninguém encostar na gente, sempre nos defendia, cuidava de todos nós. Depois de adultos, sempre dizia que o sonho dela era ter uma casinha e morar perto da gente, dos irmãos. Então trouxemos ela aqui para Sapiranga, viver aqui perto. Mas infelizmente depois ela se mudou com ele e perdemos o contato. É muito triste. A gente está sem chão — conta o irmão, Angelo Cidade da Silva, 42.
Mensagem em tom de despedida
De acordo com a polícia, o companheiro da vítima afirmou aos agentes que cometeu o crime na sexta-feira (10) à noite. Pouco antes, naquele mesmo dia, Angelica ligou para os filhos, em uma conversa que parecia ter tom de despedida, segundo os familiares.
— Ela ligou e falou com os quatro filhos. Disse que amava muito eles, que era para se cuidarem, que ficassem bem. O pai deles estranhou e comentou com a gente que parecia estranha, como se estivesse se despedindo. Nós não tínhamos contato com ela há algum tempo, não entendemos. Só depois, na terça, a gente entendeu — lembra Rita.
Natural de Novo Hamburgo, Angelica foi sepultada no cemitério Municipal de Sapiranga, na quinta-feira (16).
Testemunhas relatam "controle excessivo"
Segundo a cunhada, Angelica era caseira, gostava de assistir a filmes e séries. Quando ia ao Centro de Sapiranga, "revirava" lojas atrás dos melhores preços.
— Era muito centrada, sabia administrar as coisas dela. Ela pesquisava antes de comprar, sabe? Olhava tudo, brinco que ela colocava a loja de cabeça para baixo— brinca Rita.
Quando mais jovens, ainda antes de ter filhos, Angelica e a cunhada costumavam sair para se divertir junto de amigos e dos irmãos. Vaidosa, gostava de passar batom e de arrumar o cabelo.
Mas a alegria não parecia presente nas últimas semanas de vida da mulher, de acordo com a Polícia Civil. Conforme relato de colegas de trabalho, ela parecia triste, afirma a delegada Fernanda Campos Hablich, da DEAM. As testemunhas também contaram que o companheiro demonstrava "controle excessivo".
— As pessoas que trabalhavam com ela notaram que, nas últimas semanas, ela estava bem para baixo, parece que o casal vinha brigando bastante. Em outros momentos, eles dizem ter visto casos de muito controle por parte desse companheiro. Ele ia muito ao trabalho dela. Se ela não atendia o celular, ele ia até lá, ver se ela estava mesmo trabalhando, o que estava fazendo — diz a delegada.
Angelica, no entanto, não dava detalhes sobre o relacionamento, conforme os depoimentos.
— Como ela era reservada, não falava, não se abria sobre o que vinha acontecendo. Era boa no trabalho, assídua, interessada, mas não falava sobre si. É uma pena porque, talvez, se ela tivesse falado, os colegas pudessem ajudar. Ela era uma pessoa muito querida ali.
Segundo a polícia, vizinhos do casal relataram ter ouvido gritos vindos da residência entre sexta-feira e sábado, mas não foram até o local porque as brigas seriam frequentes. Não havia registro de ocorrência contra o homem por parte da vítima.
A delegada acredita que, após matar Angelica, o suspeito tenha entrado em surto. Ele indicou onde estava o corpo da mulher assim que os policiais entraram na casa, segundo Fernanda:
— Até aquele momento, tínhamos um registro de desaparecimento. Os policiais foram até a casa e ele logo admitiu: "Ela está aqui. Está morta". Disse que estava no cômodo dos fundos e levou os policiais até o corpo. Acredito que tenha entrado em surto e não sabia o que fazer. Se estivesse planejando esconder o corpo, não teria indicado tão prontamente. Ele não demonstrou nada, raiva, arrependimento, só estava apático — pontua.
Na versão do homem, houve uma briga causada por ciúme de Angelica e ele acabou agredindo-a. A delegada aponta que a versão destoa do relato das testemunhas até o momento.
— Infelizmente, a violência progrediu de forma extraordinariamente rápida nesse caso. Normalmente, a violência psicológica, física, emocional se desenrola por anos. É preciso que todos nós tenhamos muita atenção a esses sinais. Normalmente, começa com o controle disfarçado de proteção, carinho, cuidado. Você precisa dizer onde está, com quem está, mandar localização. Como se a pessoa estivesse com saudade. Mas não está. Esse controle excessivo não é proteção, é violência. E a partir daí ela começa a evoluir.
Nos próximos dias, a polícia pretende ouvir o relato de familiares e do ex-companheiro de Angelica. A equipe também aguarda o resultado da perícia no corpo da vítima para concluir a investigação.
Contraponto
O homem é representado pela Defensoria Pública do Estado, que informou que irá se manifestar somente nos autos do processo.
Durante o depoimento à polícia, acompanhado do defensor, o homem permaneceu em silêncio. Ele tem antecedentes criminais por posse de entorpecentes, furto e furto qualificado, segundo a polícia.