Um assassinato cometido há quase três décadas no Rio Grande do Sul começará a ser punido a partir de agora, graças a uma investigação da Polícia Federal (PF) que ultrapassou continentes. O foragido gaúcho Paulo Afonso Corrêa de Bem, 50 anos, foi extraditado nesta sexta-feira (3) da França, onde estava desde 1995. Ele cumprirá pena pelo assassinato da então noiva dele, Núbia Beatriz da Fontoura Farias, que tinha 23 anos quando foi morta, em 29 de maio de 1993.
O crime chocou São Gabriel, cidade gaúcha da Campanha, onde os dois residiam. Núbia e Paulo Afonso (que tinha 21 anos na época) eram sócios numa academia e estavam noivos. O homicídio foi cometido com uma arma de fogo, nos fundos da casa do casal. Afonso saiu correndo, dizendo que iria buscar um médico, e nunca mais foi visto. A noiva foi socorrida, mas faleceu dois dias depois.
Ante seu desaparecimento, Paulo Afonso virou réu à revelia. Foi julgado em São Gabriel, mesmo sem estar presente, e condenado, em 30 de maio de 2011, a 16 anos de prisão, por homicídio qualificado. Restava saber como localizar o condenado.
A Polícia Federal iniciou contatos no mundo inteiro. Sem que se soubesse, Paulo Afonso já havia fugido para a França. Não se tem ideia de como chegou naquele país, mas, curiosamente, usava lá o próprio nome. Em 1995 ele se alistou na Legião Estrangeira francesa, uma unidade militar formada por voluntários, que combate em guerras em todos os continentes. Serviu nessa tropa por cinco anos. Combateu no Chade e na República Centro-Africana. Em decorrência da atuação nos combates, conseguiu cidadania francesa.
Ao deixar a Legião Estrangeira, Paulo Afonso trabalhou por 15 anos com segurança privada, na França. Inclusive montou sua própria empresa, em 2003.
A nota mais curiosa nessa trajetória aconteceu em 2015, quando o brasileiro passou a colaborar com a Gendarmerie (uma das polícias francesas), após os atentados terroristas na casa de espetáculos Bataclan. Ele inclusive participava de missões com policiais, extraoficialmente, embora fosse apenas segurança privado, relataram franceses à Interpol. Algumas lacunas nessa história permanecem. Como Paulo Afonso virou colaborador da Polícia francesa, se era foragido? Ninguém sabia da identidade dele? O certo é que com o tempo ele foi identificado.
"Possivelmente os franceses não tinham ideia de que aquele brasileiro era foragido, até porque seu nome ainda não constava como procurado pela Interpol (Polícia Internacional)", relata um agente ouvido pela reportagem.
Após a saída da Legião, em 2000, Afonso morou em Aix-en-Provence. Ficou sempre no sul da França, na região chamada Bouches-du-Rhone. A inclusão de Paulo Afonso na Lista Vermelha da Interpol (como foragido) se deu em maio de 2017. Ele foi detido em seguida. Quando foi preso, em 2018, trabalhava na polícia municipal de Aix-en-Provence, mas vivia em Luynes, outra cidade da Provença. Foi uma detenção tranquila. Ele fazia escolta de um carro-forte, quando foi abordado por policiais. Ao se identificar, lhe foi apresentada ordem de prisão. Ele ficou 28 meses recluso e, depois, teve permissão para permanecer em liberdade, enquanto seu processo de extradição (solicitada pelo Brasil) não era julgado. O brasileiro precisava se apresentar às autoridades francesas uma vez por semana.
Em setembro de 2021 a extradição de Paulo Afonso foi concedida pela Justiça francesa. Ele recorreu, mas a decisão foi confirmada e executada esta semana. Ele desembarcou na manhã desta sexta-feira (3) no Aeroporto Internacional de Porto Alegre e foi encaminhado ao sistema penitenciário do Rio Grande do Sul. A extradição mobilizou a Polícia Federal, a Interpol no Brasil/PF, a Interpol na França, a Representação Regional da Interpol no Rio Grande do Sul, a delegacia da Polícia Federal em Santana do Livramento e o Ministério das Relações Exteriores (MRE).