De olho em precatórios a serem liberados pela Justiça, gaúchos têm sido vítimas de um golpe que usa nomes de advogados e do Tribunal de Justiça para enganar autores de ações judiciais que buscam indenizações. Usando documentos falsos com o timbre do Poder Judiciário, os suspeitos de estelionato usam informações verdadeiras e públicas para solicitar valores a pretexto de liberar os pagamentos. O esquema foi revelado pelo Fantástico, em reportagem produzida pela RBS TV.
Foi o caso de uma professora aposentada de 74 anos. Com um precatório de R$ 89 mil, ela conta que recebeu mensagem de uma mulher que dizia ser a advogada Sheila Feldmann. Para obter o valor liberado, ela teria de transferir para uma conta R$ 5,9 mil. Depois, a suposta advogada pediu um segundo depósito, de R$ 14 mil. Os valores seriam, de acordo com a mulher, para quitar as custas judiciais e recolher o Imposto de Renda referente ao precatório.
— Já tinha depositado R$ 5,9 mil. Depois que eu depositei, ela (a falsa advogada) disse assim: "Tá faltando para tu escapar do Imposto de Renda". Mas aí eu não tinha mais dinheiro, né? Arrumei emprestado. Fui lá e depositei mais R$ 1,2 mil. É muito triste — lamenta a professora, que guardava o dinheiro para quitar o financiamento de um carro.
Outro professor aposentado, de Soledade, conta que perdeu R$ 5,9 mil. A promessa era o pagamento de um precatório de R$ 85 mil:
— Através de um WhatsApp que eu recebi, dizia que era do escritório da doutora Sheila Feldman. Falei como se estivesse falando com ela.
Com autorização de uma vítima, a reportagem da RBS TV ligou para a suposta advogada, fingindo ser parente da autora da ação. O primeiro contato é feito por uma secretária, que usa o mesmo nome da funcionária do verdadeiro escritório. Ela, então, transfere a ligação para a falsa advogada:
Repórter - Oi, doutora, tudo bem?
Suposta advogada - Tudo ótimo.
Repórter - Sobre um depósito aí, em torno de uma indenização que ela tem a receber? Esses R$ 109 mil seriam liberados em quanto tempo?
Suposta advogada - Foram tramitados e liberados esses precatórios, para pagamento. Esses valores já se encontram na conta jurídica do escritório.
O escritório da verdadeira advogada Sheila Feldman tem 5 mil clientes em Porto Alegre. Pelo menos 70 deles receberam mensagens da quadrilha.
— Eles usam o logo do escritório, o que induz efetivamente o cliente ao erro. Em um dos documentos que são encaminhados ao cliente, aparece o logo do Poder Judiciário, tudo direitinho. Com o número do processo — afirma a advogada.
O corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luís Antônio Johnson, afirma que o fato de os processos serem públicos faz com que os criminosos tenham facilidade em conseguir os dados das ações.
— Nenhuma informação privilegiada parte de dentro do Tribunal de Justiça. São ações que são públicas. E o nome da pessoa, ela está no portal (do TJ) — garante o magistrado.
A principal dica das autoridades para não cair no golpe é telefonar para o número que a pessoa já usava para contatar seu advogado assim que receber qualquer mensagem suspeita sobre as ações judiciais. Além disso, é preciso considerar que o pagamento de custas judiciais é feito via guia emitida pela própria Justiça, e nunca a pessoas físicas, via Pix, como acontece neste golpe.
— Os golpistas estavam pedindo Pix, o que não é de praxe do Poder Judiciário. Sempre o pagamento é feito através de guias e com a validade e a verificação de que esses depósitos vão para o Tribunal de Justiça, e não para uma conta de um CPF, de uma pessoa física — explica a advogada Jéssica Negreiros, cujo escritório recebeu uma centena de reclamações de clientes afirmando que receberam contato de criminosos.
A polícia investiga ainda o caso de um homem que afirma ter perdido mais de R$ 500 mil neste folpe.
— O que dificulta é o rastreio desses valores, justamente porque os valores são transferidos por Pix e depois são pulverizados de forma rápida. Por mais que a vítima procure uma delegacia da forma mais rápida possível, quando a gente vai verificar, esses valores não estão mais em conta — afirma o delegado André Anicet, da Delegacia de Crimes Informáticos.