O caso da mulher e sua filha que teriam sido agredidas pelo segurança de uma loja dentro de um shopping de Porto Alegre deve ser investigado por suspeita de crime de racismo. Após registrar um boletim de ocorrência no Palácio da Polícia na quinta-feira passada (7), data em que o fato ocorreu, a dona de casa Lidiane Espinosa dos Santos, 36 anos, lavrou um novo registro, desta vez, junto à Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI) da Capital.
A delegada Andréa Mattos, titular da DPCI, comenta que o registro foi recebido na manhã desta segunda-feira (10). Na sequência, uma equipe foi deslocada até a loja Americanas do Shopping João Pessoa para verificar as imagens de circuito interno captadas pelas câmeras de segurança.
— Conseguimos as imagens da loja em que foi possível perceber a abordagem na saída e a confusão que ocorreu após. A agressão física alegada pela cliente não foi possível visualizar, nem a agressão que o segurança alegou, pois isto ficou no ponto cego do vídeo — diz a delegada.
Nos próximos dias, o vídeo completo deve ser disponibilizado à Polícia Civil. Nesta terça-feira (11), a delegada ouviu uma testemunha que estava no shopping na quinta-feira e disse para Lidiane a registrar o caso.
Nesta quarta-feira (12), estava previsto que fosse ouvida uma testemunha que afirma ter presenciado a agressão. Até o final desta semana, serão ouvidas as testemunhas e na próxima semana serão chamados a depor os funcionários da loja. A delegada comenta que a suspeita de crime de racismo tem como base dois momentos relatados por Lidiane.
— Verifico que houve uma situação de hipervigilância com relação às duas mulheres, que são negras. Acredito que tenha sido devido à cor da pele, especialmente em dois momentos em que houve uma desconfiança infundada. Primeiro, no momento em que ela foi fazer o pagamento, quando o caixa perguntou se era só aquilo que ela compraria, e depois na saída. Naquela abordagem, o segurança pode ter caluniado a cliente. Mas isso só será averiguado após a investigação — pontua a delegada.
O novo registro na delegacia especializada foi efetuado por orientação da defesa da cliente.
— Acompanho vários casos de racismo. O fato de ela e a filha serem negras requer que façamos o registro a partir desta particularidade. Embora não tenha ocorrido a verbalização, para nós não há dúvida de que a agressão foi motivada pela cor da pele — frisa o advogado Márlon Reis.
Americanas apura o caso
Em nota, a Americanas S.A. informou que segue apurando o caso, mas que até o momento “não foi possível confirmar o incidente na forma narrada pela cliente.” A rede também afirma que está cooperando com as investigações. Leia a nota na íntegra:
"Americanas esclarece que até o momento as apurações internas, iniciadas desde que tomou conhecimento do ocorrido, não são conclusivas e que não foi possível confirmar o incidente na forma narrada pela cliente. A Americanas informa ainda que colabora com as investigações conduzidas pela autoridade policial e que possui interesse em sua continuidade para completa elucidação dos fatos. A companhia está tentando contato com a cliente. Reforça também que realiza treinamentos periódicos acerca de todas as suas políticas e rotinas operacionais e que não compactua com práticas que lhes sejam contrárias."
A administração do Shopping João Pessoa também se manifestou destacando que o fato ocorreu “isoladamente com a equipe de segurança particular das Lojas Americanas, não do shopping.”
Um ano de DP
Inaugurada em 10 de dezembro de 2020 — 20 dias após a morte de João Alberto de Freitas — a Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância registrou cerca de 400 atendimentos no primeiro ano de funcionamento. Conforme a delegada Andréa Mattos, de cada 10 registros, sete referem-se a casos de racismo ou injúria racial.
O posto é especializado no atendimento de crimes relacionados à raça, cor, etnia, lgbtfobia e preconceitos contra deficientes. A DPCI fica na Avenida Presidente Franklin Roosevelt, nº 981, no bairro São Geraldo, na zona norte da Capital. Denúncias podem ser feitas pelo telefone (51) 98595-5034, em qualquer delegacia, ou por meio de boletim online.